Unir a Colômbia não é o único desafio do futuro presidente
Mais de 36 milhões de eleitores votam hoje. O favorito é Iván Duque, apoiado pelo ex-presidente Álvaro Uribe, mas a esquerda pode pela primeira vez passar à segunda volta
Corrupção, desemprego, saúde ou educação são temas que já ultrapassam paz ou narcotráfico nas preocupações dos colombianos
Durante um ano, 20% dos colombianos diziam nas sondagens que iriam votar “em quem Álvaro Uribe escolhesse”. Quando Ivan Duque, delfim do ex-presidente, venceu as primárias entre os conservadores, passou de ter menos de 10% das intenções de voto a ser o favorito à vitória. Mas pela primeira vez na história da Colômbia, a supremacia do centro e da direita está em risco. Tudo por causa de Gustavo Petro, o ex-guerrilheiro do Movimento 19 de Abril (desmobilizado em 1990) que já foi presidente da câmara de Bogotá e é o candidato mais forte que a esquerda alguma vez teve.
Tudo indica que nenhum deles consiga chegar aos 50% de votos na primeira volta das presidenciais, para a qual 36 milhões de eleitores são hoje convocados, mas devem avançar ambos para a segunda volta a 17 de junho. Contudo, se houve algo que os colombianos aprenderam com o referendo ao acordo de paz com a guerrilha das FARC é que as sondagens podem enganar – o “sim” era dado como vencedor, mas acabou por ganhar o “não”, que Uribe defendia, por apenas 53 mil votos. É essa a esperança dos outros três candidatos mais de centro a suceder a Juan Manuel Santos: Sergio Fajardo, Germán Vargas Lleras e Humberto de la Calle.
Numa entrevista ao Financial Times, o presidente revelou que a sua maior “frustração” é a divisão. “Gostaria que a Colômbia estivesse mais unida. Vejo-a ainda mais dividida, a polarização parece ser uma doença global”, afirmou Santos, que ganhou o Nobel da Paz em 2016 por ter convencido as FARC a abandonar as armas e pôr fim a mais de meio século de conflito.
Uma negociação de paz que não agradou a todos. Duque criticou a indulgência para com os líderes da guerrilha no aspeto judicial e político e prometeu rever isso, assim como o acordo que prevê a erradicação voluntária das plantações de coca – quer a erradicação forçada. Um dos problemas na Colômbia prende-se com a segurança, já que existem grupos criminosos a conquistar terreno nos espaços deixados livres pelas FARC, onde o governo ainda não consegue chegar.
Mas a questão da paz ou do narcotráfico já não são os temas que importam aos eleitores. A corrupção, o desemprego (cerca de 10%), a saúde ou a educação são os temas que, no conjunto, preocupam 70% dos colombianos. A quarta maior economia da América Latina é também um dos países mais desiguais da região. E é aí que Petro ganha força, com uma promessa de mudança que poderá pôr a esquerda (que tem tido ganhos a nível local e regional) a chegar pela primeira vez à segunda volta das presidenciais.
Se Duque beneficiou com o apoio de Uribe, acarinhado por parte da população por causa da sua mão de ferro contra a guerrilha, a verdade é que há também muitos colombianos que têm anticorpos contra o ex-presidente. Acusam-no de corrupção ou de ligações aos paramilitares, o que ele sempre negou. Do lado de Petro, o calcanhar de Aquiles é a alegada ligação ao “castro-chavismo”, numa referência aos falecidos presidentes de Cuba e Venezuela. Os críticos dizem que as suas propostas são semelhantes às defendidas por Hugo Chávez no início da sua Revolução Bolivariana e acusam-no de querer transformar a Colômbia noutra Venezuela.
Outro dos desafios do futuro presidente será precisamente lidar com o milhão de venezuelanos que já cruzaram a fronteira. Um número que, à medida que a situação no país vizinho se deteriora, pode continuar a subir, causando mais tensões na Colômbia. Será também preciso trabalhar nas relações com o tradicional aliado EUA, após críticas do presidente Donald Trump à luta contra o narcotráfico.