ENTREVISTA A MAE JEMISON FUI A PRIMEIRA MULHER DE COR A IR AO ESPAÇO”
Estreia. Os dramas do clã Kennedy voltam a inspirar o cinema americano. O novo filme de John Curran evoca um momento trágico da vida pessoal e da carreira política de Edward Kennedy
O cartaz do filme – cujo título original é Chappaquiddick – proclama uma revelação absoluta: “A história verídica que nunca foi contada”
Provavelmente, podemos definir a história mitológica do clã Kennedy através de momentos simbólicos do mundo das imagens e sons. Para alguns, os que têm mais de 60 anos, os assassínios de John Kennedy (em Dallas, a 22 de novembro de 1963) e de Robert Kennedy (em Los Angeles, a 6 de junho de 1968) são acontecimentos incontornáveis das memórias de infância ou adolescência, com os ecrãs de televisão a ecoarem a perturbação dos seus destinos trágicos. As gerações seguintes, não possuindo essas memórias diretas, ter-se-ão apercebido da herança de tais destinos através de muitas abordagens televisivas e cinematográficas, sendo o filme JFK, de Oliver Stone, precisamente sobre a investigação em torno da morte de John Kennedy, uma referência incontornável.
Agora, com o filme O Segredo dos Kennedy (estreia-se na quinta-feira), dir-se-ia que a aura trágica, sempre presente, passou a estar contaminada pela urgência de superar o mito para expor as singularidades dramáticas dos destinos individuais. Foi essa, aliás, a ousada proposta de Pablo Larraín no seu Jackie (2016), em que Natalie Portman teve um dos maiores desafios da sua carreira, interpretando Jacqueline Kennedy. Neste caso, o realizador John Curran (que conhecemos de O Véu Pintado) encena a figura do senador Edward “Ted” Kennedy (1932-2009) enfrentando as consequências de um acidente, na ilha de Chappaquiddick, que acabou por condicionar toda a carreira política.
O cartaz do filme – cujo título original é Chappaquiddick– proclama uma revelação absoluta: “A história verídica que nunca foi contada.” Não será bem assim: a história sempre foi conhecida, e tanto mais quanto hipotecou as hipóteses de Ted Kennedy consolidar uma imagem que lhe permitisse concorrer ao cargo de presidente dos EUA (em 1972) como herdeiro natural dos seus irmãos.
No dia 18 de julho de 1969, Ted estava em Chappaquiddick, em Martha’sVineyard, cenário lendário das férias dos Kennedy e de muitas personalidades da cena política. O senador tinha organizado uma festa dedicada a seis jovens mulheres que continuavam ligadas ao clã, depois de terem participado na campanha presidencial de Robert Kennedy – eram as chamadas “Boiler Room Girls” (à letra: “as raparigas da sala das caldeiras”), designação nascida do facto de terem trabalhado numa sala sem janelas.
Ao abandonar a festa, Ted deu boleia a uma das jovens, Mary Joe Kopechne, de 28 anos de idade. Conduzindo de forma bizarra e errática, o senador entrou de maneira imprudente numa ponte de madeira, sem guardas laterais, levando o carro a despistar-se e cair na água. Ted salvou-se, mas Kopechne ficou presa no interior do veículo, vindo a morrer afogada. Depois de pedir ajuda a dois colaboradores, Ted não fez o que estes imediatamente recomendaram: dar conta do acidente às autoridades. Acabaria por informar a polícia apenas dez horas mais tarde, na manhã seguinte, numa altura em que o corpo de Kopechne estava a ser retirado da água.
O clã e a família Há, aqui, como é óbvio, um enigma policial contaminado de desconcertantes componentes psicológicas. Porque é que Edward Kennedy demorou tanto tempo a dar conta do que tinha acontecido? Mais do que isso: para além da gravidade humana do acidente, como é possível que não tenha pressentido de imediato as possíveis consequências políticas do encobrimento?
O filme possui a subtileza suficiente para não se ficar pelos sinais mais superficiais do escândalo. E tanto mais quanto Kopechne, magnificamente interpretada por Kate Mara, emerge como uma figura de radical pudor, sem qualquer conotação “romântica”. Para o sóbrio trabalho de realização, o que mais importa, porque contamina tudo o resto, é esse “buraco” temporal em que o protagonista hesita em tomar qualquer decisão. Que fantasmas o assombravam?
Na figura do senador, a composição de Jason Clarke é especialmente sugestiva, sobretudo nessas horas da noite em que a sua personagem vai reavivando duas componentes emocionais: em primeiro lugar, um devastador sentimento de culpa cujas raízes estarão no desamparo que sente em relação ao pai, Joseph Kennedy, interpretado por Bruce Dern como um monstro de asfixiante ternura; depois, uma profunda (e profundamente recalcada) falta de vontade de ser presidente. Este é, em última instância, o retrato de um filho perdido, seguro no interior do clã, mas carente da genuína sensação de pertença a uma família.