Onde está a direita liberal?
As recentes eleições no Brasil tiveram em Portugal um efeito curioso e clarificador. Ajudaram a perceber o posicionamento ideológico de políticos, de projetos editoriais – caso do Observador – e dos opinion makers com influência na opinião pública. E também das tendências dominantes nas redes sociais. O que vimos, ouvimos e lemos mostra como os princípios da democracia e do Estado de direito, mais de quatro décadas depois da conquista da democracia, perderam valor e estão longe de constituir, porventura para a maioria, um pressuposto do progresso económico e social.
A esquerda comunista e os seus próximos nunca aceitaram a equiparação no mal da violência e brutalidade dos fascismos e nazismo com o comunismo soviético e maoista. Nunca aceitaram equiparar Pinochet e Fidel Castro, ainda agora têm dificuldade em etiquetar como ditadura o regime “bolivariano” de Chávez/Maduro que colocou o povo venezuelano em situação de penúria, num ambiente de corrupção e violência.
Durante muitos anos acreditei e continuo a acreditar que a combinação entre democracia política e economia de mercado com regulação equilibrada são a melhor receita para o desenvolvimento económico, social e cultural; para chegar a essa conclusão bastaria olhar sem preconceitos para os resultados alcançados pelos países que seguiram esse modelo quando comparados com os que seguiram soluções sem liberdade política e económica. Sem uma nem outra, só houve injustiça social e escravidão. Com liberdade económica, mas sem liberdades políticas e cívicas – o Chile de Pinochet – pode haver progresso económico e social, mas sem liberdade não pode haver felicidade.
Julgava que no Portugal democrático se havia formado um amplo consenso no essencial dos ideais democráticos, consenso partilhado pelos partidos que, com alternância, exerceram o poder. E consenso dominante na sociedade e na cultura. Pois a recente eleição de Jair Bolsonaro no Brasil, um país que nos é tão próximo e que tanto nos tem influenciado culturalmente, mostrou que para uma parte importante da nossa elite e do povo em geral a democracia e o Estado de direito não são valores irrenunciáveis. Com mais ou menos pudor, muitas pessoas com peso na direita não mostraram inquietação, muito pelo contrário, com a eleição de um personagem meio boçal, apologista da violência e da tortura contra adversários políticos e
Para uma parte importante da nossa elite e do povo em geral, a democracia e o Estado de direito não são valores irrenunciáveis.
minorias. Como se isso não fosse a incarnação do mal. Gente a compreender, a tolerar, senão a aplaudir, métodos de perseguição criminal sem respeito por quaisquer regras, porque aplicados a pessoas de que não gostam politicamente. Pessoas para quem será indiferente que o juiz que investigou, prendeu, condenou e impediu que exercesse o direito de voto ao candidato líder nas sondagens seja a seguir convidado pelo presidente eleito para ministro da Justiça ou juiz do Supremo Tribunal.
Será que ainda existe em Portugal uma direita liberal, sim, liberal, mas de corpo inteiro, que coloca a liberdade económica a par das outras liberdades, nos costumes, na religião, no respeito pelos direitos individuais, com tolerância pela diferença, com respeito pelo outro? Sei que somos poucos a pensar e a agir como liberais.