EUA Como régua e esquadro podem definir o resultado das eleições intercalares de terça-feira.
Gerrymandering está a ser usado pelos republicanos para redesenhar distritos eleitorais para favorecer candidatos. A estratégia é de 1812, mas será suficiente para manterem a maioria no Congresso no dia 6?
Eldridge Gerry podia ter ficado para a história como um dos homens que lutaram pela independência dos EUA, ou como um dos poucos que recusaram assinar a Constituição americana por não conter uma Carta dos Direitos dos Cidadãos ou mesmo por ter sido o quinto vice-presidente do jovem país. Mas foi outra coisa ainda que o torna um nome conhecido até hoje. Foi Gerry quem deu nome a uma estratégia política ainda em vigor e que promete influenciar o resultado das eleições intercalares de terça-feira.
Em 1812, o então governador do Massachusetts aprovou o redesenho dos distritos eleitorais do estado para ajudar à vitória do seu partido. Mas esse redesenho a régua e esquadro fez que alguns distritos ficassem com uma forma estranha. Tanto que inspiraram um cartoon publicado no Boston Gazette em que um dos distritos surgia sob a forma de uma espécie de salamandra mitológica, com garras, asas e uma cabeça de dragão. Foi aquele jornal que cunhou o termo gerrymandering – uma fusão entre Gerry e salamander.
Desde então, esta técnica tem sido usada por ambos os partidos, para favorecer os seus candidatos. E, nisso, a era Donald Trump não é exceção. O partido do presidente aposta no redesenho de distritos nos estados onde domina a administração para travar a vaga democrata que muitas sondagens preveem que possa varrer os EUA nas intercalares de dia 6.
Na próxima terça-feira, os americanos vão às urnas eleger os 435 membros da Câmara dos Representantes, um terço dos senadores e 36 governadores. E se com uma
vantagem de apenas 51 para 49 no Senado parece mais fácil aos democratas recuperaram a câmara alta do Congresso, a realidade é que é na Câmara dos Representantes que o partido aposta para tirar aos republicanos de Donald Trump a maioria que neste momento têm.
E exemplos de gerrymandering para o conseguir não faltam. Há dias a ABC News dava o de Ted Budd, um congressista da Carolina do Norte que procura a reeleição pela primeira vez depois da vitória em 2016. Dono de uma loja de armas e de uma carreira de tiro, Budd tem muito contra ele: pertence ao partido do presidente, o que costuma ser uma desvantagem nas intercalares, Trump, que já o apoiou publicamente, continua com a popularidade em baixo e, além disso, tem como rival uma mulher num ano em que há forte pressão para apelar ao voto feminino e o que muitas esperam ser uma mobilização sem precedentes impulsionada por movimentos como o #MeToo.
Mas Budd tem uma vantagem a seu favor: num estado controlado pelos republicanos, o seu distrito, o 13.º, foi redesenhado para o favorecer no dia da votação.
Uma prática que tem sido criticada, com alguns tribunais a proibirem o gerrymandering em certos estados, mas a verdade é que a decisão final cabe ao Supremo Tribunal e enquanto não o considerar ilegal “é constitucional fazer gerrymandering político”, garante Budd.
Os políticos que optam pelo gerrymandering tipicamente agregam os eleitores do partido rival num único distrito enquanto espalham os seus eleitores pelos restantes. O resultado que procuram é que o partido minoritário vença de forma esmagadora nesse primeiro distrito enquanto o partido maioritário vence os restantes por pequenas margens.
As eleições desta terça-feira vão mostrar se o gerrymandering continua tão poderoso como sempre ou se os apelos dos democratas para levar os jovens, as minorias e as mulheres a votar vão trocar as voltas à redefinição de distritos com regra e esquadro. “O que os republicanos tentaram fazer foi criar um número suficiente de distritos seguros. O que eles não anteciparam foi que as condições a nível nacional mudaram o que faz que esses distritos sejam muito mais competitivos do que eles estavam à espera”, explicou à ABC News Sean Theriault, professor na Universidade do Texas. Homens brancos em minoria Para ganhar nesta terça-feira e recuperar a maioria na Câmara dos Representantes, os democratas têm de vencer 23 lugares. Para tal, o partido tem na mira 85 candidatos republicanos que considera ser possível derrubar – da Califórnia ao mui vermelho Texas. Sim, vermelho, porque até nisto das cores, os americanos gostam de ser diferentes: a direita é vermelha e a esquerda (esta também num sentido também aqui muito norte-americano) é azul.
Se olharmos para as previsões do site Real Clear Politics, a tarefa não parece impossível, afinal há 40 lugares agora nas mãos de republicanos que surgem como empatados ou com tendência a pender para os democratas, enquanto só uma mão-cheia de lugares democratas aparecem como estando em risco.
Mas se na Pensilvânia, por exemplo, os democratas viram o Supremo Tribunal decretar como inconstitucional o gerrymandering feito pela administração republicana do estado, isso não significa que a tão ambicionada vaga azul não se arrisque a “embater contra um muro de mapas sujeitos a gerrymandering”, como alertou o Brennan Center for Justice, num estudo revelado recentemente. Nas contas desta instituição, para recuperar o controlo da Câmara, os democratas precisariam de ganhar o voto popular a nível nacional com mais de 11 pontos de vantagem – o que não acontece desde 1974.
Para o conseguir, os democratas apostam na diferença. Pela primeira vez na história dos EUA, os homens brancos estão em minoria entre os candidatos democratas a estas intercalares. São muitas as estrelas que têm surgido na campanha, de Alexandria Ocasio-Cortez, a ativista do Bronx, filha de uma porto-riquenha que quer conquistar o 14.º distrito de Nova Iorque com um discurso muito à esquerda, a Stacey Abrahams, que quer ser a primeira mulher negra governadora nos EUA se vencer na Geórgia, ou Beto O’Rourke, o congressista de origem irlandesa mas fluente em espanhol que quer tirar a Ted Cruz o lugar de senador do Texas.
Para já, o que se sabe é que no voto antecipado a participação está a ser elevada e, a continuar assim, os analistas acreditam que a abstenção poderá ser a mais baixa desde 1966, quando se ficou por uns, mesmo assim altíssimos, 51%. Uma das razões é a mobilização que tem havido junto dos jovens. Em setembro mais de 800 mil pessoas registaram-se para votar, na larga maioria entre os 18 e os 24 anos. Uma resposta ao apelo lançado tanto por personalidades do Partido Democrata como o ex-presidente Barack Obama, como pelo próprio presidente Trump que já disse durante a campanha que estas “podem ser as intercalares mais importantes de que há memória”.
Resta saber se uma potencial participação recorde é capaz de estilhaçar o efeito gerrymandering. E aí torna-se difícil de prever a dimensão da tal vaga azul.