Regionalização à vista
Opróximo entretenimento nacional vai ser a regionalização do país. Segundo a proposta aprovada na Assembleia Nacional pelos votos do MpD e da UCID, ainda que contrários a tudo que seja opinião pensante expressa, vamos ter dez regiões: cada ilha uma, Santiago duas. Justifica-se! Aliás, não se justifica coisa nenhuma! Santiago tem o dobro da população do arquipélago, sozinha devia ter ficado com pelo menos metade das dez regiões. Mas os eleitos do povo optaram por apenas duas, provavelmente para mais não inflacionar esse mercado já abarrotado de municípios e cidades.
Foi uma decisão que veio na hora certa, como um elemento disruptivo de extrema valia num momento em que uma sociedade ansiosa e desesperada queria a todo o custo forçar o governo a mostrar ao seu povo o contrato de qualquer coisa que permitia à BINTER explorar-nos com a desfaçatez com que o vem fazendo. O governo vinha resistindo, assobiando pró lado ou fazendo ouvidos de mercador. Tribunal com ele, reclamavam alguns mais afoitos, providência cautelar devidamente especificada! E foi então que o primeiro-ministro, em pleno funcionamento do Parlamento, se abriu numa confissão inesperada e sumamente embaraçosa: não há contrato com a BINTER!
Foi um momento de grande comoção nacional, uma espécie de um minuto de um silencioso espanto que terá durado pelo menos cinco: não há contrato? Não há contrato! Como é possível não haver con- trato? Simplesmente não há! Mas como pode ser isso, quer dizer que a BINTER decidiu por si, voou das Canárias e instalou-se entre nós e tomou conta dos nossos céus sem dizer água vai? Não, também não foi bem assim, houve um memorando de entendimento! E que é isso? Um papel em que as pessoas apontam o que querem contratar no futuro! Então é isso, apenas um memorando de entendimento, mas Deus do Céu, quem é o responsável por essa irresponsabilidade de nos entregar a mãos estrangeiras sem sequer a garantia de um papel escrito e assinado? E foi enquanto ainda de boca aberta tentávamos engolir o memorando com a BINTER, que o primeiro-ministro sacou a regionalização das ilhas e com ela nos tapou os olhos.
É que a regionalização é não só uma aspiração antiga, como também uma promessa recente, sobretudo para a ilha de SãoVicente que desde a independência se vem queixando da concentração de todos os poderes de decisão na Praia, dando a rigoroso desprezo a ilha que realmente colocou CaboVerde no mapa do mundo e ainda há pouco mais de 150 anos era, com o seu porto carvoeiro, o pulmão por onde o país respirava. De modo que falar de regionalização, do poder mais próximo do povo, foi música para os ouvidos são-vicentinos que responderam com uma votação massiva. E de há dois anos a esta parte exigem retribuição.
Mas ainda não se sabe como a regionalização vai ser construída. A única coisa que se sabe por enquanto é que ela vai implicar bastante mais despesas a um Estado que já mal pode respirar devido ao excessivo peso dos encargos. E lá diz o velho ditado, quem não pode com um, com dois respinga.
No meio disto tudo, quem acabou não saindo lá muito bem na fotografia foi o PAICV. Porque considerando que essa proposta de regionalização está longe de ser uma verdadeira e necessária reforma do Estado, o seu grupo parlamentar terá concertado abster-se na votação. Porém, não só estava desfalcado de sete deputados, como outros dois, invocando o interesse dos seus círculos – um porque “há momentos em que um homem tem de mostrar que é homem”; outro porque “as ilhas não podem ficar como estão” – optaram por votar com a maioria. Situação constrangedora que levou o líder parlamentar do grupo a queixar-se de que, diante desse revés, o seu partido “não ficou com força nenhuma para propor coisa alguma”.