Entrevista a Pedro Magalhães “O PS terá perdido a maioria absoluta nos incêndios”, afirma o especialista em sondagens e comportamentos eleitorais.
Pedro Magalhães. Especialista em sondagens e comportamentos eleitorais, a sua distância na análise política é salutar porque se baseia em dados. Uma conversa com o politólogo do Instituto de Ciências Sociais sobre o Orçamento e o próximo ciclo eleitoral que começa, de certa forma, com aquele documento. Estamos em pleno debate do Orçamento… Este é, do ponto de vista de quem estuda o comportamento eleitoral das pessoas, eleitoralista como lhe chamou a oposição ou não?
É uma pergunta muito minada, porque é uma questão completamente politizada. As respostas que têm aparecido no debate público são políticas. As democracias dão o incentivo a que, quando se aproximam as eleições, porque os eleitores não prestam muita atenção à política, os governos aumentem o défice, as despesas, para estimular a economia e com isso ter benefícios eleitorais. Este orçamento desse estrito ponto de vista não encaixa. Há redução do défice. Mas obviamente que é eleitoralista noutro sentido: a diminuição do défice estrutural não vai ser tão grande como já foi. A última vez que o défice estrutural aumentou foi em 2015…
Qual é o peso da esquerda outsider, como lhe chama, neste Orçamento?
É preciso ver a composição dos gastos, que setores é que são beneficiados e prejudicados. Aí podemos chamar eleitoralismo, mas também podemos dizer que isso faz parte da identidade desta solução política. Se estivesse um governo de direita no poder, provavelmente iria propor mais financiamento às empresas, redução de impostos, mas a identidade política desta solução não é essa. Aqui há dois partidos que sempre procuraram não se aproximar demasiado da esfera da governação, também porque essa aproximação pode ter um custo, implica compromissos que quem está na oposição não precisa de fazer. A troca implícita é que o PS pode governar, mas tem de sinalizar de forma muito clara para os parceiros os seus triunfos em termos de políticas públicas. É muito importante para o Bloco de Esquerda e para o PCP. Andamos na rua e vemos os cartazes do Bloco a dizer: “Fomos nós que conseguimos o aumento do salário mínimo, os manuais grátis”. Depois há coisas que são um pouco paradoxais: o PS é atacado à esquerda e à direita pelas mesmas razões que têm que ver com o investimento público. Pelo baixo nível de investimento público, pela degradação dos serviços públicos…
Acha que depois de Mário Centeno, o PS e os socialistas deixarão de ter na opinião pública a imagem que tinham de quem não percebe nada de finanças públicas?
Isso foi, de facto, uma perceção muito prevalecente, não só em 2011, obviamente, quando fizemos o estudo eleitoral, mas ainda era importante em 2015. Uma das coisas que limitaram a capacidade do PS de ampliar o seu resultado eleitoral foi essa perceção. Acho que é muito presumível que tenha mudado.
Na verdade, o diabo não veio…
O diabo não veio, o ministro das Finanças é o mais bem avaliado. Quando estou com colegas estrangeiros da área da ciência política é sempre esta a pergunta que surge: como é que esta solução sobrevive e como é que conseguiu apresentar a imagem, em grande medida política, de ter virado a página da austeridade? Em parte, isso deve-se a uma situação económica favorável, obviamente, em toda a Europa, mas em parte também se deve ao controlo apertado das finanças e das despesas públicas deste ministro.
E também à habilidade política. Isso refletiu-se nesta governação?
Em meu entender sim. Se lermos o que se dizia sobre a geringonça nas semanas, meses, que se seguiram à formação do governo – não iriaa sobreviver, não iria durar, nenhum investidor estrangeiro iria acreditar em Portugal, iria estoirar com as finanças públicas – e comparamos com hoje, é quase impossível dizer que as expectativas não foram superadas.
Do que já se conhece das intenções de voto qual é o efeito da geringonça no PS, no Bloco de Esquerda e no PCP?
É muito claro e simples. O PS progrediu até aos 40% das intenções de voto. E ao mesmo tempo quer o Bloco de Esquerda quer o PCP parecem não ter sofrido a erosão que muitas vezes se teme quando es- tes partidos que são, digamos, outsiders, se aproximam do poder. Há no Bloco de Esquerda uma pequena agitação a seguir ao caso do vereador do BE em Lisboa, mas em geral esta é a tendência mais segura.
Isso acontece por mérito dos partidos que suportaram o governo ou por demérito da oposição?
