Liverpool suspira de alívio. A Premier League regressa após vencer a resistência dos jogadores
Começando pelo fim, a Líbia está atualmente na chamada fase 5 da guerra, sendo que esta equivale também ao fim da 2.ª Guerra Civil. Confuso? Eu explico! A fase 1 foi o levantamento popular em 2011 contra Kadhafi, não se podendo considerar uma guerra civil, já que apenas 20% dos apoios tribais de sempre se mantiveram fiéis a Kadhafi, juntamente com a família. Ou seja, não houve uma rutura na população dividindo-a ao meio, antes um “todos contra Kadhafi/família/regime”. Os anos que se seguiram, 2012-13, até foram “anos bons”, já que o preço do crude estava em alta, permitindo consensos e alguma reconstrução. O verão de 2014 marca o início da 1.ª Guerra Civil líbia (fase 2), cuja disputa principal se centrou no controlo do aeroporto de Trípoli e é este o momento que marca o princípio do fim dos consensos, com o desmembramento da “Frente Revolucionária” que se formou para derrotar Kadhafi. Zintane e Misrata que se uniram separaram-se, tornando-se inimigos. Em simultâneo realizam-se eleições para o Novo Parlamento Líbio, Câmara dos Representantes, cujo resultado é contestado pelos islamistas, com várias fações a controlarem diferentes pontos estratégicos da capital e o Parlamento decide mudar-se para Tobruk/Cirenaica, no leste do país (fase 3).
Esta guerra acalmou um pouco com esta solução de recurso, levando ao acordo político de dezembro de 2015 que, ao invés de simplificar a situação complicou-a ainda mais, pois introduziu um terceiro governo, o GNA (governo de acordo nacional), “cozinhado” a partir do exterior, com reconhecimento das Nações Unidas (ONU), a qual na verdade apoiava várias fações no seu seio, criando uma “dinâmica proxy”. Este facto fez os líbios entrarem na fase 4 do conflito, que na verdade e em simultâneo é a 2.ª Guerra Civil líbia do pós-Kadhafi, ou simplesmente a “guerra por Trípoli”, que começou em abril de 2019, em que uma vez mais antigos aliados e inimigos mudam de posição, mas neste caso fruto de divisões internas no seio dos referidos Zintane e Misrata, por desgaste e/ou simples interesses clânicos, uns aliam-se ao polo agre
gador que surgiu na Cirenaica à volta do marechal Haftar, outros contra.
Para resumir este processo ao essencial, neste momento há duas frentes antagónicas, o referido GNA que controla a Tripolitânia, a oeste e, o LNA (Exército Nacional Líbio), liderado pelo marechal Haftar e que controla a Cirenaica, a leste.
A atual fase 5 corresponde também ao fim da 2.ª Guerra Civil líbia, que se concretizou com a tomada da Base Aérea de Al-Watiya pelo GNA, em maio último, o quartel-general do LNA de Haftar, na frente ocidental a meros 130 quilómetros de Trípoli. A conquista desta base aérea tem a importância de permitir aos turcos terem uma infraestrutura segura e permanente para deslocar todo o aparato militar que quiserem para a Líbia, por via aérea. agência de contratos militares privados, considerada hoje uma das maiores organizações militares privadas do mundo. Falamos naturalmente de mercenários, o que nos remete para uma nova e interessante realidade do século XXI, a privatização da guerra. Para além dos russos, o LNA conta também com os apoios do Egito, dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e, curiosamente, da França, embora esta se mantenha num registo mais discreto, já que se trata também de um Estado-NATO, aparentemente do lado errado da barricada.
Começando já por “descascar” a França, este alinhamento aparentemente contranatura está ancorado nos megacontratos assinados com os EAU, nos setores ferroviário, da construção civil e das indústrias aeronáutica (Airbus A380) e espacial. No particular da indústria espacial há a realçar, sobre os dois satélites óticos encomendados à França que, na cascata de subcontratações, cuja cabeça é o Grupo Airbus, a empresa Thales Alenia Space tem capitais da italiana Finmeccanica, ilustrativo das interceções de interesses dos Estados, que têm provocado a inação da União Europeia (UE) neste tabuleiro. Considerar ainda os setores energético e militar.
