Canadá. O vizinho do norte que é o anti-Trump. Até na luta contra a covid
Em 2019, o Alto do Pina tirou-lhes o tetra.
Maria Helena era cartonageira, fazia os acabamentos em cartão numa tipografia, aproveitava o mês de junho para aumentar os rendimentos. Todos o fazem no bairro, também a varina Emília Carvalho, 74 anos, que começou por vender na rua. Agora tem a sua peixaria e trouxe para o bairro sardinha fresca logo que a pesca foi permitida, a 1 de junho. Quatro caixas e apenas vendeu uma, apesar da qualidade e do preço baixo, quatro euros o quilo. “No ano passado já tinha vendido muita sardinha, vendia muito para os restaurantes, que vivem à base dos turistas, mas não há turistas e as pessoas têm medo de vir para cá.”
Emília diz a frase que tantos moradores repetem: “A nossa Alfama está triste, dá vontade de chorar. Não há arraiais, não há alegria. Andava aqui tanta gente, agora não tem ninguém. Por esta altura, havia mesas por todo o lado, agora parece uma aldeia.”
Nasceu na Rua do Pocinho, onde a mãe tinha uma banca e ela colocava cravos nas mesas, aos 5 anos. É o Retiro das Tesas, que tem passado de pais para filhos, como acontece com outras famílias.
Emília e Helena dizem nunca ter falado mal dos turistas, as suas queixas são para os senhorios, que reflexo da falta de uma política de habitação. “Ao que assistimos agora é ao reflexo do que denunciámos durante todos estes anos, as pessoas de cá tiveram de ir embora e, agora, sem turistas, as ruas estão vazias”, diz, para sublinhar: “Há um pequeno equívoco, os moradores de Alfama não acham que existem turistas a mais. O problema é o alojamento local, mandaram embora as pessoas para poderem alugar as casas. Sempre houve um bom convívio entre moradores e turistas.”
Nuno Lopes idealizou com Vanessa Rocha, a coreógrafa, a marcha de Alfama. São dois discípulos de Carlos Mendonça, já falecido e denominado o Mourinho das Marchas de Lisboa. Nuno é nascido e criado em Alfama e também foi marchante. Agora é a filha, Madalena, a seguir-lhe os passos na dança na Marcha dos Alfaminhas.
Os responsáveis da CML justificam o cancelamento total das festas: “Atendendo ao desenrolar da pandemia e de o período de confinamento e distanciamento social ter inviabilizado os ensaios, a câmara e a EGEAC decidiram cancelar a edição de 2020 dos Arraiais Populares, das Marchas Populares de Lisboa e dos casamentos de Santo António.” Mantiveram as iniciativas não presenciais, como o Concurso das Sardinhas e o dos Tronos de Santo António, ou que possam ser presenciadas a partir das janelas, e/ou que não ponham em risco a segurança das pessoas. O programa pode ser consultado no site culturanarua.pt.
Comprimidos de estímulo à economia são os medicamentos a tomar nos próximos meses. A Alemanha já o está a fazer. Berlim quer pôr mais dinheiro no bolso das famílias germânicas para dinamizar a economia e travar o desemprego. Entre as medidas mais populares estão a descida do IVA, mas também os cheques-criança e o apoio à compra de carros elétricos.
Apoiar as famílias e estimular o consumo faz que, por exemplo, seja entregue um cheque de 300 euros a cada menor. Tendo em conta o salário mínimo pago no país ou o rendimento médio de um germânico, o valor até parece simbólico (em Portugal teria um impacto muito maior, já que representa cerca de 50% do salário mínimo nacional), mas, em termos orçamentais, representa uma enorme fatia do bolo e é, acima de tudo, um sinal positivo e de confiança que o Governo de Merkel quer transmitir às famílias.
O valor total do programa de estímulo económico alemão é uma autêntica bazuca, pois ascende a 130 mil milhões de euros, quase dois terços do produto interno bruto (PIB) português, referente a dados de 2019. Ao fim de dois dias de discussão, os alemães (da CDU, de Angela Merkel, e os sociais-democratas, do SPD) puseram-se de acordo e o pacote ficou cerca de 30% acima do que tinha sido previsto. Uma vitória para o executivo, mas acima de tudo uma vitória para a Alemanha.
