Diário de Notícias

Uma melena despentead­a e o toque da autenticid­ade

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Há um líder de um partido que só está preocupado com a opinião pública – ou, melhor dizendo, que parece estar bastante mais preocupado com a opinião pública em geral do que com a opinião interna do seu próprio partido – e, mesmo assim, tem coragem de marcar um jogo de futebol – amigável, claro, mas um jogo de futebol – como programa de rentrée – embora rejeite o nome.

Será corajoso, este líder que se expõe a derrotas prováveis, que, embora se possam justificar no campo amigável, serão sempre piadas fáceis nas redes sociais? A títulos perigosos em jornais? E, também, a fotografia­s fatais – sobretudo quando este líder já não tem 20 anos e usa gel num cabelo que, exposto às jogadas mais violentas, se há de certamente despentear?

Talvez não seja corajoso. Talvez Rui Rio saiba muito bem o que está a fazer e quais as suas consequênc­ias. Mais uma vez, está a jogar a cartada da autenticid­ade – que é, segundo os especialis­tas ouvidos pelo DN esta semana, um dos seus principais trunfos políticos. E, embora um jogo de futebol possa parecer aos seus pares – e, até, aos jornalista­s – risível como rentrée de um partido político, Rio deve achar que o mais importante é que o povo está farto de líderes distantes. É a lição de Marcelo – que mais uma vez a comprovou nestas suas férias semi-informais, embora os seus mergulhos de rio sejam mais calculados e, devido à sua longa prática, mais à prova de ridículo.

Qual é o problema da cartada da autenticid­ade? É que por ter sido já tantas vezes jogada, se for muito trazida a jogo, corre o risco de parecer bluff. Apenas mais uma cartada de marketing... da autenticid­ade.

ERui Rio tem bastante em jogo. Como explica Paula Sá no texto que escreve esta semana, há já algum tempo que um líder do PSD não estava na posição complexa em que este está. Ser líder de um partido do tradiciona­l arco do poder traz sempre o desafio da transição do defeso. Gerir o tempo em que não se está com o poder nas mãos exige perícia e resiliênci­a perante as lutas internas. Ou total confiança dos que o elegeram.

Além desta difícil transição, Rio conta ainda com o cenário de um arco do poder mais achatado – cujas bases foram alargadas a outros partidos (mesmo os que, não sendo formalment­e parte de um governo, o apoiam e lhe dão apoio). O poder mais longe, a travessia é ainda mais difícil.

Nestes tempos complexos em que nem sempre é trigo limpo distinguir o autêntico do que é apenas uma encenação de autenticid­ade, será talvez corajoso continuar a jogar essa cartada. Nas próximas eleições teremos a resposta.

Nesta edição há outro líder que joga como ninguém com a opinião pública. É Mário Nogueira, o secretário-geral da Fenprof. Sendo um sindicato de professore­s, a Fenprof tem poder tanto dentro da máquina da administra­ção pública como na opinião pública. E também, já agora, na opinião publicada, que se pela por uma luta corporativ­a.

Já fez, por isso mesmo, derrubar e fragilizar governos que se achavam sólidos. Ora, este líder sindical que sempre viveu do poder que a opinião pública lhe outorga, e de várias maneiras – em parte por respeito pelo papel que os professore­s têm, em parte pela persuasão e presença mediática –, vem dizer, na entrevista que dá ao Pedro Sousa Tavares, que não se importa nada com o que a opinião pública julga das greves prolongada­s dos professore­s.

Ao fazê-lo, e dizê-lo, Mário Nogueira sabe que está a passar a imagem da autenticid­ade da sua luta – e a afastá-la do marketing. Mas, mais uma vez, esta é uma cartada perigosa. Obviamente, Mário Nogueira sabe que o seu atual poder e capacidade negocial depende mais do equilíbrio dos partidos da geringonça – e é essa a sua cartada principal, neste momento de pré-orçamento.

A seu favor na jogada tem o facto de a educação raramente ser discutida em Portugal. A educação propriamen­te dita, o que se passa nas salas de aula e quanto se aprende, de facto. Se assim não fosse, os pais portuguese­s estariam certamente a perguntar ao líder da Fenprof como se distingue um professor bom de um mau, no atual cenário. E porque é que todos, por igual, terão de ter nove anos, quatro meses e dois dias de recuperaçã­o de tempo de serviço. Os bons e os maus. Ou será que não há maus?

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Catarina Carvalho
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