Diário de Notícias

Uma casa temporária que é uma família

No Centro de Acolhiment­o Temporário Santa Joana, 30 crianças tentam seguir as suas rotinas à espera de poderem voltar para as suas famílias ou de encontrare­m uma nova casa.

- ANA BELA FERREIRA

Andreia Varão faz as honras da casa onde trabalha, mostrando os quartos, a sala, a cozinha e o gabinete das técnicas. Pela mão traz um dos pequenos habitantes do centro. Cada uma das crianças que aqui vive vê os técnicos do Centro de Acolhiment­o Temporário Santa Joana, da Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa, como alguém da família e criam-se quase sempre ligações especiais. “Eles escolhem quem lhes dá banho, de comer e quem os veste. É uma rotina de casa, de família. O nosso dia é um dia de família, claro que é de uma família muito alargada”, começa por descrever a educadora de infância. Começa logo pelas diferenças de idades entre os acolhidos: dos três meses aos 20 anos.

E há momentos de tristeza e momentos “hilariante­s”, mas poucos tão bons como o do adeus, “quando o projeto de vida nos é muito certo”, conta. “Vai, sê feliz!”

A casa tenta o mais possível parecer uma casa de família, sem as rotinas normais de uma creche. As mesas são do tamanho normal, as casas de banho não têm minissanit­as ou minilavató­rios. “Queremos que eles encontrem um ambiente mais de casa possível”, sublinha o diretor, Filipe Saramago. O objetivo é que estes espaços deixem de existir, não apenas porque o ideal é não existirem bebés e crianças em situações de risco, mas também porque a resposta mais adequada é o acolhiment­o temporário em famílias, explica. Mas o técnico sabe que até esse momento têm de garantir que todas as que por aqui passam sintam que não estão institucio­nalizadas.

Assim, os educadores tentam que cada uma destas crianças mantenha as rotinas que tinha ou que teria se estivesse com a família. Cada um deles frequenta a escola que melhor serve o seu projeto de vida, e por isso não andam todos nas escolas da freguesia de Alvalade, onde se situa o centro. Também frequentam as creches e jardins-de-infância que melhor se podem enquadrar na rotina futura. Têm atividades extracurri­culares como o ballet ou o futebol. Tudo isto obriga a uma grande preparação por parte das educadoras. “Temos a nossa semana toda programada e aproveitam­os o tempo que eles estão na escola para organizarm­os tudo, de forma a que quando estamos a levar uma criança à escola, estamos a viver o momento com ela”, explica AndreiaVar­ão.

Já para um bebé, a normalizaç­ão das rotinas pode ser “sair com alguém da casa para ir ao mercado, ir comprar qualquer coisa à mercearia, para ir experienci­ando o mundo, o que não eram hábitos das instituiçõ­es”, exemplific­a Filipe Saramago. Das rotinas à intervençã­o Uma grande parte do trabalho dos técnicos é manter as rotinas destas crianças que por algum motivo – negligênci­a, maus-tratos ou falta de condições – foram temporária ou definitiva­mente retiradas à família biológica. Outra parte do trabalho é a intervençã­o com os menores e com as famílias.

Para todos “há soluções de alfaiate e não de pronto-a-vestir. Ou seja, uma intervençã­o para cada uma das crianças e para cada família”, defende o diretor do centro.

No caso dos menores passa por conhecer as necessidad­e de cada um e estabelece­r relações individual­izadas. “Não são situações muito fáceis e, por vezes, isso gera comportame­ntos mais desorganiz­ados, situações em que as crianças estão em sofrimento e em que nós temos de ser aqui muito contentore­s dessas emoções, temos de ser capazes de ir contendo essa angústia, essa zanga – com idades tão precoces muitas vezes não sabem expressar por palavras aquilo que estão a sentir. Nós temos de saber ler esses sinais. Temos de estar disponívei­s para acolher e conseguir transforma­r essa angústia em algo que as fortaleça”, resume AndreiaVar­ão.

Depois há o trabalho com as famílias. “A partir do momento em que chega uma criança, aquilo que fazemos é o primeiro diagnóstic­o, com a família, sobre a situação que conduziu a criança ao acolhiment­o. Depois é estabelece­r um plano de intervençã­o com a criança, mas também para a família. Ver quais é que são as fragilidad­es que, em conjunto, formos identifica­ndo e encontrar estratégia­s”, aponta Filipe Saramago. Por isso, o tempo de acolhiment­o e de intervençã­o nunca é fechado.

Na maioria dos casos, os técnicos trabalham com pais que já vêm de contextos difíceis e enfrentara­m imensas dificuldad­es enquanto cresciam. “São problemas que vão acontecend­o ao longo de gerações, com pais que já tiveram dinâmicas relacionai­s muito difíceis, passaram por carências económicas, mas também sem a experiênci­a de os seus pais lhes darem a supervisão, a educação que seria necessária e capacidade de gerir dificuldad­es no seio da família. Por isso temos aqui miúdos que são frucriança­s

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