Israel e os novos amigos árabes
Israel teve há dias uma enorme vitória diplomática e não, não foi o reafirmar por Jair Bolsonaro de que a embaixada brasileira mudará para Jerusalém. Ao passear-se por Mascate com o sultão de Omã, Benjamin Netanyahu confirmou aquilo que já se comentava à boca pequena há alguns anos: que cada vez mais os países árabes, e sobretudo as monarquias do golfo Pérsico, estão dispostas a reconhecer o Estado Judaico como uma realidade no Médio Oriente. E como um aliado contra o Irão, o grande rival xiita, visto como ameaça por reis e xeques sunitas.
Claro que Omã é um caso especial, não só porque há duas décadas, no ambiente promissor dos Acordos de Oslo entre israelitas e palestinianos, já tinha acolhido um outro primeiro-ministro israelita, Yitzhak Rabin, mas também porque o sultão Qaboos tem vasto currículo como mediador. Basta lembrar que embora aliado dos Estados Unidos mantém excelentes canais de comunicação com os ayatollahs ou que apesar de fazer parte do Conselho de Cooperação do Golfo não alinhou no bloqueio ao Qatar imposto pelos sauditas.
Mas o que dizer de um atleta israelita a participar no Abu Dhabi numa competição de judo, triunfar e subir ao pódio e quando o hino nacional toca a ministra da Cultura do seu país, presente na assistência, começar a chorar? Foi a primeira vez que o Hatikva se fez ouvir nos Emirados Árabes Unidos e logo na mesma semana em que outro ministro israelita, o das Comunicações, visitou também o Dubai.
Isto das primeiras vezes é de extrema relevância nas relações israelo-árabes desde 1948, data da criação do Estado Judaico (nabka, ou “catástrofe”, dizem os palestinianos). Quem não se recorda do abalo sísmico que foi o reconhecimento pelo Egito em 1980 depois de o colosso árabe ter estado sempre na linha da frente das guerras que tentaram destruir Israel? Por isso há uma outra primeira vez que deu a entender o que agora está a acontecer: o voo direto de Donald Trump da Arábia Saudita para Israel em maio do ano passado, sinal de que a estratégia do presidente americano de isolar o Irão (sob suspeita nuclear) e criar uma aliança Estados Unidos-Israel-países árabes sunitas conta com o apoio do rei Salman, guardião das cidades santas de Meca e Medina e portanto com peso tremendo no mundo árabe-muçulmano. E tempos depois foi a vez de o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman admitir o direito dos judeus a um país.
Um dia, em Telavive, jantei com Chemi Peres, filho de Shimon Peres, que como ministro dos Negócios Estrangeiros partilhou o Nobel da Paz de 1993 com Rabin e o líder palestiniano Yasser Arafat. Falámos do pioneirismo do pai, dos tempos áureos dos kibbutz, do plano da ONU de partilha da Palestina que os árabes rejeitaram, do novo Estado e de como os israelitas tiveram de apostar no “poder do cérebro” para sobreviver como país dada a escassez de recursos naturais e a vizinhança hostil. Fundador da Pitango, financeira especializada em startups, Chemi Peres confessou acreditar, tal como o pai (que foi primeiro-ministro e presidente), numa solução negociada para o problema palestiniano e admitiu que empresas israelitas, algumas com quadros árabes-israelitas, há muito que fazem negócio no Golfo mas sempre discretas sobre a nacionalidade.
Ora, o discreto justifica-se porque nas massas árabes a simpatia pela luta palestiniana por um Estado é ainda forte. E o sultão omanita, líder de um povo que não é nem sunita nem xiita mas ibadita, pode nesse sentido arriscar mais do que outros monarcas e acolher Netanyahu, até porque dias antes recebera Mahmud Abbas.
Mas as divisões entre os palestinianos – Fatah a controlar a Cisjordânia e o Hamas Gaza –, assim como a ausência de um líder para o pós-Abbas capaz de negociar em força com Netayahu ou com quem a este suceder, facilitam este entendimento dos árabes com os israelitas. E o prémio para os dois lados é o apoio de Trump, o mesmo que ordenou a transferência da embaixada de Telavive para Jerusalém e escutou escassos protestos dos governantes árabes.
Bolsonaro na questão da embaixada não faz mais do que imitar Trump, mas Israel agradece. É que nisto de simbolismos, não esquecer que foi um brasileiro que, como presidente da Assembleia Geral da ONU, aprovou o Plano de Partição da Palestina.