Extremos tocam-se. PCP e CDS muitas vezes de acordo
Entendimento na eutanásia não é inédito, sobretudo em questões de valores. Mas contando os votos do último mês, houve mais vezes acordo que desacordo
Quando Assunção Cristas saudou a posição do PCP sobre a despenalização da eutanásia, a presidente do CDS estava a cumprimentar um partido com quem os centristas estão mais vezes de acordo do que parece.
Não é preciso recuar a 23 de março de 2011, quando toda a oposição se uniu para chumbar o PEC IV, provocando a demissão do primeiro-ministro de então, José Sócrates. Ou mesmo à lei da procriação medicamente assistida, na qual o PCP alinhou com o CDS e PSD. Só no último mês, desde 26 de abril, PCP e CDS estiveram de acordo em 85 votações na Assembleia da República – e em desacordo por 74 vezes.
Quando se passa essas votações a pente fino, os números revelam que o entendimento existente entre comunistas e centristas acontece em momentos de maior consenso parlamentar: em 47 ocasiões das 159 votações registadas neste intervalo (de 26 de abril a 24 de maio), o Parlamento votou projetos e propostas de lei e projetos de resolução por unanimidade das bancadas. A estas votações unânimes, juntam-se mais 11 votos de louvor e pesar que mereceram o acordo de todos os grupos parlamentares.
Em todo o caso, PCP e CDS estiveram de acordo noutras votações que não foram de entendimento tão alargado na Assembleia da República: por nove vezes em projetos e propostas de lei; por 18 vezes em projetos de resolução – que são recomendações feitas ao governo e se traduzem, por exemplo, em reivindicações como a melhoria de estradas, escolas ou centros de saúde. Esse entendimento verificou-se em votos favoráveis e abstenções. Desacordo nos projetos de lei Nas votações em que os dois partidos estiveram em desacordo, ganham peso os projetos e propostas de lei – por 31 vezes – como no caso do alargamento das 35 horas aos trabalhadores do setor privado. “O PCP sempre privilegiou a dimensão económico-social e sempre teve muita prudência no que toca à dinâmica de valores – como no casamento gay. Não são causas do PCP. Pode votar nelas, mas não as desencadeia”, notou o politólogo António Costa Pinto (ver entrevista ao lado).
O CDS perdeu nos últimos anos o exclusivo de uma “dinâmica antiestatista”, apontou Costa Pinto. “Se nos lembrarmos das oscilações de Paulo Portas, que ensaiou um CDS entre um modelo mais conservador social e um modelo mais liberal, foi Passos Coelho que, no fundo, fez crescer algumas bandeiras liberais no PSD e algumas eram do CDS.” Essas bandeiras também mantiveram o partido “numa harmonia difícil entre o modelo mais liberal com um programa mais social-cristão”, avançou o professor universitário.
“A grande demarcação do PCP é que é um partido verdadeiramente estatista, na segurança social, na saúde, num Estado forte perante uma economia privada fraca, num Estado muito regulador”, sublinhou Costa Pinto. No entanto, “no campo dos valores, o PCP sempre foi um partido muito prudente e até conservador”. Por isso, na eutanásia, Assunção Cristas e Jerónimo de Sousa estarão lado a lado.