Costa fala de Sócrates no congresso mas para elogiar
Discurso. Secretário-geral pede a socialistas que se foquem no “médio prazo”. E revela ser favorável à eutanásia João Galamba. “O PS não deve entregar-se a sessões de catarse e autoflagelação” Caso. O tabu com que os socialistas estão a aprender a lidar
Sorridente, confiante, desengravatado, António Costa cumpriu os trâmites da tradicional “hora socialista”. Subiu ao palco do XXII Congresso Nacional do PS, no Centro de Exposições da Batalha, com muito mais de uma hora de atraso em relação ao programado. Foi pelas 20.50, quando estava previsto que começaria a falar pelas 19.30. Antes, os delegados haviam assistido, no palco, a uma homenagem a Mário Soares que incluiu música cantada ao vivo, vídeos da vida do fundador, a voz de Manuel Alegre declamando Sophia ou um depoimento de Maria Barroso sobre como se sentiu quando a ditadura lhe deportou o marido para África. Foram para Soares as primeiras palavras de Costa. “Legou-nos um grande partido, de gente extraordinária.” E logo aproveitou para deixar claro que no partido não há problemas de identidade: “Nenhum português tem dúvidas do que é o PS e onde está o PS.”
Quem estava à espera que, de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, o secretário-geral do PS falasse da Operação Marquês enganou-se. Como já o tinham feito saber várias fontes, mais ou menos oficiais, o líder socialista quer o partido concentrado no próximo ciclo eleitoral: eleições europeias em junho de 2019 e legislativas em outubro. A espuma dos dias ficou para os jornalistas que iam, à entrada do pavilhão, interrogando mais ou menos tudo o que mexia.
Mas o nome do secretário-geral maldito até apareceu no discurso do líder do partido. Só que não para se demarcar – muito pelo contrário. Foi mesmo para o elogiar, por ter conseguido, como primeiro-ministro, o Tratado de Lisboa, no contexto de referências ao europeísmo de sempre do PS, desde Mário Soares (com a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia) a António Guterres. Sócrates apareceu também numa fotogaleria exibida aos congressistas no ecrã gigante do fundo do palco principal, fotogaleria com 45 figuras para assinalar os 45 anos do PS.
E “corrupção” não foi uma palavra ausente do seu discurso – embora o seja totalmente da moção global que levará a votos perante os congressistas. Costa recordou os pergaminhos do partido no “combate à corrupção” e até recordou o panorama temporal do tempo em que o fez: a seguir à “década cavaquista”.
E, certamente para grande alegria do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, que tem sido um porta-estandarte da clarificação ideológica do partido, pronunciou ainda a palavra “esquerda”. Para dizer que esse é o lugar do partido: “O PS sabe transformar os valores da esquerda nos valores da vida de cada português.” Foi mesmo a fechar o discurso.
De resto, esforçou-se, muito abertamente, por pedir aos con- gressistas que se concentrem “no médio prazo”. Argumento que não há necessidade agora de antecipar a discussão do programa as próximas legislativas (haverá uma convenção em junho de 2019 para tratar disso). E as eleições europeias, em junho do próximo ano, também não são de urgência (também está convocada uma convenção, para dezembro próximo). Assim, conseguiu-se “algo raro”: a “oportunidade” para se discutir “o médio prazo”. “Chegamos a este congresso orgulhosos da nossa história” e “tranquilos porque asseguramos estabilidade a mudar de políticas”. A seguir, elencou os quatro temas em que quer ver o congresso concentrado: alterações climáticas, sociedade digital, demografia e combate às desigualdades.
Verdadeiramente novo no discurso do líder do PS foi o anúncio de que ele próprio é pelo “sim” à despenalização da morte assistida – e recordou que o partido tem um projeto nesse sentido no Parlamento. Até agora, Costa tinha apenas dito que esta era uma matéria em que sentia dificuldades em ter uma ideia fechada. Há dois dias, no Parlamento, instado por Assunção Cristas, recusou dizer sim ou não, argumentando que é uma questão parlamentar e que estava ali como chefe do governo. A intervenção, ontem, de Cavaco Silva em favor do “não”, numa declaração à Rádio Renascença, poderá ter sido decisiva para Costa alinhar definitivamente pelas tropas do “sim”.
Outro compromisso assumido pelo secretário-geral do PS foi inteiramente dirigido a um parceiro da geringonça, o PCP. Costa prometeu que o governo legislará para que as reformas antecipadas de quem tenha tido longas carreiras contributivas “não tenham penalizações”.
Hoje os trabalhos iniciar-se-ão com uma homenagem a António Arnaut. E depois começará o debate das moções globais. António Costa só deverá voltar a discursar no domingo.
“O PS foi sempre e é campeão do europeísmo em Portugal. Foi assim quando, presidido por Mário Soares, apresentámos o pedido de adesão a CEE. Foi assim quando Jaime Gama assinou a adesão. Foi assim nos governos de António Guterres com a adesão ao euro. E foi assim com José Sócrates, quando assinou o Tratado de Lisboa. Sim, fomos sempre europeístas”
ANTÓNIO COSTA
SECRETÁRIO-GERAL DO PS