Diário de Notícias

Um conto urbano com violino nos telhados do subúrbio

Entrevista com Rachid Hami, realizador de A Melodia, a fórmula de um professor de violino com coração de ouro para mudar a vida de alunos de um bairro nos arredores de Paris

-

RUI PEDRO TENDINHA, em Paris Uma primeira obra como realizador de um ator discreto do cinema francês. Rachid Hami, nos encontros Unifrance de Paris, confessa que não sabe bem como é que um cineasta deve lidar com a imprensa internacio­nal. Antes de começar a falar sobre A Melodia começa por querer quebrar o gelo com conversa sobre futebol. Um jornalista que vem do país de Cristiano Ronaldo tem de começar a ficar habituado a isso.

Mais à frente liga o botão e dispara: “O objetivo com A Melodia era fazer um filme de autor para o grande público. Se quisermos, é um filme que está no meio. Esse cinema du milieu é hoje muito difícil de fazer, mas é aí que eu quero estar. Os americanos sabem-no fazer. Atualmente, a maior parte dos filmes ou são feitos para um nicho ou para um público generalist­a sem olhar de autor. Há, de facto, uma ausência de filmes de qualidade para o público mais generaliza­do. Pessoalmen­te, ainda acredito na inteligênc­ia do público.”

A Melodia é a história de um violinista, Simon, que aceita ser professor numa escola de subúrbio parisiense. Ao princípio, a ideia de ensinar um bando de miúdos malcomport­ados a tocar este instrument­o era algo que não o motivava, em parte devido a um sentimento de frustração profission­al, mas, depois de encontrar um prodígio na sua turma, a alegria de voltar a tocar apodera-se dele.

O filme não é uma história real mas inspira-se num programa de ocupação de tempos livres nas escolas de França com música. Para Hami, uma das motivações de contar esta história era tocar numa partícula real da sociedade atual francesa. Não é por acaso que o filme perde tempo em mostrar as especifici­dades socioeconó­micas das famílias destes alunos. De alguma forma, o cineasta caiu na tentação de mostrar a França real das disparidad­es sociais e manter um diálogo sobre as formas de ensino atuais.

Outra das pedras-de-toque do filme passa pela maneira como Ha- Discreto enquanto ator, Hami estreia-se agora na realização mi dirige as crianças, quase todas na casa dos 12-13 anos. O cineasta fala num processo diferente: “Deu-me muito prazer mas também muita dificuldad­e. Apanhámos miúdos com muita energia, com energia a mais. Parece no filme que estão sempre a mexer e a fazer ruído? Bem... digamos que na verdade ainda era muito pior.”

Para um ator dirigir atores talvez seja a especialid­ade. Como ator, Hami foi notado especialme­nte em A Esquiva, êxito de Abdel Kechiche, embora no currículo como realizador já tenha uma curta e uma média-metragem. De origem argelina, trata-se de um realizador que está no cinema para estabelece­r espelhos com o real. Em A Melodia pensamos no que seria o docudrama se fosse tocado pela fábula, mas Hami lembra que o facto de o filme se passar num bairro popular muda tudo: “Não quis filmar nos arredores por serem perigosos ou por terem todos os clichés do racismo ou da xenofobia. Quis mostrar um bairro dos desfavorec­idos sem o miserabili­smo do costume. É claro que lá não há riqueza e todos têm dificuldad­es, mas há também solidaried­ade, talento e muita vida. Passam-se tantas coisas lá que são muito mais importante­s do que a minoria composta pelos delinquent­es. Reforço: não queria nada ir pelo lado miserabili­sta. É incrível como as pessoas pensam nos bairros periférico­s apenas pelos seus problemas. O resultado que aqui podem ver é o meu olhar sincero sobre estas pessoas e estes lugares. Observei muito...”

Apesar de ter nascido na Argélia, Rachid Hami cresceu em França num bairro social. “Era importante fazer um dia um filme perto daquilo que conheço”, sublinha e acrescenta: “O que foi mais complicado foi filmar tudo aquilo de forma simples e manter toda a poesia que a música carrega. A poesia da música e o peso do bairro. Não é um filme do real pois a realidade traz consigo muita ficção. Para mim, A Melodia é um conto urbano.”

Com os seus defeitos e virtudes, La Melodie tem um trunfo indiscutív­el: a sobriedade de Kad Merad, um comediante conhecido de filmes como Bem-Vindo ao Norte e Supercondr­íaco, aqui num registo dramático como o músico que se torna professor. No rosto de Merad passa um desespero e uma tristeza muito sentidas. Nota-se que nada é forçado. Rachid Hami sabe que o dirigiu bem, mas não nos conta se o vai chamar para o próximo filme: “Estou ainda na fase da escrita. O que lhe posso dizer é que A Melodia mudou-me muito: como cineasta e como homem. Tenho agora de começar do zero, apesar de abordar um tema que gosto muito: a educação, tema que cria muita fricção dramática. Fricção porque temos sempre pessoas que vêm de lugares e situações antagónica­s. Mas será um filme muito diferente.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal