Uber Eats: Sem contrato e dependente do like do cliente
Grande parte dos distribuidores de comida ao domicílio trabalham por conta própria sem apoio das empresas. Rendimento depende das entregas e da opinião dos clientes
Faladores, mas sob anonimato. São jovens, maioria estrangeiros e passam o dia ou uma parte dele com o telemóvel na mão à espera de serem chamados. Trabalham para a UberEats e quase todos têm as mesmas queixas: não têm contrato de trabalho nem apoio em caso de acidente. E gostavam que o quilómetro de viagem fosse mais bem pago, tal como as entregas – recebem por cada no mínimo 1,5 euros.
Este é o retrato da maioria dos estafetas que andam pela cidade de Lisboa a entregar as encomendas de refeições feitas maioritariamente com base na aplicação da norte-americana, mas no mercado também existe a espanhola Glovo. Duas empresas que registam as principais denúncias do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Hoteleira do Norte. No domingo, o presidente desta estrutura, Francisco Figueiredo, divulgou que aos estafetas que trabalham com estas multinacionais, após o pagamento dos impostos, “resta uma miséria que não dá sequer para tomarem as suas refeições diárias”, tal como o DN noticiou ontem. No entanto, há quem não esteja descontente. Talvez porque trabalham para empresas que depois os colocam a distribuir encomendas para a Uber Eats – e por isso têm um contrato que inclui os descontos para a Segurança Social e outras regalias – ou por “saber trabalhar bem as horas”, como disse um motociclista ao DN.
A liberdade de horário
Em grupo ou isolados à espera de ser chamados, os distribuidores com ligação à Uber Eats queixam-se de não ter um contrato de trabalho, não ter um seguro que os proteja em caso de acidente, e para receberem “dignamente” têm de trabalhar muitas horas. “Quando estou a trabalhar nem quero pensar no que ganho. Faço das 12.30 às 16.00 e depois à noite das 19.30 às 00.00. À sexta-feira, sábado e domingo faço mais horas. É quando há mais serviço.” Sentado num banco junto a um restaurante da cadeia norte-americana McDonalds, este natural do Bangladesh não aceita que se publique o nome, mas não esconde a sua história. “Trabalhei até há dois meses num restaurante de sushi, depois vim para a Uber Eats. Ganho o suficiente para viver, mas tenho de pagar tudo: gasolina para a moto, seguro, impostos”, diz.
Este é o discurso que mais se ouve quando se fala com os estafetas. Um outro, que estava num grupo que aguardava a chamada, lembrou que os pagamentos ainda têm diferenças entre os restaurantes: “Numa ida ao McDonalds recebemos menos do que se formos ao Prego Gourmet. E depois não temos nada [a Uber Eats tem desde janeiro um seguro sem custo para motoristas como explicou no domingo fonte oficial da empresa]. Um colega sofreu um acidente e não teve direito a nada. Estamos a tentar reunir-nos para ver se cada um dá dez euros para ajudar a pagar os medicamentos.” Quanto ao rendimento mensal, há um consenso que pode ser superior a mil euros/mês, verba de onde retiram os impostos e a Segurança Social que têm de pagar, pois são considerados trabalhadores por conta própria.
Empresas contratam para Uber
Há, todavia, quem não se queixe. “No Brasil já trabalhei com a Uber e é igual. Você pode ganhar mais de três ordenados mínimos se souber ‘trabalhar’ as horas e não vier só por algum tempo”, explicou ao DN um outro distribuidor que não se alongou pois estava “com muita pressa”.
Satisfeito está também Rui. Estudante de Gestão, no Porto, foi o único que aceitou ser identificado e garantiu que não tem razão de queixa.” Isto é um hobby , só trabalho de noite pois estou a estudar para os exames. A Uber dá-nos incentivos e consigo ganhar um dinheiro extra. Como trabalho para uma empresa recebo a moto e pagam a gasolina e depois recebo metade do que faço. Eu estou contente”, sublinhou.
Dependente do like
Os rendimentos destes trabalhadores estão dependentes de várias avaliações: se aceitam muitos serviços, se entregam as encomendas a horas e se recebem muitos likes por parte dos clientes. Segundo contaram ao DN, uma taxa de aprovação abaixo dos 85% faz que a distribuição de entregas lhes seja reduzida.