Eu não sei se chamaria demérito da oposição. Depois da eleição, os partidos que tinham composto a solução do governo anterior tiveram destinos diferentes. Num dos casos substituiu-se a liderança – saiu Paulo Portas para entrar Assunção Cristas. É como se se limpasse a ardósia, não é? No caso do PSD isso não aconteceu. Passa-se uma coisa muito interessante que muitos estudos detetam: a ideia de uma lua-de-mel do novo governo. Normalmente é curta. Porque nos primeiros meses as pessoas ainda estão a avaliar o novo governo, avaliando a nova oposição. O que se passou em Portugal foi uma espécie de prolongar do estado de graça por ter na liderança do PSD alguém que tinha chegado a um ponto de grande impopularidade. O PSD sofreu por, no fim daquele ciclo, não o ter interpretado como tal e ter prolongado uma liderança que depois veio a revelar-se, nas autárquicas, prejudicial.
Há estudos que indicam que os eleitores têm a perceção do PSD como partido de direita. Será que Rui Rio não ter invertido esse caminho de queda do PSD tem que ver com o facto de as pessoas não estarem disponíveis para esse centro que lhes propõe?
Depois do último governo, os eleitores colocavam o PSD muito mais à direita do que alguma vez o tinha colocado. Isso, no fundo, tem que ver com as políticas que foram seguidas ou com a imagem que se construiu das políticas, com o mérito da oposição a construir esta narrativa, com muitas afirmações que o PSD e a sua liderança fizeram, o “ir para além da troika”… Isto é muito marcante para as pessoas, porque ninguém está a olhar para a política todos os dias…
No caso do PSD, porque abandonou as preocupações do seu eleitorado tradicional?
“Se fosse um governo de direita, iria propor mais financiamento às empresas, redução de impostos, mas a identidade política desta solução não é essa.”
Não sei se abandonou. Aquele governo governou em circunstâncias muito especiais e teve de defender essa governação. O programa do PSD até falava muito de igualdade, de solidariedade, de fim da austeridade, mas já foi tarde para desmontar aquela perceção. Isso é nocivo porque a maior parte das pessoas estão ao centro. E em Portugal o centro é bastante à esquerda.
Ou seja, tarefa redobradamente difícil para Rui Rio…
Fazer oposição no centro-direita a um governo de esquerda que diminui o défice é difícil, e ainda é mais difícil quando se tem um grupo parlamentar que não foi escolhido pela atual liderança; com setores dentro do partido que se identificam ainda com a antiga liderança; com a perceção dentro do partido que, se calhar, a luta política é para perder, pelo menos a curto prazo.
O que aconteceu ao PS para deixar de crescer?
O PS deixa de crescer com os incêndios. Não sei o que vai acontecer nas próximas eleições, mas se não tiver maioria absoluta, se calhar ainda vamos dizer que esse foi o momento em que a maioria absoluta foi perdida. Mas o PSD também não sobe, tem ali um ligeiro movimento quando chega Rui Rio.
O PS também não é visto hoje como um partido mais à esquerda? Ou seja, o centro hoje tem que representantes?
O centro é um espaço um pouco estranho. Tem muita gente e ao mesmo tempo não tem ninguém. A maior parte dos eleitores são moderados. As pessoas, quando perguntadas sobre que posições têm, de temas concretos, a maior parte tem posições moderadas, até porque estes temas não são temas simples para ninguém e é muito natural que assim seja. Do ponto de vista das políticas económicas, o eleitorado português é bastante à esquerda, até as pessoas que votam normalmente no PSD e no CDS. E o centro, ao mesmo tempo, não tem ninguém. O centro absoluto é um centro que está cheio de pessoas que pensam quase nada sobre política e não têm convicções muito fortes.
Nesse sentido, esse espaço do centro está lá para quem o apanhar. E quem o vai apanhar nas próximas eleições?
Todas as indicações que temos é que o PS está em muito melhores condições para fazer isso. O centro é menos convicto ou menos marcado do ponto de vista ideológico, olha para as questões do desempenho. Para a capacidade de entregar. É também isto que faz a vida difícil para a oposição.
Disse um dia que quando a economia melhora, a capacidade de os governos beneficiarem com isso é menor do que os prejuízos que eles têm em situação de crise económica. Isso quer dizer que pode ser muito difícil chegar à maioria absoluta apesar dos resultados económicos que este governo conseguiu?
