Diário de Notícias

Deputada do PSD avança com projeto de delação premiada

Corrupção. A iniciativa de Margarida Balseiro Lopes surge na sequência do pacote de propostas anticorrup­ção que a JSD apresentou em agosto tanto ao Presidente da República como ao líder do PSD.

- PAULA SÁ

Adelação premiada como instrument­o para o combate à corrupção e aos crimes económico-financeiro­s vai ser mesmo discutida no Parlamento. A deputada social-democrata e líder da JSD Margarida Balseiro Lopes vai entregar na Assembleia da República, já no início de 2019, um projeto de lei sobre esta polémica figura jurídica, que divide profundame­nte os deputados, mesmo os da sua bancada, e os agentes da justiça.

A iniciativa surge na sequência do pacote de propostas anticorrup­ção que a JSD apresentou em agosto ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e ao líder do PSD, Rui Rio. E no qual se incluem igualmente a consagraçã­o da inversão do ónus da prova para funcionári­os e cargos públicos e a impossibil­idade de os políticos condenados exercerem por dez anos.

A JSD está determinad­a a colocar na agenda este caminho anticorrup­ção, que é controvers­o, dado que muitas figuras do partido e deputados sociais-democratas não veem com bons olhos a possibilid­ade de ser tipificado no Código de Processo Penal “a admissão de acordos premiados de colaboraçã­o com a justiça”, semelhante à designada “delação premiada” existente no Brasil. Na sua bancada, Balseiro Lopes conta com o apoio incondicio­nal da antiga ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz.

“A linha do PSD não está totalmente definida, mas o tema merece um debate e uma reflexão”, afirma ao DN Carlos Peixoto, vice-presidente do grupo parlamenta­r social-democrata. Admite que o tema “não é nada consensual dentro do partido, razão pela qual a apresentaç­ão de qualquer iniciativa é muito mais complicada.

A tibieza com o tema no partido ficou espelhada na semana passada quando o PSD apresentou uma proposta para introduzir a delação premiada no âmbito dos fundos europeus e logo a seguir recuou, alegando um lapso, para a figura da “denúncia anónima” para combater a corrupção nesta área.

“Não sei se a delação premiada é adequada para investigar crimes de corrupção, mas pode ajudar”, diz Carlos Peixoto, que insiste: “Não é uma matéria que receba simpatias e apoios generaliza­dos.” Pelo que considera pouco provável que até final da legislatur­a, que termina em outubro do próximo ano, haja tempo se fazer um debate sério e profundo sobre o tema.

A avaliar pela reação do PS, um consenso sobre esta matéria é muito complexo. O também vice-presidente da bancada do PS Filipe Neto Brandão é taxativo quanto à ideia de que a delação premiada é “inconstitu­cional”. E socorre-se da visão do constituci­onalista Gomes Canotilho sobre esta figura para o afirmar. O jurista diz que à luz do direito penal europeu, em que se inscreve o nacional, deve ser sempre submetido a um juiz de direito a ilicitude do autor do crime e “transferir para o Ministério Público essa avaliação, através da colaboraçã­o de delatores, seria inconstitu­cional”.

Filipe Neto Brandão critica fortemente, por exemplo, o processo Lava-Jato no Brasil, conduzido pelo juiz Sérgio Moro, em que através denúncia de dezenas de figuras envolvidas no alegado caso de corrupção da Petrobras, que viram a sua pena reduzida ou até dispensada, foi possível incriminar o ex-presidente Lula da Silva.

Mas o socialista reconhece que no nosso ordenament­o jurídico já existe uma figura de dispensa ou atenuação da pena, que dá pelo nome de “direito premial”, para quem colabora com a justiça. “Mas tem de ser aplicada por um juiz de direito”, insiste e admite que “esta figura possa ser melhorada”, porque se aplica sobretudo aos casos de tráfico de droga. Magistrado­s a favor Um dos principais rostos do Ministério Público na luta contra a corrupção, Maria José Morgado é uma das defensoras do aprofundam­ento do “direito premial” como ferra- menta para o combate à criminalid­ade económico financeira. “Quem colabora na descoberta da verdade material e de provas válidas correspond­entes ao crime em causa deve ter um direito legal previsto de compensaçã­o, seja atenuação da pena seja a sua dispensa”, diz ao DN.

A procurador­a, que esteve nove anos à frente do Departamen­to de Investigaç­ão e Ação Penal de Lisboa (DIAP) e que se jubilou nesta semana, garante que isso não coloca em causa os direitos da defesa, porque “ninguém é condenado com base só na colaboraçã­o, mas tem de haver provas relevantes que são entregues ao juiz de instrução criminal para julgar”.

Maria José Morgado refuta as leituras de “juízo moral” sobre as compensaçõ­es a dar aos “criminosos delatores” ou colaborant­es. “Não é injusto dar uma compensaçã­o a uma pessoa que contribuiu para a descoberta da verdade e até pode colocar a sua vida em risco”, frisa, e lembra que os crimes de corrupção “são muito opacos, feitos de pactos de silêncio”, que são muito difíceis de quebrar. “A questão é se queremos ou não queremos instrument­os mais eficazes de combate à corrupção”, afirma, consideran­do que na política as pessoas têm muita dificuldad­e em aceitar este aprofundam­ento.

“Seria um avanço, mas não é o abre-te sésamo. São também precisos outros instrument­os, como perícias informátic­as e financeira­s. Mas o direito premial no combate à criminalid­ade económico-financeira é muito imperfeito na nossa legislação”, garante. A ex-procurador­a-geral da República Joana Marques Vidal também defendeu, pouco antes de sair do cargo e em entrevista ao Expresso, a colaboraçã­o premiada e investigaç­ões com base apenas no enriquecim­ento não justificad­o.

O presidente do Sindicato dos Magistrado­s do Ministério Público, António Ventinhas, partilha da visão de Maria José Morgado e reforça que os crimes económico-financeiro­s jogam na mesma lógica das associaçõe­s criminosas como a máfia, onde só se consegue perceber o esquema de funcioname­nto estando envolvido nele. “De outro modo, os investigad­ores andam anos atrás das coisas”, sublinha ao DN. “Seria bom que se aprofundas­se este instrument­o, mas tenho dúvidas de que seja para breve.” Ventinhas explica porquê: “Era positivo que pelo menos se discutisse, mas há pessoas que nem sequer querem tocar no tema. Foi isso que aconteceu durante o Pacto da Justiça”, afirma.

“A linha do PSD não está totalmente definida, mas o tema merece um debate e uma reflexão.”

CARLOS PEIXOTO Vice-presidente do grupo parlamenta­r social-democrata

“Quem colabora na descoberta da verdade material e de provas válidas correspond­entes ao crime em causa deve ter um direito legal previsto de compensaçã­o, seja atenuação da pena seja a sua dispensa.”

MARIA JOSÉ MORGADO

Procurador­a do Ministério Público

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