Diário de Notícias

O futuro de CR7

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Ronaldo soma e segue? Ou ficará afetado pelos escândalos? Um jogador maduro perante novos desafios.

Mickey Mouse, o rato Mickey criado por Walt Disney, está fazendo 90 anos – seu primeiro filme, Steamboat Willie, foi lançado em fins de 1928. Não sei quanto à imprensa portuguesa, mas a brasileira, por causa disso, está tendo espasmos de excitação e publicando páginas e mais páginas a respeito do personagem. Peço vênia para discordar. Tal afobação seria mais justificáv­el numa data redonda – 50, 100 ou 150 anos. Mas, reles 90? E, já que é o caso, coisas muito mais importante­s acontecera­m em 1928 e também estão fazendo 90 anos, e não mereceram esse oba-oba dos nossos jornais.

Falando em nascimento­s, por exemplo. Em 1928 nasceram o cineasta Stanley Kubrick, autor de 2001: Uma Odisseia no Espaço, Dr. Fantástico e Glória Feita de Sangue; o artista plástico Andy Warhol, que pintava latas de sopa e foi o primeiro a dizer que, no futuro, ninguém seria famoso por mais de 15 minutos; e o teatrólogo Edward Albee, autor da peça Quem Tem Medo de Virginia Woolf, todos americanos; Karlheinz Stockhause­n, o James Joyce da música moderna, só que complicado; o escritor romeno Elie Wiesel, primeiro a chamar de holocausto os crimes do nazismo; o compositor, poeta e homme à femmes Serge Gainsbourg, que namorou Brigitte Bardot, Jane Birkin e Catherine Deneuve; e o pioneiro da bossa-nova, Ronaldo Bôscoli, autor das letras de O Barquinho, Rio e Canção Que Morre no Ar.

Em 1928, saíram os romances O Amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence, e Ponto e Contrapont­o, de Aldous Huxley, ambos ingleses, e Macunaíma, de Mario de Andrade. Foi também o ano do Bolero, de Ravel; de A Ópera dos Três Vinténs, de Kurt Weill e Bertolt Brecht, de que saiu a canção Mack the Knife; e da, talvez, última opereta de estilo vienense, Lua Nova, de Sigmund Romberg e Oscar Hammerstei­n, de que saiu Lover, Come Back to Me. Foi também um grande ano para o próprio cinema, cheio de filmes que nos faziam madrugar nos cineclubes e a que hoje podemos assistir de pantufas e sem sair de casa: A Paixão de Joana d’Arc, de Carl Theodor Dreyer, A Turba, de King Vidor; O Circo, de Charles Chaplin; Outubro, de Eisenstein; O Homem das Novidades, de Buster Keaton; e Mulher de Brio, de Clarence Brown, com Greta Garbo.

Para a música popular brasileira, 1928 foi espetacula­r. Nele, Ismael Silva e seus amigos do bairro do Estácio, no Rio, fundaram a primeira escola de samba a desfilar pelas ruas, a Deixa Falar. O seminal compositor Sinhô lançou um samba que marcaria época, Jura, e revelaria um revolucion­ário cantor, Mario Reis. E Pixinguinh­a fez a primeira gravação, ainda somente instrument­al, de seu choro Carinhoso, que ele já tinha desde 1917 – e Carinhoso, que depois se tornaria um segundo Hino Nacional do Brasil, foi acusado na época de ser influencia­do pelo jazz.

Passando da área artística para a dura realidade da vida, foi o ano em que Óscar Carmona foi eleito Presidente da República Portuguesa e convidou Oliveira Salazar para ser seu ministro das Finanças. Ele aceitou. Em compensaçã­o, Alexander Fleming inventou a penicilina e Geórgios Papanicola­u criou o exame que permite detectar prematuram­ente um tumor na vagina ou no colo do útero – e, com isso, eles salvaram milhões de vidas. E o presidente brasileiro Washington Luiz, com toda a sua pompa e soberba, levou um tiro no Copacabana Palace de sua amante secreta – alguns a identifica­ram como a marquesa italiana Elvira Vishi Maurich, mulher da alta sociedade de São Paulo e casada. Os empregados do hotel correram a encobrir o incidente, transforma­ndo-o num inocente ataque de apendicite. Washington Luiz foi operado e se recuperou – rezou-se até uma missa de graças na Igreja da Candelária. Mas de nada adiantou. Dois anos depois, ele seria deposto. Por outros motivos, naturalmen­te.

E por aí vai. Tanta coisa importante aconteceu em 1928, e a nossa imprensa ocupa espaço com um rato que, se você pesquisar direito, não faz um filme de verdade desde 1956 e, desde então, tem como principal ocupação desfilar pelas ruas de seus reinos na Califórnia e na Florida, a puxar as orelhas dos miúdos que ele considera mal-educados.

Sim, isso vive acontecend­o. Com frequência, Mickey – ou alguém dentro da fantasia – tem de se explicar na delegacia local por tratar mal os pequenos visitantes da Disney World. A qual foi definida certa vez, pelo teatrólogo George S. Kaufman, como “a maior ratoeira humana já construída por um rato”.

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