No frenesim parlamentar, só um partido não tem iniciativas: o Livre
A fragmentação em dez forças da representação parlamentar conduziu à hiperproliferação de iniciativas legislativas. Já deram entrada 140, em apenas três semanas. O PCP é quem mais produz: 52 iniciativas.
Em 21 dias de atividade parlamentar na XIV Legislatura, a Mesa da Assembleia da República (AR) já recebeu um número recorde de iniciativas dos partidos: 140 ao todo, segundo os dados disponíveis ontem ao fim da tarde. É uma média de mais de seis (6,6) iniciativas por dia (incluindo sábados e domingos), da autoria de todos os partidos parlamentares. De todos os partidos – menos de um.
O Livre, da deputada Joacine Katar Moreira. Até agora, a parlamentar não assinou um único projeto de lei. Nem Projeto de Resolução (recomendações ao governo, não vinculativas) nem nenhum tipo de iniciativa legislativa, mesmo de deliberações parlamentares (os votos de “saudação” ou “pesar” ou “protesto”, como os 34 que ontem foram votados ao fim da manhã – e que não contam para a estatística das 140 iniciativas já formalizadas).
Sendo certo que Joacine Moreira já anunciou pelo menos duas ideias – uma nova Lei da Nacionalidade que determine que é português quem nasce em Portugal, mesmo filho de estrangeiros e a trasladação para o Panteão dos restos mortais de Aristides de Sousa Mendes –, a verdade também é que nenhuma das duas ideias foi ainda convertida em diploma legislativo.
Quanto à Lei da Nacionalidade, o Livre foi aliás ultrapassado logo no primeiro dia de atividade parlamentar (25 de outubro) pelo Bloco de Esquerda, que apresentou um projeto exatamente no mesmo sentido.
Os outros dois partidos de deputado único – o Chega, com André Ventura, e a Iniciativa Liberal, de João Cotrim Figueiredo – já têm projetos de diplomas formalmente entregues na Mesa da AR: quatro e dois, respetivamente.
Um da Iniciativa Liberal, propondo uma “alteração ao Regimento da Assembleia da República [...] de modo a assegurar a justa e proporcional representatividade de todos os partidos políticos”, acabou por ganhar grande protagonismo mediático nesta semana.
Isto depois de a conferência de líderes ter decidido na semana passada que os partidos de deputado único não teriam voz no debate quinzenal com o primeiro-ministro que ocorreu na quarta-feira.
A decisão acabaria por ser corrigida, sendo dado ao Chega, IL e Livre um minuto e meio (cada um), por consenso entre os partidos e após pressão nesse sentido do presidente da AR, Ferro Rodrigues.
Fim dos debates quinzenais?
Seja como for, o facto é que o processo de revisão do regimento vai avançar e já se fala na hipótese, proposta pelo PSD, de os debates quinzenais com o primeiro-ministro passarem a debates mensais.
O que o PS fará com esta proposta não se sabe. É, porém, do conhecimento geral que o fim dos debates quinzenais teve em tempos em António Costa um fervoroso apoiante. “Uma das invenções mais estúpidas que a Assembleia da República fez nos últimos anos”, foi o que Costa disse, já há alguns anos, quando era comentador na Quadratura do Círculo (e ainda não tinha chegado a líder do PS, sendo “apenas” presidente da Câmara Municipal de Lisboa). Debates com esta periodicidade “são coreografados para serem um duelo entre matadores”, ou seja, só serviriam para “a deterioração cada vez mais acentuada das relações entre os principais atores políticos”.
PCP lidera a corrida
Na verdadeira corrida parlamentar em curso para ver quem apresenta mais iniciativas legislativas, o partido liderante é, pelo menos por enquanto, o PCP, com 52 diplomas. Sete dessas iniciativas refletem uma prioridade claramente assumida pelos comunistas – a de tirarem do Código do Trabalho as alterações aprovadas no período da troika pelo governo PSD/CDS.
O segundo partido mais produtivo é o Bloco de Esquerda, com 26 iniciativas (seis das quais sobre o Código do Trabalho) e o terceiro o PEV (23). Depois o PAN (14), o CDS-PP (12), o PSD (oito). O maior partido da AR, o PS, tem apenas duas iniciativas (sendo uma delas de revisão do regimento).
O governo ainda não apresentou nenhuma proposta de lei. O OE 2020 deverá entrar em 16 de dezembro.