Abalada por um batráquio
Leonor Teles fez um filme sobre isso: os sapos de louça com que os comércios sinalizam a recusa de – de quê? Como se diz isto? – receber pessoas de uma determinada etnia. Ou melhor: as pessoas de uma determinada etnia que têm uma superstição com sapos. No filme, que ganhou o Urso de Ouro para curtas-metragens no festival de cinema de Berlim, em 2016, a Leonor, cujo pai era dessa etnia, filmou-se a ela própria a partir os sapos. Chamou-lhe Balada de Um Batráquio. Batráquios são os sapos, mas também as rãs. Haverá quem, sobretudo em louça, tenha dificuldade em distingui-los. Daí que quando chegou ao DN a informação de que a Junta de São Domingos de Rana tinha um sapo em cima do balcão e, suspeitava-se, com a intenção que Leonor estilhaça na sua curta, ninguém tenha pensado “olha que se calhar é uma rã”. A hipótese também não terá ocorrido ao signatário do e-mail que na quarta-feira chegou à junta: “Constatei que no balcão há uma intolerável demonstração da mais baixa xenofobia (...), uma clara provocação ao povo cigano.” Na quinta-feira a junta respondia, em comunicado: “Prezamos todas as comunidades existentes no território da freguesia e nunca levaríamos a cabo qualquer ação que as desrespeitasse; jamais imaginaríamos que um simples mealheiro em forma de rã, colocado no balcão de atendimento para apoiar uma causa solidária, fosse encarado como provocação.” E prosseguia o texto esclarecendo o porquê da rã: “Rana é o português antigo, o mesmo que rã (do latim rana); o brasão desta junta de freguesia tem duas rãs.” E não é que tem mesmo? Mas são tão pequeninas. E quem é que repara em brasões de juntas, além dos respetivos executivos? É precisamente um membro do dito, o tesoureiro Carlos Nogueira, que, na ausência da presidente, assume o esclarecimento ao DN: “Aquilo não é um sapo, é uma rã. É um mealheiro e faz parte de uma iniciativa natalícia da junta há uns anos, quando oferecemos mealheiros em forma de rã. Sobraram alguns e usámos este para recolher dinheiro para uma causa. Não consigo entender por que é que se acha logo que é discriminação.” Talvez porque tantas vezes o é? Tudo uma questão de perspetiva. Como ver as rãs no brasão: só quem sabe que lá estão. Ou distinguir um sapo de louça de uma rã (até uma das funcionárias em conversa com o DN, a propósito da confusão, diz “o sapo” e depois emenda: “rã”). Ou um cigano de outra pessoa qualquer.