Do clima ao Brexit Os desafios da Comissão Von der Leyen
Na próxima quarta-feira, dia 27, Estrasburgo vai finalmente adotar uma posição sobre a formação do poder executivo de Bruxelas e, “se tudo correr bem, o Parlamento Europeu aprovará o colégio de comissários” liderado pela alemã Ursula von der Leyen.
0 s primeiros desafios estarão ultrapassados na próxima quarta-feira, caso se confirme a aprovação da nova Comissão Europeia, como foi desejo expresso por Ursula von der Leyen, na sua mais recente aparição pública, no congresso do Partido Popular Europeu, que terminou na quinta-feira em Zagreb, na Croácia.
Até aqui não pode, porém, afirmar-se que Von der Leyen tenha tido vida fácil, nomeadamente na assembleia que voltará a enfrentar na próxima semana. O primeiro sinal de que os eurodeputados não lhe facilitariam o caminho chegou no dia da sua eleição, a 16 de julho, num Parlamento Europeu descontente com o fim do método do Spitzenkandidat que ela, ao aparecer como alternativa a cada um dos nomes propostos nas listas das eleições europeias, acaba por personificar.
Os sinais de pressão do Parlamento Europeu persistiram. E traduziram-se no atraso de – até agora – um mês para a entrada em funções da futura Comissão, depois da rejeição de três candidatos a comissários. A liberal francesa Sylvie Goulard viu a sua idoneidade posta em causa pelos eurodeputados, os quais levantaram questões éticas e técnicas para a afastarem da pasta do Mercado Interno. Antes, a comissão parlamentar de Justiça tinha detetado “conflitos de interesses” para o exercício das pastas do candidato húngaro, László Trócsányi, e da romena Rovana Plumb, que também ficaram pelo caminho.
O problema ficou finalmente resolvido, com a nomeação de novos titulares para os cargos, mas a lista de desafios de Von der Leyen é extensa, numa Europa que pretende afirmar-se como ator global, num mundo com novos poderes emergentes, em que os tradicionais aliados são imprevisíveis.
Do ponto de vista interno, a tarefa também
não está facilitada e “o Brexit é apenas um dos desafios”, como vincou o negociador europeu, Michel Barnier, no cimeira do PPE, a menos de uma semana da votação, tendo-lhe pedido que “lute por uma Europa forte, num mundo de desafios”.
Alterações climáticas
O clima é uma das bandeiras de Ursula von der Leyen, a qual promete objetivos, nesta matéria, que são realistas para uns e pouco ambiciosos para outros. Nos primeiros cem dias de mandato, a alemã comprometeu-se a apresentar um plano para fazer da Europa o primeiro continente a atingir a neutralidade carbónica.
“Quero que a Europa seja o primeiro continente climaticamente neutro, em 2050”, prometeVon der Leyen, salientando, porém, que a meta climática não poderá ser alcançada a qualquer custo e terá de ser incentivada através de “um forte investimento”, que ajude a “criar um ambiente favorável ao empreendedorismo, especialmente para as pequenas e médias empresas”.
Estado de direito e modo de vida
Ao longo do seu mandato, socialistas e liberais lembrá-la-ão que se propôs fazer cumprir os princípios do Estado de direito. Para Ursula, esse é afinal “o nosso modo de vida europeu”, numa alusão à pasta de designação polémica atribuída ao conservador grego Margaritis Schinas, a qual define como “um roteiro de liberdade, de valores e do Estado de direito”.
Mas os liberais, por exemplo, exigem-lhe “clareza e um compromisso inequívoco” com a defesa de um mecanismo europeu que possa desencadear “sanções” aos Estados membros que ponham em causa “os valores europeus que são inegociáveis”.
