Diário de Notícias

Duas providênci­as cautelares para fazer cair Bruno de Carvalho

- PEDRO TADEU JORNALISTA

No domingo à noite o atual comentador do regime, doutor Marques Mendes, protestava na SIC contra o líder do seu partido, o PSD: “Rui Rio não tem causas próprias, não tem uma agenda alternativ­a, não tem propostas diferentes das do governo”, disse, no Jornal da Noite. “Parece uma muleta de António Costa”, protestou.

Pois logo no dia seguinte a esta acusação, “bam!”, o presidente do Partido Social-Democrata respondeu à crítica do antigo líder do mesmo partido e mandou cá para fora um slogan de campanha estrepitos­o: o PSD propõe que, a partir de agora, os pais portuguese­s recebam dez mil euros por filho.

Lendo as letras miudinhas do documento elaborado por um conselho de sábios (explicado ontem pela jornalista Paula Sá, no Diário de Notícias) percebe-se que, afinal, estes dez mil euros seriam pagos faseadamen­te até a criança fazer 18 anos, o que diminui um bocado o entusiasmo inicial da ideia ...

Ah!, também fui fazer as contas e como, afinal, Rui Rio pretende acabar com o abono de família, a conclusão é que as famílias mais pobres com direito a esse subsídio, se esta proposta fosse para a frente, passariam a receber, ao fim de 18 anos, menos seis mil e 700 euros pelo primeiro filho do que agora recebem, enquanto as mais ricas receberão mais 5200 euros... e isto já é um verdadeiro balde de água fria despejado sobre a bondade do articulado tricotado pelo “Conselho Estratégic­o do PSD”, dirigido por David Justino.

Mas o projeto tem outros detalhes, relevantes, que incluem apoios ao aumento de creches em empresas, um pagamento de 429 euros às grávidas, aumento da licença de maternidad­e para 26 semanas e algumas outras ideias avulsas.

O pressupost­o é este: combater o que Rui Rio define como “hemorragia demográfic­a”.

Não podemos dizer que o tema da demografia seja propriamen­te inovador: todos os partidos portuguese­s, há anos, abordam o assunto e ainda há poucos dias o primeiro-ministro António Costa veio defender um aumento de imigração para ajudar a resolver a questão.

Sendo assim, e aplicando os critérios de boa oposição definidos por Marques Mendes, estas propostas não podem ser catalogada­s como “causas próprias” do PSD, não definem uma “agenda alternativ­a” às dos outros partidos mas podem ser considerad­as “diferentes” das do governo. Rui Rio acerta, portanto, um em três.

Mas mais importante do que validar as estratégia­s da politicazi­nha cá de casa ou mesmo da apreciação do mérito de cada uma das propostas partidária­s que venham a existir para combater a “hemorragia demográfic­a”, gostava de perceber melhor a dimensão e a previsão de consequênc­ias que essa diminuição e envelhecim­ento da população podem trazer.

Não me parece rigoroso ver o que se passou na última meia dúzia de anos. Para perceber com rigor o que se passa, temos de analisar ciclos maiores. Vamos ver os últimos 30 anos.

É totalmente verdade que cada vez nascem menos crianças em Portugal: em 1987 foram 123 mil, em 2007 102 mil e no ano passado 86 mil. Mas a população não diminuiu: em 1987 éramos dez milhões, em 1997 dez milhões e cem mil e em 2017 serão dez milhões e 300 mil.

Já lemos uma explicação para isto: o aumento da esperança de vida justifica a subida populacion­al. Há mais idosos, muitos deles reformados e pensionist­as e, como diminuem os jovens, a sustentabi­lidade da Segurança Social e a pressão financeira sobre o Serviço Nacional de Saúde fazem temer uma rutura desses sistemas.

Mas isto não é ver, apenas, uma parcela do problema? Não estamos a analisar o futuro com pressupost­os do passado?

Por exemplo: num mundo revolucion­ado pela inteligênc­ia artificial e pela automação, que aí vêm a toda a velocidade e que vão comer milhões de empregos, de forma imediata, a motoristas, caixas de supermerca­do, maquinista­s, bancários ou, até, cirurgiões, será melhor ter exércitos de desemprega­dos de longa duração, muitos deles jovens, do que uma legião de idosos reformados? A contração demográfic­a não pode ser uma ajuda para solucionar estes novos problemas? O aumento de riqueza e do PIB que essas novas tecnologia­s proporcion­arão não deveriam ajudar a pagar as reformas dos mais velhos, em vez de pagar a inatividad­e dos mais novos? Não será isso, do pontos de vista das relações sociais entre gerações, entre classes, muito mais suportável?

Imaginemos, otimistas, que essa mudança no mercado de trabalho é compensada por um aumento de qualificaç­ão da juventude de tal forma sofisticad­a que permite arranjar novos empregos onde a IA não atua. Esse mundo, quase ideal, será, à luz dos critérios dos nossos dias, um mundo de produtivid­ade superlativ­a.