Concluindo o vetor França, é esta dependência comercial que a faz ir a reboque dos EAU na equação líbia, beneficiando ainda do petróleo do Golfo.
O principal interesse da Turquia de Erdogan prende-se muito com o ego do “novo sultão”. Desde logo, tem ambições a uma reconstituição mediterrânica do antigo Império Otomano, o que automaticamente o legitimaria como líder muçulmano num mundo islâmico sem hierarquia e competitivo nesse sentido. Continuando no âmbito do ego, Erdogan quer vingar a destituição de Mohammed Morsi da presidência egípcia pelo general Sissi, consequente prisão do primeiro e tratamento desumano no cárcere que o levou à morte. Neste particular, Erdogan quer fazer de Sissi o seu mameluco, o seu escravo. O presidente da Turquia aproveita também esta deslocalização do confronto turco-russo da Síria para a Líbia para finalmente arrumar um assunto vital neste processo de consagração no poder e ter mão completa num exército moldado por Mustafa Kemal Atatürk, estruturalmente laico e avesso à islamização crescente do “novo sultão”. Tendo este assunto resolvido, terá duas pedras na mão, uma para atirar à UE e outra para atirar à NATO.
Para concluir os interesses dos restantes apoiantes do GNA, a Itália é o ex-colonizador da Líbia, cuja petrolífera ENI quer manter os seus interesses contratuais de prospeção intactos. Sobre a ENI, realçar que em 2011 era detentora de cerca de um terço do capital da Galp, pelo que hoje os interesses da ENI na Líbia deverão continuar a ser coincidentes com os da portuguesa Galp. A Itália também é o país europeu mais prejudicado pela vaga de migração clandestina vinda da África subsariana, precisamente via Líbia, e vê na estabilização deste país um dado essencial para a sua segurança, bem como da Europa.
Quanto ao Qatar, parceiro prosélito desta nova Turquia na divulgação do ideário da Irmandade Muçulmana (IM), tem também contas a ajustar com o Egito de Sissi desde o golpe que o levou ao poder. Por outro lado, o Qatar é a chamada “potência mediática” e esta guerra não seria a mesma sem a presença da Al-Jazeera. Por isso mesmo, neste canal de TV o marechal Haftar é sempre (des)considerado como um senhor da guerra e não mais do que isso.
Do outro lado da trincheira o LNA tem na Rússia a sua âncora, a qual tem como objetivo estratégico e inegociável o clássico acesso a “águas quentes”. Por isso mesmo nunca deixou de apoiar a família Assad na Síria, nem nunca abandonou as bases de Tartous e Latakia na costa mediterrânica síria. Dito isto, talvez a Crimeia faça agora mais sentido neste binómio mar Mediterrâneo/mar Negro, para quem até aqui ainda não tenha tido uma perspetiva macro. Acrescentar também que em aliança com o Egito, como se verifica, com acesso livre ao canal de Suez, rapidamente acede ao mar Arábico, ao golfo Pérsico, ao Índico e ao Pacífico. Isto é imperativo para quem compreende que quem dominar os mares domina o mundo.
