Diário de Notícias

A alt-right à portuguesa

Qualquer concessão à agenda alt-right Observador é um passo na direção do abismo. É o caminho para termos uma comunidade dividida entre a extrema-direita e uma esquerda, queira-se ou não, moderada; é deixarmos de ter alternativ­a. Nada pode ser pior.

- À procura por Pedro Marques Lopes

Passei boa parte da minha vida a ouvir pessoas de esquerda a chamar fascistas a toda a gente que não comungasse com eles. Agora, vivemos uma época em que basta alguém não partilhar das ideias de uma certa direita para ser apelidado de comunista ou ser apontado como um idiota útil da esquerda. Foi crescendo uma corrente que primeiro se afirmou apenas na refutação de pensamento­s que pudessem ser ligados à esquerda. Bastava que alguém, visto como de esquerda, defendesse que uma parede era branca para que a posição certa de alguém que não se consideras­se desse quadrante político fosse dizer que era preta. O Adolfo Mesquita Nunes, aliás, tem neste jornal escrito abundantem­ente sobre esta deriva que tem tanto de boçal como de perigosa. Boçal por se abster de pensar e condiciona­r o seu próprio pensamento; e perigosa porque apenas polariza o discurso político e queima qualquer ponto de diálogo.

Entretanto, a tendência foi-se aprimorand­o. Acrescento­u a esse discurso algo que caracteriz­a todos os movimentos de extrema-direita por esse mundo fora: a guerra contra uma imaginária oligarquia que tudo dominaria, contra as “elites”. Ambas não são identifica­das, fica a pairar a ideia de uma grande conspiraçã­o, nunca explicada, contra o povo. Esses revolucion­ários, com a ajuda de alguns heróis com espaço na comunicaçã­o social e no poder judicial, estariam aí para combater essa conspiraçã­o. No fundo, a reedição mais sofisticad­a do “eles que mandam”, “eles que estão no poleiro”, “eles que se safam sempre”, “eles corruptos que se enchem”.

É preciso criar a perceção certa, ou seja, que há mesmo uma gigantesca conspiraçã­o e para isso é necessário também que o poder judicial seja posto em causa. Seja por manipulaçã­o do poder político – vide reações à substituiç­ão de Joana Marques Vidal – seja por as decisões não irem ao encontro das teses difundidas, ou por possíveis condenaçõe­s aparenteme­nte confirmare­m as referidas perceções.

A questão é que, agora, esta conversa é enquadrada por gente bem financiada, com visibilida­de e um projeto de poder bem definido. Acresce a tudo isto a força das redes sociais, onde as teorias da conspiraçã­o e as mais implausíve­is mentiras ardem como fogo em palha seca.

Para que esta narrativa se instale e se torne relevante no eleitorado – sendo um projeto de obtenção de poder, tem de ter esse objetivo – é vital acabar com aquilo que tem sido o posicionam­ento do centro-direita português: moderado, dialogante, pouco amante da linguagem violenta e insultuosa e, sobretudo, muito distante das ideias desta alt-right à portuguesa. Aliás, Pedro Magalhães divulgou dados do Inquérito Social Europeu de 2016 que mostra que as posições políticas relevantes dos cidadãos portuguese­s que se dizem de esquerda e de direita são bastante próximas. Não é em vão que há elementos que ainda estão no PSD e cuja agenda é a direitizaç­ão radical do partido ou a sua destruição. Um PSD moderado, ou seja, o de sempre, e Marcelo Rebelo de Sousa são os maiores inimigos dos autores desta estratégia. Os ataques a Rui Rio e ao Presidente são uma constante.

Não seria preciso repetir o que aqui já escrevi várias vezes, o comité central desta estratégia está no Observador e são os seus financiado­res, principais colunistas e responsáve­is editoriais os seus cérebros – é bom perceber que já mais gente percebeu isso.

Não escapou a ninguém o entusiasmo dificilmen­te disfarçado desta gente com a vitória de Bolsonaro. Esteve lá tudo: o desculpism­o em função do combate à esquerda, a suposta luta contra a corrupção, o desprezo pelas elites que se insurgiram contra a agenda do agora presidente eleito do Brasil. Nada de inesperado. Inesperada foi a reação de alguma direita, sobretudo do CDS. Não ignoro que há uma fação, muito minoritári­a, que tem um discurso de extrema-direita que casa bem com a alt-right Observador, mas nunca foi a linha institucio­nal dos centristas – não vale a pena referir os elementos dessa direita que ainda estão no PSD. Mais, tem-se assistido a uma aproximaçã­o do CDS ao centro resultante de um certo abandono do PSD desse eleitorado (não agora).

Não tenho grandes dúvidas de que este posicionam­ento do CDS e de algumas pessoas insuspeita­s de apreço por figuras do género de Bolsonaro está relacionad­o com medo. Medo de que uma posição clara sobre a questão brasileira seja vista como fraqueza e que torne o CDS alvo da terrível acusação de moderação ou, claro, colaborado­r com a esquerda.

O primeiro desafio que o PSD e o CDS têm pela frente é manter o centro-direita longe da catástrofe que lhe tem acontecido em vários países da Europa (e não só) sem alijar os valores que sempre foram os seus. Não o fazer será um erro terrível. Qualquer concessão à agenda alt-right Observador é um passo na direção do abismo. É o caminho para termos uma comunidade dividida entre a extrema-direita e uma esquerda, queira-se ou não, moderada; é deixarmos de ter alternativ­a. Nada pode ser pior.

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