Nós chamamos a isso o voto económico assimétrico. E isto acontece porquê? É muito simples e, no fundo, vocês têm um papel muito importante. Quando há crise, a economia domina a agenda pública. É difícil pensar noutra coisa. É impossível falar sobre fosse o que fosse sem ser economia. Hoje, os debates vão para todo o tipo de temas, desde o Museu dos Descobrimentos até à deputada que pinta as unhas. Os governos têm mais dificuldade em converter esse capital em votos porque, entretanto, as oposições também não andam a dormir e introduzem no debate político temas onde possam ter vantagens e não aqueles em que estão sistematicamente prejudicados como é o da economia.
O PS pode vir a ser prejudicado pela falta do voto útil, questão que o partido abriu ao alargar o arco da governação à esquerda?
O primeiro sinal que temos disso é quando olhamos para os inquéritos de opinião e para as intenções de voto em particular e o que vemos é a estabilidade. Não há erosão significativa nem na votação na CDU nem no Bloco de Esquerda. Estes partidos querem convencer os eleitores, em particular o BE, muito mais vulnerável, para que não lhe aconteça o mesmo que aconteceu em 2011, em que perdeu metade do seu eleitorado. E isso consegue-se dizendo aos seus eleitores que faz diferença um governo do PS sozinho.
Há pouco, a falar sobre a questão do centro, disse que havia neste momento uma escolha clara entre a esquerda e a direita. Isso é ou não é bom para a democracia e para a confiança na política em geral, não ser tudo igual?
Eu diria que sim, mas com limites. Sabemos que há mais participação eleitoral quando as pessoas se apercebem de que faz diferença quem ganha. Também sabemos, e temos até internacionalmente muitas manifestações disso, como a excessiva polarização tem os seus próprios problemas.
Porque é que em Portugal não há opções políticas mais radicais?
Uma das coisas que os cientistas políticos estrangeiros também perguntam: porque não têm partidos de extrema-direita? Há sempre um elenco enorme de respostas e confesso que nenhuma me deixa satisfeito, mas todas parecem fazer parte do puzzle. Apesar de já ter passado muito tempo, a nossa transição democrática e a deslegitimação que gerou das ideias de direita é algo que continua presente. No discurso político, na memória dos que ainda se lembram… de pais para filhos. Há uma deslegitimação da direita autoritária. Há um fechamento do sistema político que se tem conseguido proteger – para o bem ou para o mal – da entrada de novos partidos. Depois, um dos motores dos partidos de extrema-direita é a oposição à imigração e nós temos uma baixa imigração.
Há razões eleitorais que estão na base de fenómenos como Trump ou Bolsonaro?
Eu tenho muitas dúvidas sobre grandes explicações que deem conta de coisas tão diferentes como Trump, Bolsonaro ou Duterte, a Liga Norte, etc. Sobre Bolsonaro há coisas que impressionam muito. O fenómeno da corrupção que, de facto, se instalou de forma tão generalizada na sociedade, e é impressionante ver a rejeição que muitos brasileiros tiveram em relação à sua classe política dominante. Não me surpreende o antipetismo, surpreende-me como é que o centro-direita brasileiro se esvazia. Nós sabemos, pela investigação, que isto são coisas que estão muito relacionadas com a erosão no apoio à democracia, a erosão na crença nos direitos cívicos fundamentais e que favorecem muito o apoio à adoção de políticas muito musculadas.
Qual foi o papel das redes sociais?
As redes sociais deram um instrumento poderoso a quem as soube usar a seu favor. A política sempre tirou partido de todas as inovações tecnológicas e comunicacionais. Quando saímos dos casos concretos e olhamos para o panorama global e para os dados que há disponíveis, chama-nos a atenção o quão pouco ainda usam estas ferramentas. O caso de Portugal é um caso talvez extremo desse ponto de vista, um caso em que os partidos usam muito pouco…
Se bem que o PSD anunciou esta semana que ia abrir um canal no WhatsApp.
Exatamente. Mas até agora, segundo os dados que temos, as pessoas são muito pouco impactadas pelo uso até de coisas tão simples como é o sms, o e-mail ou o Facebook. Aquilo que se teme é que a partir do momento em que os intermediários são dispensados, a propensão das pessoas para viver numa bolha em que se limitam a ouvir opiniões, ideias e mensagens daqueles que já concordam com elas. Essa possibilidade é, de facto, uma das coisas que mais ocupam as pessoas que lidam com os fenómenos da comunicação e a sua ligação à democracia. A probabilidade de essas bolhas comunicacionais emergirem e serem prevalecentes na sociedade é cada vez maior.