Mudar regras na AR? Partidos divididos
O caso do deputado do PSD José Silvano voltou a colocar o foco sobre as práticas dos deputados e a imagem que transmitem à sociedade. Há quem defenda mudanças para evitar tempestades na democracia.
Éuma verdadeira password para populismos: perante o caso de José Silvano, o presidente da Assembleia da República, o líder parlamentar do PSD e deputados de várias bancadas são unânimes em notar que um caso como este é lesivo da imagem do Parlamento e, no limite, da democracia. E há quem se diga disponível para encontrar soluções que evitem que se repitam novos episódios. Sem mexer nas regras, para o PS trata-se de uma questão administrativa, enquanto o BE confirma ao DN que está a analisar a matéria.
Pedro Delgado Alves, deputado socialista, que também integra a Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, nota que esta “matéria das faltas não foi incluída nos trabalhos” desta comissão parlamentar. Mas sublinha que o contexto atual tem que ver com “o processo de registo” de presenças em plenário, o que enquadra numa “questão mais administrativa do que de revisão da lei”. O vice-presidente do Parlamento e deputado do PS que se dedica a estas matérias, Jorge Lacão, adverte mesmo: “Não há leis, por mais aperfeiçoadas que sejam, que impeçam comportamentos desviantes.”
Em resposta oficial, o BE apontou ao DN que “já existem regras que tornam obrigatória a utilização pessoal e intransmissível dos dados que permitem a cada deputado certificar a sua presença nas reuniões plenárias e de comissões”. Mas, segundo o grupo parlamentar, “face às circunstâncias que são conhecidas estamos a analisar esta matéria”.
Na linha do que defendeu o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, em declarações ao Expresso – de que é preciso “banir procedimentos lesivos da credibilidade de qualquer deputado, dos grupos parlamentares e, consequentemente, da democracia representativa” –, também o PCP, pela voz do deputado António Filipe, fez questão de sublinhar que esta não é uma questão de mexer nas leis. “Quando os deputados fazem as leis, estas são para cumprir”, defende ao DN. “Se um deputado não está, tem falta, e justifica. Se alguém decide defraudar o sistema, isso aí já é outra questão”, apontou. No entendimento do deputado comunista, no limite até pode haver “relevância criminal” por “usurpação de identidade” ou “falsas declarações”, mas isso, indicou, “é matéria para o Ministério Público”. Sobre a queixa de Emília Cerqueira – quanto ao facto de a password ser a mesma para a área de trabalho e o registo de presenças –, António Filipe ironiza: “Quem dá uma, dá a outra.” “O atual sistema é seguro”, enfatiza.
Os Verdes, através de fonte oficial, afirmam que “o problema não está no regimento. Coloca-se relativamente a cada um dos deputados, que deve assumir responsabilidades.” PSD e CDS mantêm silêncio.
Se oficialmente há hesitações sobre o que é preciso para mudar práticas no Parlamento, há um deputado que se bate para que “o sistema seja sujeito a uma reavaliação”. O socialista José Magalhães, que tem sido uma espécie de D. Quixote contra a falta de transparência nas remunerações dos políticos, defende que a Assembleia não se pode demitir de corrigir “a forma defeituosa” como é feita a conjugação entre o trabalho parlamentar e o trabalho partidário dos deputados. “É nas suas mãos que está a resolução dos fenómenos patológicos na política. Os deputados devem ser os médicos da patologia e não protagonistas dela”, diz, em alusão ao caso do deputado do PSD e à marcação indevida de presenças em plenário.
José Magalhães, que regressou há pouco tempo à bancada socialista, admite que “a legislação não substitui a ética”, problema que,
na sua opinião, só será resolúvel através de um controlo mais apertado por parte dos partidos dos protagonistas políticos. Frisa no entanto que a tecnologia não ajuda a melhorar comportamentos em São Bento. “Qual é a vantagem do atual sistema? É nenhuma!” E explica: “Introduz-se a password, o computador fica aberto e acaba bloqueado, sai-se da sala e... basta ver muitas das sessões da Assembleia para perceber isso.” “Silvanismo é favorável ao populismo” Já que as comissões não podem funcionar ao mesmo tempo que o plenário, o antigo secretário de Estado da Justiça só encontra uma razão válida para uma ausência de um deputado depois de registado. “Se estiver a receber pessoas no Parlamento.” De resto, afirma, a bancada no plenário “é um escritório, onde se pode fazer tudo o que é preciso para o trabalho parlamentar. Temos telefone fixo e podemos falar para qualquer parte do mundo”. E o trabalho partidário não é válido para uma ausência, como alegou José Silvano? José Magalhães tem resposta rápida: “É! Mas o trabalho no exterior tem direito a falta justificada, o que não dá é ajudas de custo...”
Ao contrário do que defende o presidente da Assembleia da República, José Magalhães entende que tem de ser o Parlamento a resolver estas más práticas, que atingem as várias bancadas, e se não o fizer “vai por mau caminho, mostra incapacidade de autorregulação” e adensa “a muito má imagem” que os portugueses têm dos políticos. “Isto abre caminho aos que querem soluções populistas. É preciso uma solução, porque ou arrumamos a casa ou o que vem por aí será um vendaval.” E no seu jeito provocatório resume o que quer dizer: “O silvanismo é favorável ao populismo.”
O politólogo António Costa Pinto partilha da visão de que é preciso o Parlamento ter resposta para este tipo de episódios que “reforçam o sentimento antipolíticos e antipartidos”. Indo ao caso concreto de José Silvano, o facto de a Procuradoria-Geral da República ter admitido estar a analisar o que foi noticiado pela comunicação social – e que a PGR confirmou neste sábado ao DN prosseguir os trabalhos de análise do caso – e o próprio deputado ter apelado à abertura de um inquérito para apurar quem utilizou a sua password para o registar (antes de a deputada Emília Cerqueira ter admitido ser ela a usar o login do colega de bancada) ajuda a reforçar esse sentimento antissistema político partidário. “Esta judicialização da política mostra a incapacidade de o sistema responder os seus próprios problemas.”
O que, na opinião de António Costa Pinto, “abre espaço para dinâmicas de moralização fora da classe política e a que tenham uma maior capacidade de mobilização da opinião pública”. O professor lembra aos que afastam a possibilidade de surgimento em Portugal de fenómenos populistas que o atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, foi durante muitos anos “um membro discreto da classe política brasileira...”
Carlos Jalali, também politólogo, defende que os partidos devem aproveitar este momento, em que os fenómenos populistas ainda não eclodiram no país, para reforçar os seus mecanismos de controlo ético internos. “Quando aparecerem, será tarde de mais”, diz, e reforça que não há fronteiras que contenham estes fenómenos de aproveitamento da desconfiança dos cidadãos em relação aos partidos e aos políticos.
“Isto abre caminho às soluções populistas. É preciso uma solução, porque ou arrumamos a casa ou o que vem por aí será um vendaval”, diz José Magalhães.