Diário de Notícias

A vitória dos fracos homens fortes

- Marisa Matias

Sérgio Moro não é um homem qualquer, não é um juiz qualquer, não é uma pessoa neutra na recente história do Brasil. Desde a destituiçã­o de Dilma Rousseff à prisão de Lula da Silva, Sérgio Moro fez todo o trabalho que tinha de fazer para desacredit­ar a separação de poderes, para fazer da justiça brasileira o aliado forte das manobras políticas. Várias foram as vozes que alertaram para a existência de uma agenda política clara, mas muitas também se levantaram para dizer que não havia qualquer agenda, qualquer plano, apenas e tão-só uma mão forte, um homem forte, a “limpar a corrupção” do sistema político brasileiro, tendo ele próprio reiterado em duas entrevista­s recentes que jamais entraria na política. Não vou dedicar nem uma linha deste texto a discutir o caso Lula da Silva, mas hoje não restam dúvidas: Sérgio Moro tinha um plano, sim, e agora já não há como escondê-lo.

Nesta semana que se seguiu à eleição presidenci­al brasileira já tivemos o apelo à delação de professore­s que possam ter apoiado Haddad, já tivemos o apelo ao boicote aos artistas que não apoiaram Bolsonaro e tivemos a nomeação de Sérgio Moro para ministro da Justiça. Moro diz ter aceitado o convite com “pesar” por abandonar a magistratu­ra e se dedicar à política. Disse ainda fazê-lo em nome do combate à corrupção e ao crime organizado. O que não disse Sérgio Moro é que ele tem sido um dos atores mais presentes na política brasileira, não está a entrar num terreno novo porque este é o terreno de onde ele não saiu. A corrupção minou o sistema político brasileiro nas últimas décadas e não deixou nenhum partido de fora. Se é verdade que o PT foi alvo de perseguiçã­o política nos últimos anos, também é verdade que se deixou enrolar em esquemas e planos que não devem ficar impunes. Temer, Bolsonaro e Moro são alguns dos homens que se aproveitar­am bem dessa realidade, mas o que não são é defensores ativos da justiça. A corrupção permanece, mas a acusação é seletiva. O povo continua a sofrer. As desigualda­des prevalecem. Temer e Bolsonaro disseram ao que vinha, Moro foi a ferramenta vital para a agenda política de ambos e, como agora se pode constatar, para a sua própria agenda. Não se poderá agora continuar a dizer que ela não existia. Não se poderá agora calar esta nomeação como algumas pessoas calaram a ameaça fascista que representa Bolsonaro.

Bolsonaro e Moro são parte do mesmo problema: dizem querer salvar o país que a

Bolsonaro e Moro são parte do mesmo problema: dizem querer salvar o país que a cada dia afundam num mar de divisão e de autoritari­smo. Dizem defender os mais fracos ao mesmo tempo que os atacam.

cada dia afundam num mar de divisão e de autoritari­smo. Dizem defender os mais fracos ao mesmo tempo que os atacam. Dizem ser do povo quando nunca foram outra coisa senão antagonist­as do povo. Bolsonaro e Sérgio Moro apresentam-se como os novos homens fortes, mas tudo neles é sinal de fraqueza.

É essa fraqueza que justifica a brutalidad­e das suas ações e das suas agendas. É essa fraqueza que se apoia numa ideia totalitári­a e autoritári­a de sociedade onde não há espaço para quem pense de maneira diferente da sua. É essa fraqueza que nos enfraquece a todos como humanidade. Os fracos homens fortes vão tomando conta dos vazios, mas deles não se poderá esperar outra coisa que não seja o aprofundam­ento dos tempos de escuridão. E é por isso que cada um dos dias que vêm terá de ser um dia de luta, de resistênci­a e de alegria. Para que vençam os verdadeira­mente fortes.

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