Migrações
Por alguma razão, no seu último discurso antes da votação do colégio, Von der Leyen não referiu aquele que foi um dos temas marcantes do mandato do seu antecessor: os migrantes e refugiados. Porém, na primeira vez que se dirigiu ao Parlamento, em julho, foi no capítulo das migrações que colocou os valores que a União “deve defender”, com “fronteiras mais humanas”. Na altura propôs-se “reduzir a migração irregular, combater contrabandistas e traficantes”, ao mesmo tempo que “preserva o direito de asilo e melhora a situação dos refugiados”, incluindo “através de corredores humanitários”.
No seu mandato,Von der Leyen terá de propor “um novo pacto sobre migração e asilo, incluindo a reabertura de discussões para a reforma das regras de Dublin”.
Defesa e Política externa
Ursula von der Leyen tem como missão dar continuidade ao trabalho iniciado com “a queda do Muro de Berlim”, e “construir pontes” para “manter a Europa unida”. O desafio foi lançado por uma voz de peso dentro do bloco, a chanceler alemã Angela Merkel, para quem este será o caminho para afirmar a Europa no mundo, através de “uma comissão geopolítica”. “Devemos mostrar unidade, perante os EUA, perante a Rússia, perante a China”, defendeu Merkel, a poucas semanas de a sua colega de militância assumir funções.
Merkel não explica, no entanto, como Berlim agirá face aos interesses individuais em matéria de energia relativamente à Rússia. Von der Leyen terá de liderar o executivo comunitário também dentro da realidade dos interesses individuais de cada Estado.
Na defesa, a ex-ministra desta pasta no governo alemão já disse que será uma matéria em que não haverá união, no sentido de tornar a União Europeia um organismo militarizado, mas antes uma complementaridade com a NATO.
Democratizar
A nomeaçãoVon der Leyen foi um dos processos mais controversos para a decisão sobre a liderança do poder executivo em Bruxelas, principalmente por ter sido abandonado o modelo do Spitzenkandidat. O método foi experimentado pela primeira – e única – vez, em 2014, quando Jean-Claude Juncker venceu as eleições na lista do PPE.
Em 2019, num gesto interpretado como uma forma de “descredibilizar” o processo, a família política que viria a vencer as eleições nomeou um candidato quase desconhecido dos eleitores, a quem muitos, até dentro do próprio grupo partidário europeu, não reconheciam perfil para liderar o executivo comunitário, facilitando os argumentos de quem, mais tarde, no Conselho Europeu, se opôs à nomeação do vencedor das eleições.
No Parlamento, havia até quem admitisse votar contra Von der Leyen dentro da sua família política, por entender que “devia ser mantido o processo dos Spitzenkandidaten”. Quando foi eleita, a alemã recebeu 383 votos a favor. Mas há quem considere que os 327 contra não podem ser ignorados.
Por isso, as referências deVon der Leyen ao Spitzenkandidat não poderão ficar-se pelos elogios a ManfredWeber, seu colega de partido que ficou pelo caminho por “não preencher o perfil” adequado, como referiu o primeiro-ministro António Costa, na primeira cimeira após as eleições para discutir o tema.
Para evitar um braço-de-ferro com o Parlamento Europeu e agilizar o processo de nomeação, que no seu caso demorou 51 dias, Von der Leyen poderá ter de encontrar uma solução para a escolha “mais democrática” do líder do executivo comunitário.
Brexit
Resta ainda saber quais os efeitos sobre todos os outros do “primeiro dos desafios”: o Brexit. Se se concretizar, o evento inédito da perda de um Estado membro será um daqueles a que a futura Comissão terá de dar prioridade. Poderá ser um momento difícil, logo no arranque da sua governação. Mas Michel Barnier estará por perto para “pôr os problemas em perspetiva” e “seguir em frente”. “Temos de reconstruir, a partir de agora, muitas coisas que foram desfeitas. Reconstruir uma parceria económica e comercial, apoiada em regras comuns. E, ao mesmo tempo, proteger os direitos sociais, o direito ambiental, o direito dos consumidores, vigiar a questão das ajudas de Estado e de fiscalidade. Tudo isso que alicerça a nossa economia social de mercado”, propõe Barnier.
No seu mandato, Von der Leyen terá de propor “um novo pacto sobre migração e asilo”