O país está a enfrentar a pior recessão desde o pós-guerra e os alemães sabem disso. Espera-os uma contração do PIB entre 6,3% e 7%. O desemprego já atingiu em maio o nível mais alto desde há cinco anos. Pairam nuvens negras sobre os céus germânicos, mas os alemães, reconhecidos pelo seu pragmatismo, querem perder pouco tempo a reiniciar a atividade económica e não admitem baixar os braços.
Prova disso é também o ambicioso plano industrial que a chanceler apresentou para a recuperação da nação. Há quem diga mesmo que Angela Merkel está a iniciar um novo paradigma de um certo capitalismo industrial de Estado. Angela Merkel afirmou, ao jornal Financial Times, que “o facto de existirem neste momento sete milhões de trabalhadores em lay-off demonstra a fragilidade da situação e dá urgência à resposta que é necessária e à forma como devemos ser bem-sucedidos para estimular a economia e salvaguardar os empregos”.
A senhora Merkel, que já tinha sido dada como morta politicamente, renasceu das cinzas, qual fénix. Perante uma crise de que não há memória, a chanceler mostrou que é a verdadeira líder da Europa e que a Alemanha continuará a ser o motor do Velho Continente. Com a Itália fragilizada no seu sistema imunológico, a Espanha ainda de fronteiras fechadas, a França com dificuldades de digestão política, económica e social (que vem de trás e que se agravaram com esta pandemia), resta à Europa voltar a ter um pilar forte alemão, com indústria, com capacidade exportadora e, acima de tudo, como uma visão para o país e para o papel do continente europeu.
Uma Alemanha forte significa uma Europa mais resistente. Portugal pode tirar vantagem desse posicionamento. Não só por pertencer à União Europeia, naturalmente, mas porque muitas fábricas nacionais fornecem peças à Alemanha e também se alimentam de trabalhos que dali vêm em subcontratação. Portugal pode ainda ganhar mais e aprender com este país do norte da Europa. Apesar “de não termos a disponibilidade orçamental da Alemanha para baixar o IVA de 19% para 16%”, como referiu nesta semana António Costa, há vida para lá do IVA e há uma política social, de apoio às famílias, e, sobretudo, há um plano industrial de que Portugal também precisa, com urgência.
Nesta semana uma atriz, Rita Pereira, esteve no programa da tarde da TVI. Sei disto porque me enviaram um excerto no qual Rita anuncia a manifestação de hoje na Alameda, em Lisboa, às 16.45, e diz que vai estar presente. A seguir explica porquê: “Porque eu também vivo isto. Porque não consigo estar sentada e ao meu lado estar o meu marido, que me diz que está a receber mensagens racistas.”
Comove-se, e continua: “E é impossível. Eu não quero que quando o meu filho cresça esteja a receber as mesmas mensagens de racismo. Eu não quero que o meu filho seja seguido numa loja. Quero que o meu filho possa entrar numa loja de roupa e não olharem para a cor dele porque ele é mais escuro do que os outros. Eu não quero que o meu filho seja apontado porque tem uma cor diferente, quero que o meu filho consiga apanhar um táxi durante a noite na rua porque muitas vezes os meus amigos negros dizem que não conseguem sequer apanhar um táxi, entram no táxi e o táxi diz “já estou ocupado”; vão para outro táxi que diz “já estou ocupado”. Quero que ele possa entrar numa discoteca tranquilamente e não dizerem “ah, não pronto” ou estar com um grupo de amigos negros e ouvir “já temos muitos pretos nesta discoteca, não podem entrar mais”. Quero que ele seja livre, não quero ouvir o meu marido a dizer que recebeu uma mensagem a dizer “vai para a tua terra preto de merda”.Vou estar nesta manifestação porque isto me toca profundamente e tudo o que me tem acontecido me toca profundamente. E os pais em casa têm de começar a falar sobre o racismo.”
Não conheço Rita Pereira, nem sabia que tinha um marido negro, nem um filho. Não sei nada dela. Não sei se alguma vez Rita teve noção de tudo isto que diz antes de ter um marido negro e um filho com ele, ou se, tendo noção, alguma vez sentiu que devia falar publicamente sobre isso.
Sei no entanto várias coisas. Que tudo o que ela diz é importante e que é importante que alguém como ela – com a influência que tem sobre jovens e não só – o diga, e tome uma posição sobre o assunto, mas também que há muito que tudo aquilo que ela descreve, e muito mais, acontece e há muito que existem casos terríveis de violência, incluindo policial, e incluindo mortal, sobre negros (e outros grupos minoritários) em Portugal, sem que a esmagadora maioria da população se sinta sequer interpelada, quanto mais levada a falar ou agir em relação ao assunto; sem que pessoas como Rita queiram, como ela diz, “dar o corpo às balas” neste assunto.
