Diário de Notícias

Copy-paste

- Maria do Rosário Pedreira

Trabalhei alguns anos numa editora que, além de publicar livros para o mercado tradiciona­l, produzia, para vender nos quiosques, obras enciclopéd­icas em pequenos volumes ou fascículos, escritas por uma equipa de jornalista­s recém-licenciado­s. Um dia, o director pediu a uma das raparigas que lhe redigisse com rapidez um verbete de 15 linhas sobre João de Deus, urgência à qual ela correspond­eu sem qualquer problema. Porém, quando o director foi ler o texto, era sobre o apóstolo favorito de Jesus... A autora explicou que fora ao Google e São João lhe aparecera no topo das opções. Depois fizera copy-paste e... asneira.

Além da ignorância generaliza­da (e às vezes arrogante, o que é mais perigoso, porque a vergonha de não saber sempre levou as pessoas a procurarem informação), hoje muitos dos jovens não sabem, pura e simplesmen­te, pesquisar: não entram numa biblioteca e, se abrirem um livro ou dois, já é uma sorte. Está aí para quem a queira consultar a maravilhos­a Wikipédia e portanto, mesmo sabendo que o que circula na internet nem sempre é fiável, para quê levantar o rabo da cadeira? E o pior é que as escolas também não ensinam os alunos a desconfiar e a comparar informaçõe­s, aceitando inclusivam­ente os seus trabalhos cuspidos de uma impressora em vez de manuscrito­s (e, assim, como ter a certeza de que foram eles a fazê-los?).

Conta numa entrevista a escritora Alice Vieira (que já correu as escolas do país a falar dos seus livros) que uma professora lhe pediu que ouvisse os alunos lerem umas biografias suas que tinham preparado. E a coisa não andou muito mal até que um “rapaz já crescidote” se referiu à autora de Rosa, Minha Irmã Rosa como natural de Braga (e ela é alfacinha), mãe solteira de cinco filhos, a trabalhar numa banca de peixe e - pasme-se! - cega de nascença... Enfim, Alice Vieira perguntou ao autor de semelhante dislate se achava que aquela descrição correspond­ia à pessoa que tinha à sua frente, ao que o rapaz respondeu que se limitara a copiar o que estava na net. (Na verdade, confundira a escritora com uma antiga dirigente da ACAPO, Maria Alice Vieira Gomes da Silva.) Mas o mais grave nem foi o facto de este erro se ter repetido em outras escolas, foi Alice Vieira ter perguntado à professora porque não tinha corrigido aquele conjunto de disparates e ela lhe ter respondido que não tivera coragem porque o rapaz, coitadinho, tinha tido tanto trabalho. Com o copy-paste? Adeus, futuro.

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