Um deputado fora do seu tempo
Aquando da semana LGBT que, embora timidamente, começou a ser celebrada em algumas cidades de Cabo Verde, um dos jornais nacionais publicou uma reportagem aludindo ao facto com algum pormenor e sugerindo, ainda que timidamente, a eventualidade de o Parlamento nacional vir a aprovar uma lei que permita o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Não seria anormal. Meio mundo já fez isso e Cabo Verde, que adora estar na vanguarda de todas as conquistas, certamente que não desdenharia marcar lugar entre os países mais avançados.
Mas eis que um deputado nacional lê essa frase, que aliás mais parece um desígnio futuro, e aqui d’el-rei que querem estragar a nossa fama de terra de reconhecidos machões e a nossa ordem jurídica nacional que declara o casamento uma união entre duas pessoas de sexo diferente. E saca do Facebook, e declara-se 200% contra tal possibilidade. É certo que não foi ao ponto de fazer o trágico juramento de “só por cima do meu cadáver”, mas citou a apoiá-lo pronunciamentos bíblicos de grande força, o livro do Génesis em particular (“E da costela que o Senhor Deus tomou do Homem formou a mulher e trouxe-a a Adão”) e também chamou em sua defesa o apóstolo Paulo e a sua epístola aos romanos: “Pelo que Deus os abandonou às paixões infames, porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza.”
As palavras do ilustre deputado deram início a um terramoto de escala nunca vista neste país de brandos costumes. Como uma avalanche desabrida descendo sobre ele impiedosa, os defensores da LGBT caíram-lhe em cima, vergastando-o com inúmeras palavras feias, mas particularmente com o bramido de “homofóbico”, esse termo novo e horrível que parece ter chegado a Cabo Verde só muito recentemente, ou pelo menos só agora está penetrando no vocabulário nacional, suspeita-se que chegado de mistura com a vaga da violência baseada no género cuja lei dizem ser uma prenda deixada pela anterior embaixadora dos Estados Unidos.
Ora, com esse excesso desnecessário dos 200%, quando na realidade lhe bastava ser apenas 100% contra, ou até menos, porque ele não vota sozinho e se os outros deputados forem a favor da lei ele vai ter de meter a viola no saco e engolir a coisa, o ilustre deputado pôs-se a jeito para levar porrada e é verdade que não ficou a dever nada a ninguém: foi timidamente defendido por alguns que o acharam corajoso, mas também escarnecido, apupado, vilipendiado por muitos mais, digamos francamente que numa intolerância em tudo igual à por ele manifestada. E até pediram que ele fosse demitido das suas funções de deputado, todos esquecidos de que eles são eleitos, não nomeados. Muito poucos expressamente assumiram vir em seu socorro, afinal das contas o lobby LGBT começou também entre nós a deixar os armários e a mostrar como pode ser forte. Entre esses contei o primeiro-ministro, que reconheceu ao deputado o direito de ter opinião pessoal e, bênção suprema, a própria esposa, que lhe escreveu na página do Facebook estas saborosas e amorosas palavras “abo é quasi perfeito”!
Nada impediu, porém, que o nosso deputado buscasse segurança e refrigério na suave mansidão do Salmo 23: “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.”
Mas eis que um deputado nacional lê essa frase, que aliás mais parece um desígnio futuro, e aqui d’el-rei que querem estragar a nossa fama de terra de reconhecidos machões.