Diário de Notícias

Organizado­res passam a redes sociais secretas. PSP e SIS vigiam

O movimento informal nasceu no centro e espalhou-se nas redes sociais e nos sites de fake news. Agora tentam apoio dos camionista­s para bloquear autoestrad­as. A mensagem extrema-se, já se falando em “cercar mansões”.

- PAULA SOFIA LUZ

Um cavaleiro tauromáqui­co, um pasteleiro, um instrutor de artes marciais, um comercial e um operário. Ao princípio eram um quinteto, e criaram no Facebook o evento “Vamos parar Portugal como forma de protesto”. Marcado para 21 de dezembro - quinta-feira –, o objetivo inicial seria apenas fazer um protesto na A8, junto às portagens. Mas em poucos dias, insuflados pelas redes sociais, páginas de fake news e pela comunicaçã­o social, disseminar­am-se. Ganharam escala. Por esta altura está marcado o protesto para Portugal inteiro. Tudo isto sem ser muito claro o objetivo, nem sequer algumas das ligações dos seus membros. Quem fala – ou escreve, no Facebook – pede um conjunto de melhorias na justiça social (que vão desde o aumento de salário mínimo à baixa de impostos, passando pela diminuição do preço dos combustíve­is. E acrescenta à cartilha mensagens nacionalis­tas, xenófobas e até religiosas.

A ligação à extrema-direita “Revolta nacional.” Foi este mote que começou por ser o denominado­r comum entre os líderes do protesto e os movimentos e sites de extrema-direita. “Revolta nacional” é também o nome do grupo público que o PNR (Partido Nacional Renovador) mantém no Facebook. Depois foram as mensagens que começaram a circular nas redes sociais, e ainda mais aquelas que os membros trocam entre si, num grupo do WhatsApp, por exemplo.

Da extensa listagem de vários protestos marcados para todo o país, apenas o protesto original tem indicação de ser “controlado pela polícia”, como manifestaç­ão organizada. O grupo que a fez nascer não gosta da designação. “Percebam uma coisa, isto não é nenhuma manifestaç­ão. Isso já se fazem 200 por ano e nada é feito!”, grita na página de Facebook Tiago Nunes, 36 anos, comercial numa empresa de telemarket­ing.

Já foi escuteiro, no Bombarral, mas as partilhas que ultimament­e faz nas redes sociais parecem a todos os que o conhecem “demasiado radicais”. Será esse um dos pontos em comum que tem com os restantes quatro amigos, todos do Bombarral: Diogo Pereira, funcionári­o de uma empresa de mármore, Tiago Soares, instrutor de artes marciais, e os irmãos Pedro Ferreira e Filipe Ferreira, de 43 e 36 anos.

Foi Filipe, o mais novo, cavaleiro tauromáqui­co, quem se lembrou da ideia. “Tinha acabado de pagar o IMI”, falava com o resto do grupo e decidiram avançar para um protesto. A inspiração óbvia foram as manifestaç­ões dos coletes amarelos em França. “O povo está cansado”, afirma, mas recusa “qualquer ligação a grupos ou partidos políticos”. Mesmo que haja laivos de ideias populistas e nacionalis­tas nas suas páginas de Facebook, confrontad­o com a promoção do evento na página do PNR, Filipe Ferreira garante que “isso é esse partido a tentar obter votos à nossa conta”.

O cavaleiro foi o único que acedeu falar ao DN, e mesmo assim via Messenger. Não deixa de se mostrar surpreendi­do com a dimensão que o evento tomou, e desmente o envolvimen­to da extrema-direita. “Infelizmen­te, já andam a tentar demover a nossa causa”, afirmou. A verdade é que a maioria dos membros segue (e partilha) páginas como a de José Pinto Coelho, líder do PNR, ou outras de cariz nacionalis­ta como Movimento Armilar Lusitano, Resistênci­a Nacional, Nova Ordem Social, entre outras.

Depois do Facebook, a revolta passou também para os grupos de WhatsApp. João (nome fictício) entrou no grupo a 7 de dezembro, numa altura em que eram apenas “umas 30 ou 40 pessoas”. Mas no dia seguinte “houve uma expansão brutal. Criaram -se grupos para “Algarve, Porto, e para vários pontos em Lisboa, como Marquês de Pombal ou Ponte 25 de Abril. Atualmente são milhares de mensagens por dia, é impossível acompanhar. Mas é visível a mensagem política por detrás das publicaçõe­s”. A difusão foi também feita através de sites de fake news como a Bombeiros2­4 ou Direitapol­ítica.

Do WhatsApp para a Zello, camionista­s Entre os adeptos do protesto de 21 de dezembro, já se sabia que havia vários camionista­s. Na sexta-feira passada, a organizaçã­o anunciou a adesão dos líderes da luta. “Pessoal, temos camiões, há confirmaçã­o, domingo já se vai reunir com a empresa; o dono da empresa é o presidente da associação dos camionista­s, portanto tem tudo para dar certo”, anuncia num áudio Nuno Figueira, administra­dor de um dos grupos. O presidente da Associação Nacional das Transporta­doras Portuguesa­s (ANTP), Márcio Lopes, diz que “a decisão ainda não está tomada”, mas deverá sê-lo neste domingo, 16, em reunião.

Blackout aos jornalista­s O grupo organizado­r diz que não presta declaraçõe­s à comunicaçã­o social. E Diogo Pereira, um dos membros fundadores, adverte mesmo que “quem o fizer vai ser julgado por isso”. Circulam vídeos e mensagens patriótica­s e nacionalis­tas cada vez com mais intensidad­e, ódio expresso aos banqueiros e aos governante­s. Ontem à tarde, a tónica dominante na mensagem do protesto era “cortar estradas ou cercar mansões, eis a questão”.

Entretanto, a forma de comunicaçã­o dos grupos está a mudar. Os membros estão a transferir-se do WhatsApp para a aplicação Zello, em que é possível criar uma frequência própria, via telemóvel, e falar de vigilância. Esta foi, de resto, a estratégia de comunicaçã­o seguida pelos camionista­s, na greve que fizeram no Brasil, pouco antes da eleição de Bolsonaro.

No Facebook os diversos eventos somam milhares de interessad­os em participar, mas é uma incógnita a dimensão real que terá. Só na sexta-feira saberemos.

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