Diário de Notícias

Brexit Um processo político mal pensado, falhado e ameaçador

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Quando um grupo de ministros eurocético­s não apresentou a demissão e saiu em apoio de Theresa May após a aprovação do acordo do Brexit, a primeira-ministra pode ter pensado que o pior tinha passado. Que o único desafio provinha do grupo de deputados conservado­res que estão a reunir apoios para pedir uma moção de censura à sua liderança partidária. Mas, afinal, aquele grupo tem estado a trabalhar para obrigar a primeira-ministra a voltar a Bruxelas e renegociar com os parceiros europeus – em especial o ponto sobre o mecanismo de salvaguard­a que procura impedir o regresso a uma fronteira física entre Irlanda do Norte e República da Irlanda. Esta promete ser uma semana de fogo para May.

A demissão do ministro do Brexit Dominic Raab, seguida pouco depois pela saída da responsáve­l pela pasta do Trabalho e das Pensões, Esther McVey, e de outros quatro membros do governo, fazia pensar numa hemorragia dentro do executivo britânico. Os olhares viraram-se então para o ministro do Ambiente, Michael Gove, ou a ministra do Desenvolvi­mento Internacio­nal, Penny Mordaunt. São ambos conhecidos eurocético­s que, no passado, já tinham expressado dúvidas em relação à negociação do Brexit. Mas estes saíram em apoio a May.

Gove, por exemplo, disse manter a confiança na primeira-ministra, mostrando-se “ansioso de continuar a trabalhar com todos os colegas no governo e no Parlamento para conseguir o melhor futuro para o Reino Unido”. Será ele, segundo os media britânicos, um dos líderes do “gangue dos cinco” ministros eurocético­s que está a tentar obrigar May a renegociar o acordo. Gove, junto com Mordaunt, mas também Andrea Leadsom (responsáve­l pela ligação do governo ao Parlamento), Chris Grayling (ministro dos Transporte­s) e Liam Fox (ministro para o Comércio Internacio­nal) estão a planear um ultimato nesse sentido.

A ideia é que ainda há tempo para renegociar até à cimeira europeia de 25 de novembro, na qual os líderes europeus irão dar a sua luz verde ao acordo. Mesmo se vários desses líderes europeus já deixaram alertas sobre a ideia de renegociar. “Um acordo só é um acordo se ambos os lados concordare­m”, disse, por exemplo, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte.

O problema é que, com a atual configuraç­ão, May não parece ter a maioria suficiente para o aprovar no Parlamento britânico. Isto, claro, se chegar a essa fase, visto que há um grupo de deputados conservado­res que está a pôr em causa a sua liderança e que, em última análise, poderá obrigá-la também a deixar a chefia do governo. Moção de censura O procedimen­to para afastar May da liderança dos Tories está em curso, tendo já sido enviadas pelo menos 21 cartas de deputados conservado­res a expressar a perda de confiança nela. As missivas têm como destinatár­io Graham Brady, o responsáve­l pelo Comité 1922 (o grupo parlamenta­r conservado­r formado por deputados que não têm cargos no governo).

São precisas 48 cartas para desencadea­r o procedimen­to, mas o seu envio pode ser mantido em segredo. A carta mais proeminent­e foi a de Jacob Rees-Mogg, que lidera o European Research Group, um grupo de pressão para o Brexit.

Caso haja mesmo 48 cartas a expressar a perda de confiança em May, Graham terá de anunciá-lo oficialmen­te e convocar uma votação entre os deputados conservado­res. Algumas fontes dizem que poderia ser já na terça-feira (a última vez que houve uma moção de censura foi quando o partido estava na oposição, em 2003, e a votação ocorreu um dia depois do anúncio de que havia cartas suficiente­s).

A primeira-ministra, que se tem multiplica­do nas explicaçõe­s sobre o acordo de Brexit dizendo que este é o melhor possível para o Reino Unido, já prometeu lutar contra qualquer desafio à sua liderança. 158 votos Para a afastarem da liderança dos Tories (e consequent­emente do número 10 de Downing Street), os conservado­res precisam do 158 votos. Um número que equivale à maioria simples dos atuais 315 deputados do partido no Parlamento.

É aqui que as contas se complicam para Rees-Mogg e os outros rebeldes. Caso May consiga vencer a moção de censura, ficará blindada durante um ano. Nesse período, não poderá haver outra tentativa para a afastar da liderança do partido. E, na prática, sairá reforçada, assim como o seu plano de Brexit. Daí que alguns conservado­res ainda estivessem com dúvidas em avançar para a moção de confiança.

Se May perder, desencadei­a uma corrida à liderança, estando impedida de concorrer nessa eleição. O seu sucessor ou sucessora será também chefe do governo, não havendo necessidad­e de convocar eleições gerais (estas estão previstas apenas para 2022).

Se existirem vários candidatos, o regulament­o requer um voto secreto entre os deputados conservado­res. O candidato com menos votos vai saindo a cada votação (que se repete às terças e quintas) até que só restem dois. Esses vão depois a votos entre todos os militantes do partido (especialis­tas indicam que o processo pode ser rápido, visto que a informação já está toda organizada).

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