Daí que confesse ter visto com alguma impaciência a epidemia de quadrados negros de luto que assolou o Instagram esta terça-feira em homenagem a George Floyd e em solidariedade com o movimento Black Lives Matter. Como diz o humorista negro Carlos Pereira, este “ativismo de rede social” é não só uma forma de as pessoas se sentirem bem consigo como coloca o tema no nível de superficialidade “o racismo é mau” – um nível absolutamente redutor no sentido em que equivale a discriminação ao seu absoluto extremo, a violência fatal, associando-a sobretudo à crueldade pessoal. Ora o racismo, como o machismo/sexismo, é uma estrutura subtil e de impacto quotidiano e profundo, em relação à qual é necessário um esforço de consciencialização e desconstrução; não nos grita sempre como aquele joelho assassino ou sequer, para usar o exemplo de Rita Pereira, a tão comum e horrenda mensagem “preto de merda vai para a tua terra”.
Claro que ver um homem negro a sufocar sob o joelho de um polícia branco que recusa verificar se a sua vítima algemada está viva e sair de cima dela mesmo quando os circunstantes lhe dizem que ela não reage, e chega mesmo ao ponto de não o fazer quando a ambulância chega, naquilo que só pode ser interpretado como uma deliberação de castigo (estranho que entre as acusações já conhecidas não esteja tortura) e uma total indiferença em relação à possibilidade de esta estar morta, é absolutamente chocante e suscita reações de repúdio em toda a gente com um módico de empatia. Mas é tanto mais fácil e imediato esse repúdio quando o caso se passa lá longe, nos EUA, e não nos implica em nada; é tanto mais fácil protestar quando a seguir podemos dizer, como se está sempre a dizer, “Portugal não é um país racista, não há comparação com a América, não exagerem.”
É verdade que nos EUA o racismo declarado é muito mais virulento – há organizações declaradamente racistas como a Ku Klux Klan, que em Portugal seria ilegal, há terrorismo supremacista branco, há aquele presidente. E uma longa lista de negros assassinados pela polícia e por “vigilantes” em circunstâncias que evidenciam o facto de os mortos, como negros, terem sido considerados suspeitos automáticos ou merecerem dos assassinos um desprezo e crueldade específicos – como os que os agentes envolvidos na morte de Floyd parecem ostentar (e que dois deles pertençam a minorias não os impede de serem racistas porque, repita-se, o racismo é uma estrutura de pensamento generalizada e institucional, não um sentimento individual ou uma característica que depende da etnia; mulheres podem ser, e são, sexistas e machistas, negros podem ser, e são, racistas em relação a negros).
Mas Portugal tem também uma lista de negros mortos – e pela polícia – em circunstâncias que apontam para o mesmo tipo de atitude verificada no caso de Floyd, incluindo a revoltante cumplicidade entre agentes; tem uma lista de casos de brutalidade policial contra negros, alguns dos quais filmados, como o do bairro da Jamaica, outros não, como o da esquadra de Alfragide, e tem evidência de que as forças policiais estão infiltradas por racistas declarados e supremacistas brancos, sem que a maioria da população e, mais grave ainda, os responsáveis políticos – à exceção da ministra da Justiça, que é negra e tem falado no assunto – e as hierarquias policiais o reconheçam e ajam em relação a isso.
Pelo contrário: o que vimos foi, quando ocorreu a primeira manifestação de afrodescendentes em Lisboa, em janeiro de 2019, na Avenida da Liberdade, uma carga policial desproporcionada, que incrivelmente incluiu até balas de borracha; o que vimos foi a reação furiosa, racista e xenófoba à irritação do ativista negro do SOS Racismo Mamadou Ba com a ação da polícia; o que vimos foi o surgir da teoria, repescada das sebentas dos movimentos supremacistas brancos, dos “racistas antirracistas” – aquela que acusa os que combatem o racismo de serem racistas não só porque falam de “raça” como porque a sua voz e indignação é sempre vista e sentida como ódio (aliás como sucede com o feminismo, sistematicamente acusado de ser “ódio aos homens”).
