O que está entre um fragilizado Donald Trump e um ainda difícil impeachment
Até hoje só Andrew Johnson e Bill Clinton foram alvo de um processo de impeachment. Escaparam. Eleições de novembro vão ditar destino de Trump.
Trump em plena tormenta: Um novo processo de impeachment não é impossível”, escrevia o Francês L’Obs, “Donald Trump mais perto do impeachment”, lia-se no espanhol El Mundo ou “Porque não estão os democratas a falar de impeachment?”, segundo o South China Morning Post, o jornal em língua inglesa de Hong Kong. “Impeachment.” A palavra está em todas as bocas e em todas as páginas dos jornais. Em Washington, sobretudo, por toda a América, claro, e um pouco por todo o mundo, na verdade. Depois da condenação do ex-gestor de campanha Paul Manafort por fraude fiscal e de o seu ex-advogado Michael Cohen ter confessado em tribunal ter comprado o silêncio de duas mulheres que tiveram um caso com Trump, o cenário da eventual destituição do presidente pelo Congresso voltou a estar em cima da mesa. Mas será tudo menos fácil.
É verdade que as eleições intercalares de 6 de novembro estão quase aí e que os democratas têm esperança de recuperar o controlo da Câmara dos Representantes. Neste momento os republicanos dominam tanto a Câmara como o Senado. Quando forem às urnas, os americanos irão eleger a totalidade dos 435 membros da Câmara e um terço dos senadores. Ora se pensarmos que os republicanos têm 51 senadores contra 47 democratas (mais dois independentes que votam sempre com eles), pode parecer mais fácil recuperarem a câmara alta. Mas não. Tudo porque dos 35 lugares em disputa neste ano, 26 são de democratas e só nove de republicanos. Para ganhar a maioria, os democratas teriam de recuperar dois destes e não perder nenhum. Quase impossível, se tivermos em conta que dez senadores democratas procuram a reeleição em estados ganhos por Trump há dois anos.
Na Câmara, os republicanos têm 23 lugares de vantagem. Mas as hipóteses estão a favor dos democratas. Segundo o site Five Thirty Eight, de Nate Silver, estes têm mais de 70% de probabilidades de recuperarem a maioria na câmara baixa do Congresso.
Ora isso iria dar-lhes a oportunidade de iniciar o processo de impeachment contra Trump. Luís Nuno Rodrigues admite que sim, mas recorda que “é necessário, depois, que dois terços dos senadores votem favoravelmente a destituição e aí dificilmente o Partido Republicano perderá o controlo nas eleições de novembro”. Nesse caso, “poder-se-á repetir um cenário semelhante ao que sucedeu em 1868 com Andrew Johnson e em 1998 com Bill Clinton”, explica ao DN o diretor do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL, nomeando os dois únicos presidentes americanos alvo de processos de destituição – Richard Nixon, em 1974, demitiu-se antes de este ser aberto.
O impeachment de Clinton, em 1998, ainda está fresco nas memórias, com o presidente a enfrentar a destituição por mentir sob juramento sobre a sua relação com a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky. Mas se Clinton venceu tranquilamente as votações no Senado, Andrew Johnson, quase século e meio antes, chegou a tremer. O 17.º presidente americano decidira tirar do cargo Edwin Stanton, o seu secretário da Guerra e seu maior crítico naquele pós-guerra da Secessão, violando uma lei que o proibia de demitir um responsável aprovado pelo Senado sem o consentimento deste. Na hora de votar, o Congresso falhou a maioria de dois terços apenas por um voto.
Um silêncio ensurdecedor
Quanto a Trump, até agora os líderes dos democratas têm mantido um silêncio prudente sobre se tencionam iniciar o processo de impeachment. Em maio, Nancy Pelosi, a líder da minoria democrata na Câmara dos Representantes, considerava essa questão “divisiva” e garantia que não é um caminho que o partido queira seguir. Um silêncio que, segundo o correspondente da BBC na América do Norte, Anthony Zurcher, tanto se justifica pelo facto de os democratas “saberem que ainda estão em minoria” no Congresso como com a esperança de, perante a sucessão de escândalos na administração, “conseguirem mobilizar os eleitores em novembro” e obter um resultado capaz de lhes devolver o controlo, pelo menos, da Câmara dos Representantes.
Do lado republicano, o próprio Trump já falou sobre vir a ser alvo de um processo de impeachment. Em entrevista à Fox News, o presidente afirmou: “Não sei como é que se pode destituir alguém que fez um trabalho tão bom.” E garantiu que se tal acontecesse, “os mercados cairiam. Todos ficariam muito pobres”. Mas se o presidente parece não ter problemas em discutir o assunto, entre os líderes republicanos o silêncio é tão grande quanto do lado democrata.
A verdade é que, até agora, Donald Trump tem resistido a todos os escândalos. Desde o vídeo em que surgia a vangloriar-se de agarrar mulheres – que todos acharam que iria acabar com a sua candidatura – até às demissões na administração devido à investigação do procurador especial Robert Mueller à ingerência russa nas presidenciais de 2016 ou, agora, aos problemas judiciais de Manafort e Cohen.
Em janeiro de 2016, o ainda candidato Trump garantia num comício no Iowa que “Podia meter-me no meio da Quinta Avenida e dar um tiro em alguém que mesmo assim não ia perder eleitores”. Um exagero, talvez, mas Luís Nuno Rodrigues explica que “muitas das medidas e das declarações públicas de Trump que a nós, portugueses e europeus, nos parecem mais falhas de sentido, têm uma lógica própria”. Afinal, “Trump fala sobretudo para a sua base eleitoral inicial, aquela que lhe garantiu a vitória nas primárias e depois a eleição nacional e que lhe aprecia o estilo e as tiradas mais inflamatórias. Por isso, a aceitação de Trump entre a sua base inicial de eleitores parece resistir à erosão dos seus níveis de popularidade a nível nacional”, acrescenta.
Com um impeachment no Congresso a ser, no mínimo, improvável, a questão que se coloca é: será que um presidente pode ser acusado de um crime estando no poder e ser destituído? Apesar de Cohen ter confessado usar dinheiro da campanha para silenciar duas mulheres, Trump já veio garantir que os fundos saíram da sua conta pessoal, negando qualquer violação da lei de financiamento das campanhas. Facto é que a Constituição americana não refere nada a este respeito e entre os especialistas a doutrina divide-se. Uns acreditam que um chefe do Estado em exercício não pode ser indiciado e que se o crime for provado será aberto um processo de impeachment, previsto em caso de “traição, suborno ou crime grave”. Outros garantem que ninguém está acima da lei.