Diário de Notícias

O seguidor de auroras boreais

- Depoimento recolhido por Lina Santos

O jornalista do JN Cristiano Pereira passou 45 dias no Alasca para realizar um documentár­io sobre auroras boreais. O seu filme Sarapanta, que assina como Cristiano Saturno, estará a 10 de novembro no Cinema São Jorge, em Lisboa, e a 27 no Planetário do Porto.

Sarapanta significa aquilo que causa espanto, assombro ou pasmo. A aurora boreal deixa-nos mesmo assim: assarapant­ados. Os antigos pescadores dos bacalhoeir­os portuguese­s que costumavam ir para os mares da Terra Nova ou da Gronelândi­a chamavam sarapanta à aurora boreal.

Nós olhamos demasiado para ecrãs e passamos os nossos dias a deslizar os dedos em touch screens. A contemplaç­ão passa-nos ao lado. Estamos raptados pela tecnologia. É urgente fugir de tudo isso e recuperar a capacidade de deslumbram­ento. Foi por isso que fui para o Alasca caçar aurora boreais e tentar fazer um filme sobre essas luzes nos céus do Norte.

Ver uma aurora boreal é uma experiênci­a desconcert­ante. Sobretudo se for uma aurora muito dinâmica e brilhante. Para um português, é algo novo. Nós crescemos e vivemos a apreciar o pôr do Sol, o arco-íris, as nuvens, os relâmpagos, a Lua, as estrelas, os eclipses, enfim, todas essas maravilhas que acontecem no céu. Mas tudo isso nos é familiar.

A aurora boreal é-nos mais estranha, enigmática, inatingíve­l. Acontece longe de nós, lá muito para o norte, e não é fácil vê-la por várias razões: só surge de vez em quando e para vê-la precisamos de céu limpo e de distância da poluição luminosa das cidades. É imprevisív­el. Precisamos de sorte e de esperar durante horas no meio da escuridão e de um frio tremendo. Mas quando acontece e estamos lá para ver, ficamos de boca aberta: vemos cores a dançar no céu, por vezes em enormes dimensões. Testemunha­mos algo grandioso, e que é real, criado pela natureza, a acontecer ali por cima de nós durante breves minutos.

O que me deslumbra não é só o facto de ser algo belo a acontecer no céu. É, também, a sensação de assistir a isso sozinho, longe da cidade e de toda a gente. Foi por isso que decidi fazer o documentár­io: para tentar partilhar com os outros aquilo que os meus olhos viram no Alasca. É claro que a câmara só consegue captar uma parte do que acontece no céu.

Aquilo é tão grandioso que nos deixa a meditar sobre o rumo que damos à vida e sobre a nossa dimensão. Sobre isto de sermos uma mera migalha no meio de um colossal espetáculo cósmico acima de nós. Sobre isto de olharmos demasiado para ecrãs e esquecermo-nos de olhar para o céu e saborear o vento frio na cara.

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