Não tivemos nessa altura do Jamaica e da repressão violenta da manifestação de afrodescendentes nenhuma cadeia de quadrados negros no Instagram e Facebook. E decerto não tivemos a PSP a partilhar o seu próprio quadrado negro como fez esta terça-feira, juntando-lhe as frases “pela igualdade todos os dias”, “somos diversidade” e “black lives matter”. A mesma PSP na qual se ergueu um clamor contra um sindicalista, Manuel Morais, que ousou denunciar o racismo na corporação, forçando-o em 2019 a sair da direção do principal sindicato. Não, esta PSP não é racista, até entra em campanhas no Insta; racismo só nos malandros dos polícias americanos e na malandra da América, que são de outro planeta.
É nessa ilusão que vive a maioria dos portugueses – até ao dia em que, como sucedeu com Rita Pereira, se descubra que o racismo está e sempre esteve cá, e que não se vai embora sem fazermos alguma coisa para o combater e denunciar; até percebermos que não basta o nosso (suposto) bom coração e quadrados negros no Insta. Que é preciso exigir que em instituições particularmente sensíveis como a escola e as polícias se comece por assumir a sua existência, criando mecanismos para ser eficazmente combatido, não escamoteado e negado como até agora.
Mas isso só acontecerá quando, como a Rita, sentirmos a dor do outro como nossa (porque é nossa); quando formos capazes de ouvir e tentar perceber o que é ser negro em Portugal, dos negros de Portugal. Pessoas, não quadrados no Insta.
Os protestos antirracistas nos EUA tiraram nesta semana protagonismo ao novo coronavírus nos media canadianos e até deixaram o primeiro-ministro Trudeau sem palavras. Mas o gigante do norte há muito tem de viver com as comparações com o vizinho do sul e até desenvolveu um – “infundado” – sentimento de superioridade.
Todos olhamos com horror e consternação para o que se passa nos EUA”, acabou por dizer Justin Trudeau após um silêncio de 21 segundos, durante os quais o primeiro-ministro canadiano procurou as palavras certas para comentar os violentos protestos no vizinho do sul após a morte de George Floyd, um afro-americano de 46 anos, sufocado pelo joelho de um polícia. Se alguém duvida da proximidade entre os dois gigantes da América do Norte, basta ver os jornais canadianos, onde o assassínio de Floyd domina, relegando até para segundo lugar a pandemia de covid-19.
Mas também na luta contra o novo coronavírus, os caminhos de Canadá e EUA não podiam divergir mais. Talvez graças ao seu sistema nacional de saúde, que tal como os europeus garante o acesso de todos, gratuito, aos cuidados de saúde, o Canadá conseguiu melhores resultados do que o vizinho no combate à pandemia. Se os EUA se aproximam a passo galopante dos dois milhões de infetados e já passaram os 110 mil mortos, o Canadá ultrapassou os 93 mil casos e aproxima-se das 7700 vítimas mortais. Uma diferença enorme, mesmo tendo em conta que os EUA têm mais de 330 milhões de habitantes, enquanto o Canadá não chega aos 38 milhões, espalhados por um enorme território que faz dele o segundo maior país do mundo.
A relação entre Trudeau – um ex-professor primário com ares de estrela de cinema, filho de um ex-primeiro-ministro, campeão do liberalismo e reeleito em 2019 depois de em 2015 ter posto fim a mais de uma década de domínio conservador em Otava – e Trump nunca foi fácil. Sobretudo depois daquela cimeira do G20 em 2018, no Quebec, quando o anfitrião Trudeau criticou as tarifas americanas ao aço e alumínio canadianos. Trump virou costas e saiu da reunião, tendo tuitado já no avião a caminho dos EUA que o líder canadiano é “muito desonesto e fraco”.
E depois de um encontro no mínimo frio na Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, em setembro de 2018, a cimeira da NATO em Londres, em dezembro de 2019, voltou a revelar a tensão entre os dois. Trudeau foi apanhado a gozar com o presidente americano, numa conversa com o britânico Boris Johnson, o holandês Mark Rutte e o francês Emmanuel Macron. “Hipócrita”, reagiu Trump.
Com o novo acordo de comércio livre entre EUA, Canadá e México, sucessor do NAFTA, assinado em janeiro, as coisas pareciam mais calmas. Talvez por isso, depois do silêncio desconfortável perante a pergunta sobre Trump e os protestos, Trudeau tenha optado por virar o foco para o Canadá. Afastando a tentação de fazer comparações entre os dois países ou de “acharmos que somos muito melhores por cá”, o primeiro-ministro canadiano garantiu: “Os canadianos têm de admitir que temos os nossos desafios, que os canadianos de raça negra ou outras raças enfrentam a discriminação enquanto realidade todos os dias.”
