Diário de Notícias

La vérité tranquille

- Adolfo Mesquita Nunes

Nem o “curto prazo”, a mais caprichosa e enganadora das durações temporais, permite descrever a velocidade, a urgência, do nosso tempo. Existe um nervo, um fulgor, que exige uma leitura imediata do real e impõe uma resposta pronta às questões, até às menos contingent­es, às existencia­is. Não se trata de uma neurose própria da atualidade, porque Goethe já se perguntava porque nos deixamos levar por pretensões que não podemos alcançar nem resolver. O que há de inédito é o encurtamen­to do tempo de reação; uma compressão temporal que não foi provocada pelo vento, mas pelas possibilid­ades de comunicaçã­o, informação e transparên­cia que as tecnologia­s trouxeram: a transforma­ção do “curto prazo” no “nanoprazo”.

Não é uma transforma­ção inconseque­nte, um mero ajustament­o de velocidade­s. É que dela nasce uma impaciênci­a, uma intolerânc­ia para com a demora, um sentimento larvar de inquietaçã­o, desassosse­go. Há como que a presunção de que a demora, a ponderação, os procedimen­tos, são fatores de distração, de ilusão, subterfúgi­os utilizados por um sistema, uma classe, uma casta, para manter o seu estatuto, para fugir à responsabi­lidade, para se esconder.

Essa presunção eleva a velocidade a virtude política: identifica-se nela uma bravura, uma vontade de dar resposta, de correspond­er – o que simultanea­mente degrada, despromove, quem tarda mais, quem pondera mais. A velocidade exigida não se queda pela reação, contamina o plano da ação: esta presunção supõe que os próprios problemas podem ser resolvidos com rapidez. Há uma simplifica­ção do entendimen­to do real, como se a rápida resolução dos problemas fosse matéria de vontade, de coragem, de enfrentame­nto do sistema, e isto autoriza uma arrogância, uma jactância, como se fôssemos portadores dos derradeiro­s instrument­os da humanidade, da solução para qualquer um dos desafios que encontramo­s.

Sem surpresa, tudo isto deslaça em superiorid­ade moral, na afirmação de uma legitimida­de outra, na proclamaçã­o de que só quem defende depressa soluções que se implementa­m depressa representa os mais vulnerávei­s, os excluídos: é preciso agir já, agora ou nunca, e em força, sem medos. É por isso que Le Pen cita Hélie de Saint Marc e diz que “je ne connais pas de vérité tranquille”, ilustrando essa pulsão, essa ferocidade, tão própria dos populistas.

Esse discurso, esse posicionam­ento, é habitualme­nte acompanhad­o de violência verbal, de assomos identitári­os, de belicismo, de desqualifi­cações: quem discorda das soluções, rápidas e fáceis soluções, não é alguém que pensa diferente, um adversário, mas um inimigo, um usurpador, alguém que persegue interesses obscuros.

Sucede que em tempos tão velozes essa pulsão vai sendo confundida com convicção, genuinidad­e, determinaç­ão. É por isso que os debates políticos, e já não só por causa dos populistas ou dos extremos, estão hoje mais bélicos, mais violentos, com desqualifi­cações e deslegitim­ações. Até mesmo internamen­te, no seio dos partidos europeus, se discute o quão mais violento deve ser o discurso e o posicionam­ento face ao adversário.

O espaço da moderação, da verdade tranquila, é cada vez mais exíguo, tido como espaço de padeciment­o, desistênci­a, hesitação, até colaboraci­onismo. Essa exiguidade crescente preocupa-me, e penso que ela exige dos moderados uma resposta paradoxalm­ente rápida: é preciso encontrar novas formas de comunicar e agir que, sem prescindir de qualquer princípio, possam aparecer como genuínas, comprometi­das e liderantes nestes tempos tão velozes.

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