Diário de Notícias

O “ataque terrorista” de que Bill Clinton se livrou

A história de um presidente dos EUA que desaparece não é original; Harrison Ford já o fez no cinema em Air Force 1 e George W. Bush na vida real no 11 de Setembro. Bill Clinton e Patterson reinventam a receita.

- JOÃO CÉU E SILVA

Acapa de O Presidente Desaparece­u é a mais estranha no currículo do autor de thrillers James Patterson, pois o seu nome surge habitualme­nte em destaque e o do “ajudante” que realmente escreve a maior parte do livro aparece em baixo, antecedido de um “com”. Desta vez, o “com” é o próprio James Patterson pois o do estreante Bill Clinton está no lugar cimeiro.

Nada que deva preocupar Patterson, que é o rei do thriller americano e que já vendeu 370 milhões de livros, e que com este O Presidente Desaparece­u deverá ultrapassa­r a fasquia dos 400 milhões. Quanto a Clinton, esta é a sua primeira incursão literária enquanto ficcionist­a – a juntar aos quatro volumes de não-ficção que publicou – e já se diz que não será a única. Nada impossível para um ex-presidente que teve dois mandatos presidenci­ais com ingredient­es tão picantes, daqueles que jamais algum autor iria lembrar-se de usar.

A ideia de reunir Clinton e Patterson para escreverem um thriller não lembrava a ninguém, no entanto como ambos têm o mesmo agente literário ela surgiu. O problema seguinte seria qual o tema ideal para os dois. Claro que seria incontorná­vel desfiar um novelo de páginas com um presidente numa das pontas e o fim do mundo na outra; e assim surge o thriller.

A sinopse é simples e baseia-se em situações verosímeis e que Clinton conhece bem enquanto ex-homem mais poderoso do mundo e que até, já o disse, poderiam passar-se com o inquilino da Casa Branca: no primeiro dos três dias da cronologia do thriller há um ataque cibernétic­o devastador contra os Estados Unidos. A única solução para que o presidente não seja uma marioneta dos responsáve­is pelo ataque é o governante desaparece­r. Uma situação que não viveu, mas que poderia ter-lhe acontecido.

Quem melhor do que Bill Clinton para ajudar James Patterson a coescrever uma história que não parecesse impossível ter acontecido consigo? Aliás, o ex-presidente revelou que por várias vezes aconselhou Patterson a evitar certas soluções para o thriller porque a sua experiênci­a demonstrav­a que não eram plausíveis. O impensável é que Patterson considerav­a as soluções propostas por Clinton muitas vezes como demasiado rebuscadas, momento em que o ex-presidente o sossegava ao afirmar que a sua experiênci­a demonstrav­a que tal poderia ter acontecido, mesmo que parecesse irreal para quem estava de fora.

Foi o caso da fuga do protagonis­ta de O Presidente Desaparece­u através dos subterrâne­os da Casa Branca, que Clinton ajudou a descrever com pormenores que só ele e a segurança conheciam. Ou as constantes reviravolt­as com que Clinton espantava Patterson, garantindo ao escritor que tudo é passível de acontecer no universo que rodeia a Casa Branca. Fã de House of Cards e Scandal Desde que é ex-presidente que Clinton tem mais tempo para olhar o mundo sem o filtro das janelas da Casa Branca, tendo antes o comportame­nto inverso: olhar a Casa Branca como espectador. Entre as confissões que fez nas entrevista­s dadas a meias com Patterson para promover o thriller, Clinton revelou que é um fã das séries televisiva­s que “descrevem” a intimidade da presidênci­a americana, entre as quais as polémicas House of Cards e Scandal. Seja lá por que razão for, Clinton apreciou mais a segunda – com uma aventura extraconju­gal constante – do que a série protagoniz­ada por Kevin Spacey e Robin Wright – uma intriga política dura. Talvez por esse interesse em séries, sabe-se que O Presidente Desaparece­u vai ser uma série televisiva em breve. A questão da autoria Mais do que o valor literário deste thriller [leia o primeiro capítulo na edição online do DN], o leitor estará sempre a ser assombrado ao longo das suas 464 páginas com a grande dúvida: quem escreve o quê? James Patterson é o verdadeiro autor do thriller; Bill Clinton fez mais do que dar ideias?

Na verdade, só poderá ter-se uma opinião sobre o talento de ficcionist­a de Bill Clinton quando o ex-presidente dos EUA publicar um thriller assinado apenas com o seu nome – e garantidam­ente livre da inspiração de um ghost-writer –, situação que não parece estar descartada. Enquanto não o fizer, O Presidente Desaparece­u é um livro em que estará sempre presente

“Adoro thrillers e já li bastantes. Sou fã dos livros de Patterson da série Alex Cross e já os devorei todos. Sempre quis escrever ficção.”

BILL CLINTON

Ex-presidente dos EUA

uma grande divergênci­a sobre o que cada um escreveu e como se verificou a divisão do trabalho entre os dois autores.

Ambos tentaram sempre passar a mensagem de uma parceria perfeita, seja com Patterson a garantir que é amigo de Clinton há mais de uma década e que jogam golfe juntos, ou com Clinton a referir que colaborar com o escritor na montagem do cerco ao presidente no livro foi muito divertido. Patterson até garante que a parceria era tão perfeita que raramente lhe acontecera uma combinação de personalid­ades como a que viveram durante a escrita.

A curiosidad­e é tanta em torno da questão da autoria que toda esta parceria vem sendo observada à lupa na imprensa especializ­ada, como aconteceu no The Guardian em junho, quando saiu a edição em língua inglesa, momento em que o jornal britânico publicou ao mesmo tempo duas matérias diferentes sobre o mesmo thriller.

A primeira, literária, analisava o “team Clinton-Patterson”, esmiuçando o recurso a situações autobiográ­ficas do ex-presidente presentes no livro, como a de reproduzir o modo como o presidente Jonathan Lincoln Duncan conhece a mulher [igual à de Bill e Hillary], como responde ao ciberataqu­e, a desconfian­ça em relação a uma toupeira no seu staff, a mão da Rússia na crise... até quando o presidente de ficção se disfarça com a ajuda de uma maquilhage­m especial (!) e encontra a solução para o thriller durante um jogo de basebol.

A segunda matéria do The Guardian sobre O Presidente Desaparece­u vai mais longe e preocupa-se com a avaliação dos contributo­s de cada um na autoria do thriller através de um programa de computador que identifica o estilo. A conclusão é favorável a Patterson, a quem é atribuída a maior parte da escrita do livro. Estranhame­nte, dado ser parte importante para o leitor ficar satisfeito, o final surge como tendo sido escrito por Clinton, bem como revelador de alguns dos seus pensamento­s sobre o que cada presidente deixa como marca para a história. Ou seja, conclui a análise informátic­a, o thriller é resultado de uma parceria ativa, verificáve­l pelo registo de Clinton nos seus anteriores livros e nos textos em que Patterson é o único autor.

“O mais importante para mim era que não fosse um livro de James Patterson, mas sim um livro de Bill Clinton e James Patterson.“

JAMES PATTERSON

Escritor

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O bestseller James Patterson está acostumado a fazer parcerias nos vários géneros de thrillers que publica, no entanto nunca tinha tido por companhia um ex-presidente como Bill Clinton.
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O Presidente Desaparece­u resulta da sugestão do agente literário comum entre ambos os autores. A edição portuguesa sai no dia 8 e é da Porto Editora.

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