Tal como Trudeau, também Henry Vivian Nelles escolhe a cautela quando se trata de comparar Canadá e EUA. O historiador, professor na universidade deYork e autor do livro A Little History of Canada admite que os canadianos sentem uma superioridade moral em relação aos vizinhos do sul que é “totalmente injustificada”. Para ele, a “natureza da raça” é uma das grandes diferenças entre os dois velhos aliados. “Existe racismo no Canadá como disse Trudeau e a resposta dele mostrou que se quis centrar nisso, numa coisa que podemos resolver, e não no trágico problema nos EUA que não podemos resolver.”
Afinal, ao melting pot americano, os canadianos respondem com o multiculturalismo, apoiado por políticas de Estado desde 1971. Uma realidade que muito orgulha um país em que 20% da população nasceu no estrangeiro, dando-lhe juventude, diversidade étnica, linguística e religiosa.
O sistema de saúde faz a diferença
Se os protestos nos vizinhos EUA lhe vieram tirar algum protagonismo, a covid-19 continua a ser o grande desafio para Otava. “O sistema de saúde público fez a diferença no Canadá”, garante Nelles. “A população estava mais saudável porque procura os cuidados médicos sem medo dos custos, como acontece nos EUA.”
Mas o sistema de saúde não é a única explicação para o sucesso relativo do Canadá
“O sistema de saúde público fez a diferença no Canadá”, garante o historiador Henry Vivian Nelles. “A população está mais saudável porque procura os cuidados médicos sem medo dos custos, como nos EUA.”
nesta luta. A própria geografia ajudou: “Muita da diferença de números do Canadá pode ser explicada por uma população dispersa, além claro de uma intervenção social agressiva e de um alto grau de obediência da população em relação às recomendações das autoridades de saúde”, explica o historiador.
Ao contrário de países como Itália ou Espanha, onde o sistema de saúde entrou em colapso, o Canadá conseguiu dar resposta a um surto que não foi tão intenso e, tendo começado na China e passado para a Europa, deu tempo às Américas para se prepararem. E, como lembra Nelles, “Toronto foi um epicentro da SARS e na altura o sistema quase entrou em colapso. Aprendeu-se muito com essa experiência e isso ajudou a lidar com esta crise.”
E não é só no combate à covid-19 que o Canadá está a fazer melhor do que o vizinho do sul em termos de saúde. Basta olhar para a esperança média de vida que no Canadá está acima dos 82 anos enquanto nos EUA é de 78,5 ou para a mortalidade infantil – 4,3 por mil contra 5,8 por mil.
Voltando à covid, o sucesso canadiano não é homogéneo. É no Quebec, a grande província francófona, que se registam mais de metade dos casos e a maioria dos mortos – quase 4800 dos 7600. As férias de primavera, que ali ocorreram antes do confinamento, um velho problema com os lares e ter feito muitos testes são algumas explicações, Mas Nelles prefere não tirar grandes conclusões, até porque nos últimos dias o Ontário, onde ficam Otava e a cidade mais populosa do país, Toronto, tem uma taxa de infeção maior.
Uma resposta global à crise financeira
Membro do G7 e décima economia mundial, com um PIB de 1,7 biliões de dólares, o Canadá não deverá escapar à crise económica que se seguirá à crise pandémica. O FMI prevê que a economia canadiana encolha 6,2% em 2020. Só em abril, o país perdeu dois milhões de empregos e a taxa de desemprego mais do que duplicou para os 14% entre fevereiro e abril.
Com a fronteira com os EUA, o seu primeiro parceiro comercial, ainda fechada e com todo o mundo a antecipar a pior recessão desde os anos 1930, o Canadá deverá sofrer na pele as consequências da sua dependência de uma economia altamente globalizada.
Em finais de maio, Trudeau liderou um apelo à cooperação global na luta contra os efeitos da pandemia, sob a égide da ONU. Numa videoconferência com meia centena de líderes mundiais, o primeiro-ministro canadiano sublinhou a necessidade de trabalhar em conjunto para evitar os efeitos devastadores da pandemia, tanto em termos de saúde como económicos e sociais. O apelo, apadrinhado pelo secretário-geral da ONU, o português António Guterres, parece um bom augúrio para o Canadá que neste mês de junho vai disputar com a Noruega e a Irlanda um de dois lugares não permanentes livres no Conselho de Segurança.