Diário de Notícias

Lamentar Borba

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Borba não é só a história de uma derrocada. É uma história de um negócio perigoso que se faz à custa de pessoas e do ambiente.

Bárbara, com Robin pela mão, diz-lhe esperámos por ti. George, acabado de chegar num avião da Segunda Guerra, segura a outra mão de Robin, os três nas nuvens. É assim o cartoon do USA Today, de Marshall Ramsey, que assinala a chegada ao céu de George H. W. Bush, onde reencontra a sua mulher Bárbara e a filha Robin. Robin, a segunda filha do casal, o mais velho é George W., tinha quase 4 anos quando morreu, de leucemia. Já antes o jornal tinha assinalado com a mesma ideia a morte de Bárbara Bush, ela a chegar ao céu e a pequena Robin, com asas de anjo, a correr para ela.

A primeira campanha eleitoral a que prestei atenção foi a de Clinton contra Bush em 1992. A primeira lá fora, porque cá foram todas. Na campanha de 1992 – é pelo menos a narrativa oficial – Bush não percebeu que a queda da Cortina de Ferro, o fim da Guerra Fria, da ameaça nuclear, por mais importante­s que fossem para o mundo, por mais orgulhoso que se sentisse pelo seu trabalho (chegou a presidente em 1989, mas tinha oito anos de vice-presidente de Reagan na bagagem), por mais importante que tudo isso fosse, não era isso que importava aos americanos que atravessav­am uma enorme crise económica e não sentiam no bolso e na mesa as parangonas da paz mundial, ou da não guerra, nem a alegria das imagens das famílias de Leste com supermerca­dos cheios pela primeira vez – e se para nós o Leste é o Leste, para quem está desemprega­do no Ohio é cinco mil quilómetro­s mais a leste. Era a economia, e o estúpido era Bush.

Bush, um homem bom, morreu a 30 de novembro e dia 1 de dezembro é o dia mundial do combate à sida. Nessa campanha falava-se de sida, no primeiro debate Bush deu o exemplo de Bárbara que pega em crianças seropositi­vas ao colo, e Clinton na intervençã­o final refere a mãe anónima do Iowa que adotou um bebé seropositi­vo e que lhe pede para resolver os problemas das adoções. Durante a campanha, Magic Johnson demite-se da National Commision on AIDS, para a qual tinha sido nomeado um ano antes por Bush, acusando Bush de inação. No debate, a 11 de outubro, Bush voltou a dizer que a sida é uma das poucas doenças em que o comportame­nto conta, e que as pessoas podiam mudar o seu comportame­nto. O problema é que nessa altura já ninguém queria ouvir isso, até porque os comportame­ntos já tinham mudado e o que era preciso era lidar com os infetados e os doentes. Estaria Bush a pensar noutro tipo de doenças, como a que matou Robin?

Essas declaraçõe­s irritaram a comunidade gay, que a 2 de novembro, na véspera da eleição, levou o caixão aberto de Mark Fischer, de 38 anos, até à sede de campanha republican­a fazendo um chamado enterro político. O elogio fúnebre coube a Bob Rafsky, que em março tinha interrompi­do Clinton numa ação de campanha, perguntand­o-lhe o que ia fazer para lidar com o problema. Insultaram-se. Rafsky acusou Clinton de estar a morrer de ambição. Clinton irritou-se, disse-lhe que percebe a mágoa dele, mas que não é magoando outros que a mágoa passa.

Em 1992, o VIH tinha passado a ser nos EUA a principal causa de morte dos homens entre os 25 e os 44 anos. Uma doença de pais que perdiam os filhos e de filhos que perdiam os pais, todos novos demais, se é que há idade para isso. Em vinte e cinco anos muito mudou, para muito melhor deste lado do mundo, ainda muito por fazer a sul, mas tudo mudou.

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