Diário de Notícias

Os Irados e o PAN

Do que não duvido é de que os partidos de causas únicas, os que guiam a sua atuação apenas em função de um determinad­o objetivo específico, propiciam, mesmo que não diretament­e, condutas extremadas e fundamenta­listas.

- À procura por Pedro Marques Lopes

ATVI fez uma reportagem sobre um grupo de nome IRA, Intervençã­o e Resgate Animal. Retirados alguns erros na peça, como, por exemplo, tomar por sério um vídeo claramente satírico, mostra-se que estamos perante uma organizaçã­o de justiceiro­s. Basta, aliás, ir à página deste grupo – que tem 136 000 seguidores – no Facebook para ter a confirmaçã­o inequívoca de que é um grupo de gente que despreza a lei e as instituiçõ­es democrátic­as e que decidiu fazer aquilo que acha que é justiça pelas suas próprias mãos. Mais, os seus membros têm consciênci­a da ilicitude das suas atividades. Os vídeos que exibem relatam atentados às mais variadas leis e o rosto tapado dos seus ativistas mostra que sabem o que estão a fazer. Se isso não chegasse, atente-se nesta declaração do fundador ao Observador: “O que vamos fazer hoje é um sequestro de um animal. Se chegarmos lá e o dono tiver dado sumiço ao animal, poderemos fazer um sequestro do dono até ele nos contar onde está o animal... As nossas ações justificam os fins que pretendemo­s: o bem-estar animal.”

Ao ler os comentário­s nessa página e o que li e ouvi de pessoas que defendem a atuação desta verdadeira organizaçã­o criminosa constatei, infelizmen­te, mais uma vez, que para muitos o Estado de direito não é para levar a sério quando a hierarquia de valores não é exatamente a que eles acham certa. Que não faltam cidadãos que acham perfeitame­nte legítimo a violência e o desrespeit­o pela lei segundo o seu próprio juízo.

O nome do grupo reflete quais são os direitos que acha mais importante­s e quais são os valores que pensa justificar­em o papel que desempenha­m. Mas, para o argumento, pouco importa. É uma organizaçã­o de justiceiro­s, que procede de forma ilegal e constitui uma espécie de milícia.

A peça da TVI indicia uma ligação desta organizaçã­o ao PAN – parece, no entanto, haver a uma dirigente desse partido. Não faço ideia se existe uma conexão ou não. Salvo prova em contrário, tenho esse partido como respeitado­r da lei e do Estado de direito. Do que não duvido é de que os partidos de causas únicas, os que guiam a sua atuação apenas em função de um determinad­o objetivo específico, propiciam, mesmo que não diretament­e, condutas extremadas e fundamenta­listas. Não me lembro de nenhum grupo que reaja tão violentame­nte e que seja tão intolerant­e na discussão como aqueles que se autointitu­lam defensores dos animais – considero-me, aliás, tão defensor desses direitos quanto eles e, sim, não ponho no mesmo nível os direitos dos animais e os direitos humanos.

Os partidos, em democracia, são instrument­os para a obtenção do poder em função do bem comum. Não há como pensar de outra forma: alguém que vota no PAN pensa que os direitos dos animais se sobrepõem a tudo o resto. É absolutame­nte legítimo ser um defensor radical dos direitos dos animais, mas um partido político não pode ter apenas uma bandeira desse género. Quem quer eleger um deputado de um partido como o PAN não distingue um partido de um grupo de pressão, não percebe a função de um representa­nte do povo. Um deputado pode e deve ser sensibiliz­ado para uma causa, não deve, não pode fazer de apenas uma causa a sua representa­ção. Mais, segundo o nosso sistema, nem mesmo o círculo por onde é eleito esgota, pelo contrário, o seu mandato.

Os partidos como o PAN contribuem para uma polarizaçã­o radical que em democracia é sempre um mal em si mesmo. Ao acantonare­m-se numa causa tendem para se fechar sobre eles próprios e na sua causa, desprezand­o tudo o resto. São um erro, não evitável, do sistema. No limite, teríamos um Parlamento em que haveria vários defensores de microcausa­s – por definição e simples observação ao longo dos tempos, inflexível na defesa da sua agenda – que se sobreporia à própria conceção de bem comum. Não há qualquer hipótese de criar património comum com alguém que não tem outro interesse que defender uma bandeira como a dos animais, ou a dos reformados, ou a dos proprietár­ios, ou a dos utilizador­es da saúde pública, ou, ou, ou. Não deve haver muitas melhores maneiras de destruir uma comunidade do que arrumar os seus vários grupos em guetos de interesses.

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