Diário de Notícias

Polícia e clubes conhecem ligações a crimes, nem todos desportivo­s

- VALENTINA MARCELINO

Um relatório da PSP mostra a evolução perigosa das claques de futebol nos cinco maiores clubes, com grupos radicais instalados em todos eles. Há mais de 1600 elementos identifica­dos por crimes, dos quais quase mil por roubo, tráfico de droga e agressões graves. Só 21 estão proibidos de ir aos jogos.

Não há maneira diferente de um agente do Corpo de Intervençã­o se preparar para as claques num jogo de futebol de alto risco. Saem para rua com capacetes, escudos, bastões, shotguns e coletes à prova de bala, preparados para o pior. E o pior, neste caso, é mesmo algo para que estão preparados. A polícia, principalm­ente os spotters, conhece bem a ameaça, no caso das claques: tem o “retrato” de todos os membros – registados oficialmen­te ou não – e joga com eles uma espécie de jogo de gato e rato há muitos anos. Demasiados anos. “Cada vez que vou para um jogo de risco, sei que vai acontecer alguma coisa. Acontece sempre. Tentamos controlar tudo, mas eles são muitos e tentam sempre camuflar as ações criminosas”, confidenci­a ao DN um destes spotters, os peritos da PSP em segurança no futebol.

Entre a contemplaç­ão das direções dos clubes e uma demorada reação dos sucessivos governos – que tardam em aprovar medidas eficazes – os designados Grupos Organizado­s de Adeptos (GOA), as vulgares claques, têm crescido em violência e atraído cada vez mais pessoas que a polícia tem indiciadas por crimes como roubos, tráfico de droga e agressões graves. Uma avaliação da PSP, a que o DN teve acesso, que analisa as últimas cinco épocas desportiva­s, revela números esmagadore­s: as claques dos cinco clubes associados ao maior número de incidentes – Benfica, Porto, Sporting, Vitória de Guimarães e Sporting de Braga – têm mais de 18 mil membros, segundo a estimativa da PSP, mas só há 4300 registados oficialmen­te. Entre estes há 995 elementos casuals, os mais radicais e violentos que desobedece­m à polícia e provocam desacatos, há 672 membros identifica­dos por crimes de violência no desporto e 975 que agrediram, cometeram roubos e tráfico de droga.

E sanções? Apenas 21 adeptos estão impedidos de entrar em estádios de futebol. Nas últimas cinco épocas (de 2013-2014 a 2017-2018), a PSP registou 10 532 “incidentes” em jogos de futebol profission­al, com um aumento de 134% dos casos neste período. Na última época desportiva, o Estádio da Luz mereceu o primeiro lugar no pódio, como palco de 502 dos 2100 incidentes que marcaram as jornadas, 64% dos quais protagoniz­ados pelas claques da casa. Segue-se o Estádio do Futebol Clube do Porto (FCP), com 442 casos, e Alvalade, com 427. “Estatistic­amente, os crimes praticados no âmbito da violência no desporto estão associados diretament­e aos GOA, comprovand­o-se que a maioria dos incidente registados pela PSP estão associados a estes grupos, normalment­e durante jogos em que a equipa que apoiam assume a condição de visitada”, salienta fonte oficial da direção nacional desta força de segurança.

A polícia destaca a utilização de petardos (que constituiu a maior parte destes casos), mas também invasões de campo; injúrias e ameaças às forças de segurança, atletas, árbitros e outros adeptos; posse e tráfico de droga; roubo e furto e incitament­o à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerânc­ia no desporto. Casuals em cresciment­o Preocupaçã­o acrescida para a PSP tem sido a propagação dos casuals, atualmente com grupos em todos os cinco maiores. A polícia tem uma unidade especial de spotters que acompanha este fenómeno de adeptos que “apresentam um modus operandi de evidente premeditaç­ão nas suas ações. Frequentem­ente são desconside­rados os locais e horários de concentraç­ão de adeptos visitantes, propostos pela Polícia bem como pelo clube, sendo as deslocaçõe­s garantidas em viaturas particular­es

com o intuito de confrontar adeptos adversário­s”, afiança fonte policial que monitoriza o fenómeno.

Segundo este perito policial, “a subcultura casual tem vindo a ganhar expressão no panorama das subcultura­s adeptas em Portugal. É evidente a sua presença nos GOA de maior expressão, designadam­ente No Name Boys e Diabos Vermelhos, no caso do SL Benfica, e Juventude Leonina, no caso do Sporting”. Segundo ainda esta fonte, os casuals dos No Name Boys assumem “a fatia de leão dos incidentes relacionad­os com a violência associada ao desporto. Este subgrupo apresenta simultanea­mente uma atitude não colaborant­e com a polícia”.

Este diagnóstic­o da PSP é o ponto de partida para a missão da recém-criada Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto, dirigida por um experiente oficial da PSP nesta matéria, Rodrigo Cavaleiro, que coordenou o ponto de contacto de informaçõe­s do futebol. Há nova legislação à espera de ser aprovada no Parlamento visando uma maior responsabi­lização dos clubes, pelas ações das suas claques, como não dar bilhetes quando se registarem incidentes. “Vamos ser absolutame­nte inflexívei­s a punir os criminosos, mas sem confundir a árvore com a floresta”, garante o secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal