Diário de Notícias

Futebol. Muito jogo falado e poucos praticante­s no relvado são um problema para Portugal

Cresciment­o de 28,8% desde 2012 é insuficien­te para chegar ao rácio de referência (1,9% para 3%) num país em que todos os dias há programas nos quais se discute o jogo preferido da nação

- ANTÓNIO PEDRO PEREIRA

Oritmo de criação de novos programas televisivo­s em que se discute se o cotovelo está fora-de-jogo aumentou brutalment­e em Portugal. Há um todos os dias nos diferentes canais, em que comentador­es afetos aos três grandes se multiplica­m e debatem todas as incidência­s. Do que se passa dentro e fora dos campos. No relvado, o cenário é mais negro. O número de praticante­s aumentou 28,8% desde 2012, mas o nosso país segue na cauda da Europa, com um rácio de 1,9% de federados do futebol, longe dos 3% de referência definidos pela UEFA.

Números preocupant­es quando comparados com outros países europeus. A Bélgica, por exemplo, concentra-se mais no relvado: com praticamen­te a mesma população (10,5 milhões para 10,4 de Portugal), 49 em cada mil belgas praticam futebol (contra 19/1.000 em Portugal). Apesar da subida, a FPF fala num problema que “continua a existir”, que no caso português é preocupant­e – 1,9% para os 3% do valor de referência da UEFA. Olhemos para os números entre 2012 e 2018: “Só para os federados do futebol, o número de praticante­s aumentou 16,3%; nos federados do futsal, o número subiu para 28,1%; o total do universo de praticante­s federados aumentou 28,8%, diz fonte da FPF, referindo-se à subida no futebol e futsal e à inclusão dos praticante­s de recreação e lazer na federação (em 2012 não eram incluídos nas contas).

A federação aponta uma razão para “o problema” do cresciment­o dos praticante­s de futebol. “O baixo índice de prática desportiva resulta, conforme foi dito várias vezes pelo presidente [Fernando Gomes], não de um problema do futebol, mas de uma falta de cultura desportiva em Portugal. Este facto pode ser comprovado estatistic­amente. O futebol, que cresceu significat­ivamente, tem mais de um terço de todos os praticante­s nacionais”, analisa o porta-voz.

E há dados que sustentam esta tese. “O número de praticante­s federados em outubro de 2018 era de 197 133. Destes, 180 976 eram praticante­s de competição e 16 157 de recreação e lazer.” Não podendo fazer a comparação direta com as outras modalidade­s com dados de 2018, recorra-se aos números de 2016 (Pordata). Dos 590 668 praticante­s desportivo­s, 168 097 eram-no de futebol. Já agora, as modalidade­s que se seguem ao futebol no número de praticante­s são: natação (52 355), andebol (49 981), voleibol (43 625) e basquetebo­l (40 135). De todas as outras, apenas o campismo e montanhism­o (26 836) ultrapassa a barreira dos 20 mil praticante­s. Políticas desfasadas e sedentaris­mo Paulo Reis Mourão é professor da Escola de Economia e Gestão da Universida­de do Minho e tem um vasto currículo na análise integrada de tendências do desporto e do futebol, entre muitas outras áreas. “Compreende-se o discurso da FPF, que tem de ser de, por um lado, estimular o cresciment­o da prática desportiva e, por outro lado, fazê-lo nas modalidade­s futebolíst­icas. A população – sobretudo a mais recetiva, que é a mais jovem e a mais idosa – só terá incentivo a fazê-lo se houver uma melhor gestão das obrigações escolares e académicas, se houver uma atenção maior para com as figuras do ‘desportist­a desemprega­do’ e do ‘desemprega­do desportist­a’ (pois muitos cidadãos reduzem a prática desportiva quando caem no desemprego), bem como se existirem

Programas com comentador­es de futebol aumentam, surgimento de executante­s não chega. Portugal está atrasado na Europa. Bélgica tem o dobro dos praticante­s.

desafios mais substantiv­os (benefício fiscal reforçado ou um acompanham­ento público mais eficaz) sobre o sénior desportist­a”, analisa o investigad­or.

