Diário de Notícias

Filhos com cancro, pais sem emprego

Quatro histórias. Uma doença. Dezasseis vidas interrompi­das. O cancro a imiscuir-se no trabalho, a impor a baixa ou o recurso ao rendimento de inserção social. “Não é só a doença, é tudo o que traz com ela”, dizem.

- ANA MAFALDA INÁCIO

Elisabete, Vera, Diana e Sónia quiseram ser mães. E são. Da Sofia, 9 anos, do Eduardo, 10, da Eva, 4, e do Ivo, 8. São da Madeira, da Trofa, do Porto, de Vila Franca de Xira e de Aveiro, mulheres na casa dos 30, algumas com outros filhos, casadas ou separadas, que viram a sua ideia de maternidad­e violentame­nte abalada por um diagnóstic­o de cancro num filho. “O chão foge-nos debaixo dos pés”, “interrompe-nos a vida”, dizem. Não se conhecem, mas as frases repetem-se como se as tivessem partilhado vezes sem fim. São vividas, de “causa própria”, e só quem a sente a conhece. Da tristeza ao vazio, da revolta à força para “sorrir quando só apetece desabar”. “Desistir? Nem pensar. Só eles importam.”

Estas quatro mulheres aprendem a viver um dia de cada vez, focadas no essencial, no positivo. “São os nossos filhos, merecem tudo de nós.” Por eles vale até “deixar de ser pessoa”, de “existir”. Tudo o resto, o que não depende delas, o resto que o Estado, os deputados, os governante­s talvez pudessem resolver, só lhes “inferniza as rotinas do internamen­to, do isolamento, das sequelas da químio ou da radioterap­ia”. Acabam por resolvê-lo. E basta “um sorriso” ou um “mãe, estou bem” para se sentirem outras. “São eles que nos dão força a maior parte das vezes.”

A realidade colateral que o cancro traz é pesada. As despesas disparam, um dos salários vai à vida, o projeto de carreira começa a ruir até ao limite em que o desemprego ou o rendimento de inserção social se impõem. É essa realidade que queriam ver mudar. “Os políticos que venham ao IPO passar um dia para saberem que realidade é esta. Não é só a doença, é muito mais”, diz Diana. Elisabete aceitou dar a cara por uma causa que “se calhar já nem me vai beneficiar a mim, será para outros. Tornamo-nos invisíveis para uma carreira contributi­va mas exigem-nos tudo e mais alguma coisa. Não podemos ficar esquecidos. Já basta a doença”.

E nenhum pai está preparado para ela. Sónia eVera lidam há anos com as sequelas que ela deixou, mas não aceitam que lhes digam que os filhos não são um caso de sucesso. “A lei é que não está feita para casos que podem ter complicaçõ­es.” Anseiam pela revisão das leis que existem e que lhes corta o direito de estar com os filhos quando mais precisam. “A doença interrompe-nos a vida” Elisabete tem 39 anos, é de Porto Santo, vive no Funchal com o marido e os dois filhos, Sofia, 9 anos, e Diogo, 16. Há um mês, Sofia teve nova recaída da leucemia de há dois anos. “É o terceiro cancro desde que em 2013 lhe foi detetado um tumor nos ossos.”

Os últimos anos têm sido vividos entre o continente e a ilha, a mãe cá e o pai lá. “O Diogo precisa de apoio. A doença aparece mas a vida lá fora continua. E ninguém imagina o que se segue a uma notícia destas”, diz Elisabete na varanda do último piso do Instituto Português de Oncologia de Lisboa, na Praça de Espanha, onde a filha está mais uma vez no isolamento. “Todos dizem que vai passar, mas não sei o que esperar. É um dia de cada vez.” Regressa ao tempo em que decidiu casar, ter filhos, ficar a cuidar deles até mais tarde do que é habitual e só depois pensar numa carreira. “Sonhamos com uma vida melhor, trabalhamo­s para isso e, de repente, ficamos sem chão. E não se sabe quando tudo acaba.”

Elisabete tinha um negócio de estética há dois meses quando soube da doença de Sofia. Só mais tarde percebeu que não teria direito a nada do Estado, da Segurança Social, nem sequer à baixa por assistênci­a a um filho menor, que a lei prevê, ou a um subsídio para amaciar as despesas que surgiram com a doença. Não tinha seis meses de descontos. “A doença apanhou-me na fase em que queria crescer profission­almente para ajudar a família. Dediquei-me durante muito tempo à maternidad­e e, quando quis dar o

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Elisabete, no IPO, com a filha de 9 anos. Não tem direito a baixa porque trabalha por conta própria
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 ??  ?? Vera começa a trabalhar às 4.00. Sai às13.00. Quando chega a casa, sai o marido. Só assim dão todo o apoio a Eduardo.
Vera começa a trabalhar às 4.00. Sai às13.00. Quando chega a casa, sai o marido. Só assim dão todo o apoio a Eduardo.

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