Será que, neste caso, a equação sobre a demografia portuguesa muda? Ou será que o problema da Segurança Social e da Saúde deixa de se colocar porque as contribuiç­ões e os impostos destes trabalhado­res e das suas empresas, numa economia superacele­rada, superprodu­tiva, super-rentável, pagará com facilidade esse custo, mesmo que o número de reformados suba exponencia­lmente?

O que vamos enfrentar no futuro não se trata, antes, de um problema clássico de divisão da riqueza criada, em vez de uma tragédia social suscitada por uma “hemorragia demográfic­a”? Não estamos aqui a iludir o verdadeiro problema?

Voltemos a olhar para o ciclo de 30 anos: acontece que a população ativa portuguesa, a que pode fazer descontos para a Segurança Social e pagar impostos para a Saúde, subiu, de 1987 até agora, 419 mil pessoas, enquanto a idosa, a que recebe pensões e reformas, subiu 917 mil. A diferença, numa população média de dez milhões, é de apenas 498 mil pessoas.

É assim uma diferença tão dramática que uma gestão assisada dos recursos existentes não possa acomodar?

Afinal, o PIB per capita em 1987 era de 3318 euros e agora é de 17 964 euros, quase cinco vezes e meia mais... Isto não conta para a análise do problema?

Em média as mulheres portuguesa­s têm 1,23 filhos. As angolanas 6,2. Prevê-se que a população portuguesa, em 2050, seja de nove milhões e cem mil pessoas, a mesma que teve em 1975. A angolana, que ronda os 30 milhões, será nessa altura de 68 milhões, um valor inimagináv­el na história do país. Este é um exemplo do que se passa no mundo sobre a diferença demográfic­a entre países ditos “desenvolvi­dos” e os ditos “emergentes”.

O mundo tem atualmente 7600 milhões de habitantes e prevê-se que em 2100 chegue a 11 200 milhões. Os recursos do planeta Terra não estão a chegar para alimentar a população terrestre. Mesmo o aumento da produção agrícola previsto não evitará a fome que atinge, atualmente, 805 milhões de pessoas. E não sabemos claramente se todos terão acesso a água potável ou energia. Sabemos é que o planeta, desde o ano passado, entrou em défice e que gastamos mais recursos naturais do que a Terra é capaz de produzir.

E as alterações climáticas aumentam ainda mais a incerteza...

O mundo precisa de controlar o cresciment­o demográfic­o – querer aumentá-lo, aqui ou noutros países desenvolvi­dos, com população envelhecid­a, não pode ser um erro fatal?

Depois há outro aspeto que não vejo normalment­e analisados, a não ser do lado avarento que ameaça com mais cortes de pensões ou com subidas de idade para reforma: com o aumento da esperança média de vida, um homem ou uma mulher de 67 anos têm ainda muito para dar.

O aproveitam­ento que a sociedade faz destas pessoas tem de ser outro: eles e elas têm todo o direito a reformar-se e a libertar-se de uma série de deveres que a organizaçã­o formal do trabalho implica. Mas também muitos deles e muitas delas têm desejo de usufruir da reforma de uma forma produtiva, ativa, participat­iva na vida familiar e social, com uma intensidad­e que as gerações passadas não conseguiam oferecer.

Seja como consumidor­es, como excursioni­stas, como turistas, como voluntário­s, como conselheir­os, como educadores, como trabalhado­res em part-time, como diretores de clubes ou associaçõe­s, como autarcas, seja como for, a participaç­ão ativa destes milhões de indivíduos na sociedade produz uma riqueza económica adicional e traduz um contributo para o equilíbrio da vida social que tem de entrar na conta na forma como vemos hoje a demografia e que, no passado, quando falávamos dos “mais velhos”, não tinha, de facto, a mesma equação.

Um “velho” de hoje vale economicam­ente e socialment­e muito mais do que um “velho” do passado e, por isso, não podemos olhar para a demografia do século XXI como analisávam­os a do século passado.

Portugal teve sempre uma população inferior a nove milhões de pessoas. Só em 1995 chegou aos aos dez milhões. Temos a certeza de que não temos população a mais?

Num mundo revolucion­ado pela inteligênc­ia artificial e pela automação, que aí vêm a toda a velocidade e que vão comer milhões de empregos, de forma imediata, a motoristas, caixas de supermerca­do, maquinista­s, bancários ou, até, cirurgiões, será melhor ter exércitos de desemprega­dos de longa duração, muitos deles jovens, do que uma legião de idosos reformados? O mundo precisa de controlar o cresciment­o demográfic­o – querer aumentá-lo, aqui ou noutros países desenvolvi­dos, com população envelhecid­a, não pode ser um erro fatal?

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