Fernando Medina “Não vejo nenhuma crise identitária que mereça resposta”
Presidente da Câmara de Lisboa diz que acordo com o BE tem corrido “francamente bem”, mas não faz prognósticos sobre se esta pode ser uma solução governativa em 2019
Fernando Medina diz que acompanha mal – leia-se com pouco interesse – o debate ideológico no PS. Defende que o XXII Congresso tem como único protagonista António Costa, que espera ver “por muitos e bons anos” na liderança. E ao presidente da Câmara de Lisboa só lhe falta, como a Pedro Nuno Santos, ser secretário-geral do PS? “Gosto de pensar que ainda tenho juventude para fazer muitas coisas.” O PS travou, no pré-congresso, um debate ideológico sobre o posicionamento do partido. Não se pronunciou neste debate. Qual é a sua perspetiva? Esse debate, sem desprimor para todos aqueles que gostam desse registo, não é essencial para um partido como o PS. António Costa disse exatamente isso: o PS sabe onde está e está exatamente no mesmo sítio. O PS tem uma marca identitária muito forte, com valores-chave muito claros que os portugueses conhecem bem, da liberdade, do desenvolvimento, da igualdade, da solidariedade. E as várias gerações que constituem o PS, desde a sua fundação até agora, a arte que tiveram foi tentar encontrar, em cada tempo, a forma de concretizar esses valores. O PS está exatamente onde sempre esteve e a procurar encontrar, em cada época, os desafios para manter e atualizar esses valores. O PS pode chegar-se à direita ou à esquerda conforme as circunstâncias? A forma como, muitas vezes, essa questão é posta não valoriza a centralidade que o PS tem na política portuguesa. O PS tem um espaço de uma dimensão muito significativa. Não tenho nenhuma dúvida de que é um partido de esquerda, da esquerda progressista, que tem diferenças históricas com os partidos à sua esquerda, que são evidentes. Tem também diferenças muito claras com a direita. Não vejo que haja nenhuma crise identitária que mereça resposta, o PS está muito bem consigo próprio. Por isso, acompanho mal este debate de um milímetro para a esquerda, um milímetro para a direita. Mas também diria que o PS não é o partido do povo da esquerda? Eu diria que o PS é o partido da esquerda progressista. A atual solução de governo é repetível em 2019? É muito cedo para qualquer debate sobre a solução política em 2019. São os portugueses que vão ditar qual será a solução governativa futura e que condições vão dar, nomeadamente ao PS, para poder liderar essa solução política. No pré-congresso, e não estando em causa agora a liderança, já se falou do pós-costismo. A frase “só me falta ser secretário-geral do PS” [de Pedro Nuno Santos] é uma declaração de pré-candidatura futura? Terá de perguntar ao autor da frase. Este congresso é, obviamente, o congresso de António Costa, é o último antes das legislativas de 2019, marca um importante processo de mobilização, de afinação programática, das linhas mestras do programa político que vamos debater ao longo do próximo ano e meio. E a si, também só lhe falta ser secretário-geral do partido? A mim faltam-me tantas coisas. Gosto de pensar, aliás, que ainda tenho essa juventude para fazer muitas coisas. É apontado como um futuro candidato à liderança, talvez em duelo com Pedro Nuno Santos.Vê isso acontecer? Eu percebo a dinâmica mediática, mas deixe-me dizer que este é o congresso de António Costa, para muitos e bons anos na liderança do PS e, acima de tudo, na liderança do país. E é nisso que me concentro, do ponto de vista da ação deste congresso: contribuir para fortalecer a proposta política do PS e contribuir o mais possível para um bom resultado do PS nas legislativas de 2019. Como é que está a correr o acordo com o Bloco na Câmara de Lisboa? Francamente bem, por várias razões. Primeiro porque é um acordo programático, definimos muito bem o que é que queremos fazer em conjunto e estamos a ser capazes de concretizar, de forma muito avançada, aquilo com que nos comprometemos. Sugeriria esta solução a António Costa para o governo do país? [Risos] Acho que em cada conjuntura é preciso encontrar a resposta política que melhor permita a afirmação dos valores e do programa do PS. Naturalmente, com a capacidade de diálogo que é exigível. Carlos César defendeu a necessidade de reformar as leis aplicáveis aos titulares de cargos políticos para aumentar a transparência. Concorda? Pode haver sempre alguma afinação do quadro legal, para garantia de todos, pela garantia de transparência, mas também para que os próprios titulares de cargos públicos saibam com rigor, muitas vezes no emaranhado legal que é criado, quais são exatamente as obrigações que têm de cumprir para que não se gerem equívocos, que depois são laterais mas que acabam por criar ruído. Está a pensar em algum caso? Não, acho que é normal isso acontecer ao longo do tempo. Sou favorável a que haja uma afinação do quadro legal, não creio que seja esse o aspeto central que o país necessita nessa área, nem creio que se deva criar a ideia de que vamos resolver todas as questões suscitadas no plano da prática pública através da lei, porque não o vamos conseguir. A ideia de que um quadro legal cada mais vez restritivo ou punitivo, que é essa solução para uma prática pública, mais transparente, não creio que seja. E quanto à corrupção, o país precisa de novas leis? Não tenho visto no debate, mesmo ao nível do sistema judicial, pôr a ênfase na questão da lei.Vejo, por vezes, a questão dos recursos que estão afetos à área da investigação. E se assim for, é obrigação do Estado resolvê-lo, porque o combate à corrupção é essencial num Estado de direito, como o é a celeridade no funcionamento da justiça. O PS tem uma reflexão a fazer sobre o caso José Sócrates? A reflexão que temos todos a fazer é, em cada momento, como é que aperfeiçoamos as condições do exercício das funções públicas, a exigência de transparência, esse é o grande debate, que o PS não tem falhado. Durante algumas semanas, vários dirigentes do PS pronunciaram-se sobre o caso Sócrates. A questão não foi aflorada no congresso. Está resolvida? Acho que nessa matéria havia a expectativa por parte de alguns órgãos de comunicação de que este congresso se transformasse num espaço de debate sobre José Sócrates. Quem conhece o PS perceberia que não iria ser assim. Este congresso está muito marcado pela necessidade de o partido dar resposta aos problemas do país e não num discurso centrado sobre um problema que o próprio PS identificou, e separou: não há politização de um processo judicial, que corre na sua esfera judicial.