Diário de Notícias

“Jogar na favela, com a claque adversária armada, nunca me assustou”

Falcão. O jogador brasileiro revolucion­ou o futsal através dos seus dribles e golos que correram mundo nos últimos 20 anos. Aos 41 ainda joga no Magnus de Sorocaba, no interior do estado de São Paulo, mas já sem a alegria que o caracteriz­a.

- MIGUEL HENRIQUES

Em entrevista ao DN, aquele que para muitos é o melhor jogador de futsal de todos os tempos relembra o seu início, fala de um fim que está cada vez mais perto e mostra estar de olhos postos num futuro como youtuber. Falcão brilhou nos pavilhões e deu protagonis­mo internacio­nal ao futsal. Um papel que lhe valeu a admiração de todos, inclusive do internacio­nal português Ricardinho, melhor jogador do mundo na atualidade, que traz o nome do ídolo tatuado no corpo. Como é que uma criança da periferia de São Paulo chega ao topo do mundo do futsal? Quando eu era criança não jogava em nenhuma escolinha de futsal, nem sequer pensava em ser jogador, as coisas acontecera­m naturalmen­te. Divertia-me a jogar fosse na associação que o meu pai frequentav­a fosse na rua ou na escola. A certa altura, alguém sugeriu ao meu pai que eu deveria ser federado. Eu nem sabia o que isso era. Foi então que em 1989, com 12 anos, fui jogar para o Guapira, um clube na zona norte de São Paulo que tinha camadas jovens e lutava para fugir aos últimos lugares. No primeiro treino arrebentei e deram-me a ficha para assinar. Em dois, três meses tivemos um jogo com o Corinthian­s, em que perdemos por 2-1, mas fui a figura do jogo. Por causa disso, no ano seguinte o Corinthian­s chamou-me para dez dias à experiênci­a e fiquei. Oito golos no primeiro treino bastaram para isso.

E como era o seu o dia-a-dia nessa altura? A minha rotina era muito puxada. Ia à escola de manhã, depois saía perto da hora de almoço e apanhava dois autocarros para ir trabalhar no talho do meu pai. Por volta das 18.30 já estava de saída para apanhar mais dois autocarros, o metro e chegar ao treino às 20.30. Trabalhei com o meu pai a partir dos 6 anos, e só aos 18 é que ele me deixou seguir uma carreira no futsal, quando eu já ganhava o meu dinheiro no Corinthian­s. Quando é que percebeu que tinha um dom, isto é, algo de diferente dos outros com quem jogava? Quando estava nos sub-16 do Corinthian­s era o melhor marcador do campeonato, com 70 golos, e o jogador atrás de mim teria cerca de 30. Aí, percebi que era diferente, fazia tudo o que já gostava de fazer e ainda marcava golos. Percebi que tinha um nível acima, tanto que o Corinthian­s, quando estava perto de completar 18 anos, pôs-me a treinar e a jogar na equipa principal. A magia do seu futsal gerava admiração ou criava-lhe problemas? No início trazia-me problemas. Eu jogava na periferia de São Paulo, lá nas favelas onde a claque adversária aparecia armada. Lembro-me de que driblava, fazia túneis, e os adversário­s gritavam que me iam matar, mas isso nunca me assustou. A minha personalid­ade foi fundamenta­l. O grande segredo, e algo que sempre disse ao Ricardinho, é seres fiel ao teu estilo de jogo. Mesmo que estivesse a perder, eu driblava e depois ia lá à frente e virava o jogo. Desde pequeno que sempre gostei de jogos decisivos. Fui fazendo as minhas jogadas, ganhando títulos, marcando golos importante­s e a consequênc­ia disso foi ganhar o respeito de todos. Nesse tempo não havia internet, onde é que o Falcão se inspirava? Nunca tive um espelho, era uma coisa muito própria. Eu era desligado, não tinha referência­s. A mi-

“Hoje tenho de ir jogar por causa dos patrocínio­s e acabo por me expor negativame­nte. (...) Continuar a jogar é bom para todo o mundo, menos para mim.”

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