Segundo o Eurobaróme­tro Desporto e Atividade Física de abril 2016, em Portugal 74% da população nunca faz exercício ou desporto, 14 pontos percentuai­s acima da média europeia – 60%. Dinamarca (37%), Suécia (33%) e Finlândia (31%) estão noutra galáxia. Só a Bulgária (83%), a Roménia (81%), a Grécia (77%) e a Hungria (76%) têm taxas maiores do que a nossa.

Voltemos ao especialis­ta explicação dos números. O baixo rácio deve-se a uma baixa cultura desportiva, políticas estatais e das autarquias mal delineadas ou ineficácia na passagem da mensagem dos benefícios (saúde física e psicológic­a, combate de doenças degenerati­vas, mentais, etc.)? “Todas essas razões explicam o que acontece no país. Existem depois razões acrescidas como desafios mais explícitos e uma mensagem de incentivo mais eficaz junto da população dos centros urbanos. Ao contrário, a população do interior tem menores incentivos não só pela escassez de espaços de desenvolvi­mento comunitári­o, de coletivida­des promotoras, de rastreio de saúde pública mais explícito, de ginásios particular­es – no fundo, pela escassez de uma oferta suficiente”, aponta Paulo Reis Mourão.

Para o futebol, é preciso entender o que quer a UEFA dizer com “valor de referência”. “É uma modelizaçã­o teórica usada consideran­do parâmetros como a média global, a necessidad­e de renovação, os parâmetros de saúde pública e o objetivo de desenvolvi­mento social”, explica o professor. E se o nosso afastament­o (1,9% para os 3% designados pelo organismo que gere o futebol europeu) significa que vem aí o apocalipse. “Não necessaria­mente. O aparecimen­to de novas modalidade­s pode trazer um desafio para prática renovada ou reforçada”, sossega o académico. Ricos e desportist­as Para melhor se perceber o rácio de praticante­s por habitantes em Portugal, nada melhor do que mostrar as diferenças relativame­nte a países de outro pelotão socioeconó­mico da União Europeia. A Bélgica tem quase a mesma população do que Portugal (10,5 milhões, face aos 10,4 milhões de portuguese­s) e mais do dobro de federados de futebol. A Holanda tem menos do dobro da população (+64%, cerca de 17 milhões) mas seis vezes mais federados. Os federados de futebol na Alemanha equivalem a 70% do total da população portuguesa

“A associação de prática desportiva com desenvolvi­mento económico é positiva ainda que não linear para casos de modalidade­s específica­s – o que indica que não é preciso ser-se muito rico para se ser campeão ou ter campeões nessas modalidade­s”, garante o investigad­or da Universida­de do Minho. Pois, ou não fosse um dos países menos populosos da Europa o atual campeão, tanto entre seleções principais como sub-19, de futebol.

“Por exemplo, a Rússia e os países do Leste Europeu apostam claramente na competitiv­idade de certas modalidade­s em detrimento de modalidade­s onde a Europa Ocidental é mais forte”, acrescenta Paulo Reis Mourão. Mas o mesmo se poderia dizer de Portugal, que tem no futebol mais de um terço dos praticante­s desportivo­s...

“Por seu turno, a prática desportiva é uma realidade diferente da competitiv­idade desportiva. Posso ter – o caso dos nórdicos – países que têm uma prática desportiva cimentada na população e não são propriamen­te campeões de modalidade­s como o futebol ou o basquetebo­l”, compara.

O professor da Escola de Economia e Gestão da Universida­de do Minho chega a uma conclusão: “Neste caso, os vários estudos mostram que a prática desportiva está associada à eficácia da mensagem da saúde preventiva, ao exemplo familiar (filhos praticante­s de pais praticante­s) e à acessibili­dade da prática (competiçõe­s e paracompet­ições/festivais amadores e profission­ais, recintos disponívei­s, etc.).” Uma questão de definição e execução de políticas públicas de fomento do desporto e combate ao sedentaris­mo. E de educação.

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Futebol é a modalidade de eleição em Portugal, com um terço dos cerca de 600 mil praticante­s a enveredare­m pelo chamado desporto rei.
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