La vérité tranquille
Nem o “curto prazo”, a mais caprichosa e enganadora das durações temporais, permite descrever a velocidade, a urgência, do nosso tempo. Existe um nervo, um fulgor, que exige uma leitura imediata do real e impõe uma resposta pronta às questões, até às menos contingentes, às existenciais. Não se trata de uma neurose própria da atualidade, porque Goethe já se perguntava porque nos deixamos levar por pretensões que não podemos alcançar nem resolver. O que há de inédito é o encurtamento do tempo de reação; uma compressão temporal que não foi provocada pelo vento, mas pelas possibilidades de comunicação, informação e transparência que as tecnologias trouxeram: a transformação do “curto prazo” no “nanoprazo”.
Não é uma transformação inconsequente, um mero ajustamento de velocidades. É que dela nasce uma impaciência, uma intolerância para com a demora, um sentimento larvar de inquietação, desassossego. Há como que a presunção de que a demora, a ponderação, os procedimentos, são fatores de distração, de ilusão, subterfúgios utilizados por um sistema, uma classe, uma casta, para manter o seu estatuto, para fugir à responsabilidade, para se esconder.
Essa presunção eleva a velocidade a virtude política: identifica-se nela uma bravura, uma vontade de dar resposta, de corresponder – o que simultaneamente degrada, despromove, quem tarda mais, quem pondera mais. A velocidade exigida não se queda pela reação, contamina o plano da ação: esta presunção supõe que os próprios problemas podem ser resolvidos com rapidez. Há uma simplificação do entendimento do real, como se a rápida resolução dos problemas fosse matéria de vontade, de coragem, de enfrentamento do sistema, e isto autoriza uma arrogância, uma jactância, como se fôssemos portadores dos derradeiros instrumentos da humanidade, da solução para qualquer um dos desafios que encontramos.
Sem surpresa, tudo isto deslaça em superioridade moral, na afirmação de uma legitimidade outra, na proclamação de que só quem defende depressa soluções que se implementam depressa representa os mais vulneráveis, os excluídos: é preciso agir já, agora ou nunca, e em força, sem medos. É por isso que Le Pen cita Hélie de Saint Marc e diz que “je ne connais pas de vérité tranquille”, ilustrando essa pulsão, essa ferocidade, tão própria dos populistas.
Esse discurso, esse posicionamento, é habitualmente acompanhado de violência verbal, de assomos identitários, de belicismo, de desqualificações: quem discorda das soluções, rápidas e fáceis soluções, não é alguém que pensa diferente, um adversário, mas um inimigo, um usurpador, alguém que persegue interesses obscuros.
Sucede que em tempos tão velozes essa pulsão vai sendo confundida com convicção, genuinidade, determinação. É por isso que os debates políticos, e já não só por causa dos populistas ou dos extremos, estão hoje mais bélicos, mais violentos, com desqualificações e deslegitimações. Até mesmo internamente, no seio dos partidos europeus, se discute o quão mais violento deve ser o discurso e o posicionamento face ao adversário.
O espaço da moderação, da verdade tranquila, é cada vez mais exíguo, tido como espaço de padecimento, desistência, hesitação, até colaboracionismo. Essa exiguidade crescente preocupa-me, e penso que ela exige dos moderados uma resposta paradoxalmente rápida: é preciso encontrar novas formas de comunicar e agir que, sem prescindir de qualquer princípio, possam aparecer como genuínas, comprometidas e liderantes nestes tempos tão velozes.