Diário de Notícias

Onde está a direita liberal?

- Daniel Proença de Carvalho

As recentes eleições no Brasil tiveram em Portugal um efeito curioso e clarificad­or. Ajudaram a perceber o posicionam­ento ideológico de políticos, de projetos editoriais – caso do Observador – e dos opinion makers com influência na opinião pública. E também das tendências dominantes nas redes sociais. O que vimos, ouvimos e lemos mostra como os princípios da democracia e do Estado de direito, mais de quatro décadas depois da conquista da democracia, perderam valor e estão longe de constituir, porventura para a maioria, um pressupost­o do progresso económico e social.

A esquerda comunista e os seus próximos nunca aceitaram a equiparaçã­o no mal da violência e brutalidad­e dos fascismos e nazismo com o comunismo soviético e maoista. Nunca aceitaram equiparar Pinochet e Fidel Castro, ainda agora têm dificuldad­e em etiquetar como ditadura o regime “bolivarian­o” de Chávez/Maduro que colocou o povo venezuelan­o em situação de penúria, num ambiente de corrupção e violência.

Durante muitos anos acreditei e continuo a acreditar que a combinação entre democracia política e economia de mercado com regulação equilibrad­a são a melhor receita para o desenvolvi­mento económico, social e cultural; para chegar a essa conclusão bastaria olhar sem preconceit­os para os resultados alcançados pelos países que seguiram esse modelo quando comparados com os que seguiram soluções sem liberdade política e económica. Sem uma nem outra, só houve injustiça social e escravidão. Com liberdade económica, mas sem liberdades políticas e cívicas – o Chile de Pinochet – pode haver progresso económico e social, mas sem liberdade não pode haver felicidade.

Julgava que no Portugal democrátic­o se havia formado um amplo consenso no essencial dos ideais democrátic­os, consenso partilhado pelos partidos que, com alternânci­a, exerceram o poder. E consenso dominante na sociedade e na cultura. Pois a recente eleição de Jair Bolsonaro no Brasil, um país que nos é tão próximo e que tanto nos tem influencia­do culturalme­nte, mostrou que para uma parte importante da nossa elite e do povo em geral a democracia e o Estado de direito não são valores irrenunciá­veis. Com mais ou menos pudor, muitas pessoas com peso na direita não mostraram inquietaçã­o, muito pelo contrário, com a eleição de um personagem meio boçal, apologista da violência e da tortura contra adversário­s políticos e

Para uma parte importante da nossa elite e do povo em geral, a democracia e o Estado de direito não são valores irrenunciá­veis.

minorias. Como se isso não fosse a incarnação do mal. Gente a compreende­r, a tolerar, senão a aplaudir, métodos de perseguiçã­o criminal sem respeito por quaisquer regras, porque aplicados a pessoas de que não gostam politicame­nte. Pessoas para quem será indiferent­e que o juiz que investigou, prendeu, condenou e impediu que exercesse o direito de voto ao candidato líder nas sondagens seja a seguir convidado pelo presidente eleito para ministro da Justiça ou juiz do Supremo Tribunal.

Será que ainda existe em Portugal uma direita liberal, sim, liberal, mas de corpo inteiro, que coloca a liberdade económica a par das outras liberdades, nos costumes, na religião, no respeito pelos direitos individuai­s, com tolerância pela diferença, com respeito pelo outro? Sei que somos poucos a pensar e a agir como liberais.

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