Leão de Ouro. Mas “o melhor de Souto de Moura ainda está para vir”
Com Siza Vieira, é o único português que venceu o maior galardão do seu ofício, o Pritzker. Ontem o arquiteto recebeu o Leão de Ouro na Bienal de Veneza, com o projeto de reabilitação da herdade de São Lourenço do Barrocal
“Ele está sempre um passo à frente do lugar em que pensamos que está”, defende Sérgio Koch, que colabora com Souto de Moura
A questão pode ser posta assim: o que tem a obra desse homem português de 65 anos, que foi reconhecida pelo Prémio Pritzker em 2011 e, no seguimento de outros como o prémio de carreira Piranesi ou o Prémio Europeu de Intervenção no Património, ontem recebeu o Leão de Ouro no Bienal de Veneza? O que há de singular na obra de Eduardo Souto de Moura, que ontem viu o seu projeto de reabilitação da herdade São Lourenço do Barrocal, um monte alentejano perto de Monsaraz, receber um dos mais importantes prémios da arquitetura, estando representado na mostra internacional de Veneza – com o tema Public without Rethoric – com apenas duas fotografias?
António Sérgio Koch fala da noção de ser humano. O arquiteto, que colaborou durante 15 anos com Souto de Moura e que hoje continua a fazê-lo pontualmente, explica que a sua obra “trabalha sempre para o ser humano: os primeiros esquissos têm sempre a figura humana como proporção. É interessante porque o Souto de Moura trabalha com muitas maquetas e ele utiliza-as no ângulo em que o ser humano vê, sobe-as até ao nível dos olhos, e percorre aquilo dentro da cabeça dele.”
Então “falemos de casas”, como escreveu Herberto Helder, poeta tão caro a Souto de Moura, que pode irromper numa discussão sobre arquitetura, tal como a música de Miles Davis ou Ahmad Jamal, conta Koch. A figura humana atravessa a obra do arquiteto, desde o colossal Estádio Municipal de Braga ao Metro do Porto e à Casa das Histórias Paula Rego, até à pequena capela que ergueu em Veneza e que integra o pavilhão do Vaticano, que convidou o português, como outros nove arquitetos, para o fazerem. “Com um conjunto de pedras conseguiu formatar um espaço que nos leva à transcendência”, diz ao DN Nuno Sampaio, diretor executivo da Casa da Arquitetura.
Delfim Sardo, curador e atual programador de artes plásticas da Culturgest, aponta a Souto de Moura “uma arquitetura de uma enorme contenção, rigor, muito precisa, com uma relação muito interessante com a paisagem e com um pensamento histórico da arquitetura muito forte”. “Está sempre um passo além” Eduardo Souto de Moura, que aprendeu com Fernando Távora, Alberto Carneiro ou Ângelo de Sousa, que estagiou com Aldo Rossi e começou por trabalhar com Álvaro Siza Vieira (seu único companheiro no Pritzker, que o antecedeu, e que além de um Leão de Ouro conta um Leão de Ouro de Carreira), está no apogeu da sua carreira? A resposta aponta para a frente. “Estes prémios são para projetos finalizados, mas há um conjunto de projetos que ele está a desenvolver – que ainda não foram vistos porque ainda não foram construídos – em que ele está sempre um passo à frente do lugar em que pensamos que ele está atualmente. O processo de evolução não parou: é outro patamar”, defende António Sérgio Koch. “O melhor de Souto de Moura ainda está para vir”, remata o arquiteto. O prémio também é português? “É mais uma [distinção], estou contente pela arquitetura portuguesa, que cada vez é mais reconhecida nos sítios que exigem mais qualidade”, afirmou ontem Souto de Moura à Lusa. “E já não é de agora, estamos fartos de ganhar prémios, o que para mim é uma vaidade, ficamos orgulhosos.”
Delfim Sardo, reforçando que o prémio é de Souto de Moura – “que o merece certamente e que é um grande arquiteto a nível mundial” –, considera ainda que “é um sintoma de um enorme apreço que existe pela arquitetura portuguesa. Para não falar, obviamente, de Siza Vieira, há um conjunto de arquitetos que são notáveis: Souto de Moura, Carrilho da Graça, os Aires Mateus, são muitos. É um caso muito raro, um país desta dimensão ter a quantidade e a qualidade da arquitetura que tem.”
André Tavares, arquiteto e programador da Garagem Sul, espaço do Centro Cultural de Belém focado na arquitetura, repara que em momentos como este se torna evidente que “a arquitetura em Portugal não é a arquitetura portuguesa no mundo. A arquitetura em Portugal é o veto do Marcelo Rebelo de Sousa ao que a Assembleia da República deliberou”, referindo-se ao diploma que permite aos engenheiros assinar projetos de arquitetura.
No ano passado, Ana Sousa Dias perguntou a Eduardo Souto de Moura se alguma vez pensou receber o Pritzker. “Não, mas isso é a boa regra, nunca pensar nos prémios. Fico todo contente, não sou um falso modesto. Cada vez a arquitetura é mais difícil”, respondeu.