A alt-right à portuguesa
Qualquer concessão à agenda alt-right Observador é um passo na direção do abismo. É o caminho para termos uma comunidade dividida entre a extrema-direita e uma esquerda, queira-se ou não, moderada; é deixarmos de ter alternativa. Nada pode ser pior.
Passei boa parte da minha vida a ouvir pessoas de esquerda a chamar fascistas a toda a gente que não comungasse com eles. Agora, vivemos uma época em que basta alguém não partilhar das ideias de uma certa direita para ser apelidado de comunista ou ser apontado como um idiota útil da esquerda. Foi crescendo uma corrente que primeiro se afirmou apenas na refutação de pensamentos que pudessem ser ligados à esquerda. Bastava que alguém, visto como de esquerda, defendesse que uma parede era branca para que a posição certa de alguém que não se considerasse desse quadrante político fosse dizer que era preta. O Adolfo Mesquita Nunes, aliás, tem neste jornal escrito abundantemente sobre esta deriva que tem tanto de boçal como de perigosa. Boçal por se abster de pensar e condicionar o seu próprio pensamento; e perigosa porque apenas polariza o discurso político e queima qualquer ponto de diálogo.
Entretanto, a tendência foi-se aprimorando. Acrescentou a esse discurso algo que caracteriza todos os movimentos de extrema-direita por esse mundo fora: a guerra contra uma imaginária oligarquia que tudo dominaria, contra as “elites”. Ambas não são identificadas, fica a pairar a ideia de uma grande conspiração, nunca explicada, contra o povo. Esses revolucionários, com a ajuda de alguns heróis com espaço na comunicação social e no poder judicial, estariam aí para combater essa conspiração. No fundo, a reedição mais sofisticada do “eles que mandam”, “eles que estão no poleiro”, “eles que se safam sempre”, “eles corruptos que se enchem”.
É preciso criar a perceção certa, ou seja, que há mesmo uma gigantesca conspiração e para isso é necessário também que o poder judicial seja posto em causa. Seja por manipulação do poder político – vide reações à substituição de Joana Marques Vidal – seja por as decisões não irem ao encontro das teses difundidas, ou por possíveis condenações aparentemente confirmarem as referidas perceções.
A questão é que, agora, esta conversa é enquadrada por gente bem financiada, com visibilidade e um projeto de poder bem definido. Acresce a tudo isto a força das redes sociais, onde as teorias da conspiração e as mais implausíveis mentiras ardem como fogo em palha seca.
Para que esta narrativa se instale e se torne relevante no eleitorado – sendo um projeto de obtenção de poder, tem de ter esse objetivo – é vital acabar com aquilo que tem sido o posicionamento do centro-direita português: moderado, dialogante, pouco amante da linguagem violenta e insultuosa e, sobretudo, muito distante das ideias desta alt-right à portuguesa. Aliás, Pedro Magalhães divulgou dados do Inquérito Social Europeu de 2016 que mostra que as posições políticas relevantes dos cidadãos portugueses que se dizem de esquerda e de direita são bastante próximas. Não é em vão que há elementos que ainda estão no PSD e cuja agenda é a direitização radical do partido ou a sua destruição. Um PSD moderado, ou seja, o de sempre, e Marcelo Rebelo de Sousa são os maiores inimigos dos autores desta estratégia. Os ataques a Rui Rio e ao Presidente são uma constante.
Não seria preciso repetir o que aqui já escrevi várias vezes, o comité central desta estratégia está no Observador e são os seus financiadores, principais colunistas e responsáveis editoriais os seus cérebros – é bom perceber que já mais gente percebeu isso.
Não escapou a ninguém o entusiasmo dificilmente disfarçado desta gente com a vitória de Bolsonaro. Esteve lá tudo: o desculpismo em função do combate à esquerda, a suposta luta contra a corrupção, o desprezo pelas elites que se insurgiram contra a agenda do agora presidente eleito do Brasil. Nada de inesperado. Inesperada foi a reação de alguma direita, sobretudo do CDS. Não ignoro que há uma fação, muito minoritária, que tem um discurso de extrema-direita que casa bem com a alt-right Observador, mas nunca foi a linha institucional dos centristas – não vale a pena referir os elementos dessa direita que ainda estão no PSD. Mais, tem-se assistido a uma aproximação do CDS ao centro resultante de um certo abandono do PSD desse eleitorado (não agora).
Não tenho grandes dúvidas de que este posicionamento do CDS e de algumas pessoas insuspeitas de apreço por figuras do género de Bolsonaro está relacionado com medo. Medo de que uma posição clara sobre a questão brasileira seja vista como fraqueza e que torne o CDS alvo da terrível acusação de moderação ou, claro, colaborador com a esquerda.
O primeiro desafio que o PSD e o CDS têm pela frente é manter o centro-direita longe da catástrofe que lhe tem acontecido em vários países da Europa (e não só) sem alijar os valores que sempre foram os seus. Não o fazer será um erro terrível. Qualquer concessão à agenda alt-right Observador é um passo na direção do abismo. É o caminho para termos uma comunidade dividida entre a extrema-direita e uma esquerda, queira-se ou não, moderada; é deixarmos de ter alternativa. Nada pode ser pior.