O Egito tem um presidente com um ego faraónico do mesmo tamanho que o de Erdogan e a parada é pessoal entre os dois, sobretudo pelo destino que o general Sissi deu ao ex-presidente Morsi. Destino esse que não teria valido a pena dar caso a vizinha Líbia se torne uma plataforma de projeção de força para o ideário da IM no norte de África. Para Sissi se manter no poder necessita de uma Líbia livre da IM e do consequente salafismo em que sempre descamba, ora em apoio ora como sabotador da hegemonia da Irmandade. O Egito joga agora um jogo mais seguro do que o que foi obrigado a jogar durante a Guerra Fria, quando era obrigado a optar entre soviéticos e americanos. Agora joga nos dois tabuleiros em simultâneo, estando com os russos nesta frente e mantendo três mil milhões de dólares anuais (valores nunca confirmados) vindos através da cooperação técnico-militar que mantém com os americanos. Foi para não perder o Egito da sua órbita que a administração Obama nunca considerou a chegada de Sissi à presidência como um golpe de Estado, apelidando-a sempre
Voltando ao início, à atual fase 5, que se iniciou no mês passado com a tomada da base aérea de Al-Watiya e que marca também o fim da 2.ª Guerra Civil. Desde então, o momento tem sido de pedido de cessar-fogo de russos e egípcios, na tentativa de que o mesmo aconteça enquanto continuam numa posição de alguma vantagem na “fronteira” entre a Tripolitânia e a Cirenaica, que veio a perder-se durante esta semana, pois a Turquia hegemónica com a recente conquista, continuou a avançar para sudoeste, Tarhuna, a porta de acesso a Bani Walid e, para o leste, com Sirtre praticamente conquistada pelo GNA ao LNA. Será provavelmente a tomada de Sirtre que poderá resultar num breve cessar-fogo, não desejado pela Turquia, mas que permitirá aos russos substituírem o marechal Haftar por Aguila Saleh, o presidente da Câmara dos Representantes, dando-lhes, aos russos, uma maior oportunidade de ganhos, numa negociação entre uma nova liderança do LNA com o primeiro-ministro Al-Sarraj. Para os russos, basta-lhes a Cirenaica para garantirem os seus interesses. Mas, como aos turcos só interessa uma Líbia unificada vão continuar a avançar para leste, independentemente de haver negociação ou não, o que suscitará uma oposição firme da Rússia e do Egito, abrindo a porta finalmente à entrada dos americanos em cena, com o principal e clássico interesse de travar os russos nos seus intentos estratégicos. Os comunicados/avisos crescentes do AFRICOM têm apontado nesse sentido e Trump ainda não teve uma guerra, o que, com eleições dentro de cinco meses, será o timing perfeito para a dramatização, num momento em que para a atual administração é imperativo fazer esquecer os “momentos covid & Floyd”. A 3ª Guerra Civil líbia será a consolidação de uma guerra proxy às portas da Europa, fruto da “sirianização” deste confronto entre Tripolitânia e Cirenaica.
Lembram-se do Brexit? Pois é, parece que andámos exaustivamente a discuti-lo há coisa de dez anos, tal está a ser 2020, mas vale a pena voltarmos a ele à entrada de duas semanas de intensa pressão na Europa. Três fatores estão a contribuir para isso: a expectativa de que o Conselho Europeu de quinta-feira aprove o programa financeiro da Comissão com vista à recuperação europeia pós-covid; o final do prazo para uma eventual extensão do período de transição do Brexit para lá do final deste ano; a pressa que a Alemanha tem de ver estas e outras questões alinhadas antes do início da presidência rotativa da União Europeia (UE), a 1 de julho. No meio da maior contração económica no pós-Guerra, vale a pena olharmos para tudo isto com algum pormenor.
Já aqui elogiei os acertos rápidos da UE depois de uma entrada absolutamente errática na gestão da pandemia. A dimensão da crise nas principais economias do euro e uma alteração importante na posição alemã acabaram por ditar um roteiro inédito, quer nos montantes disponibilizados pelas instituições quer na aceleração das decisões. Mas como o ceticismo analítico continua a ser um bom conselheiro, é bom lembrar que estamos ainda no plano das propostas e que para chegarmos às aprovações alguns dos irredutíveis vão ter de mudar de posição a troco de alguma coisa.
Nos últimos dias, percebemos que a Dinamarca flexibilizou a sua postura negocial, podendo eventualmente arrastar a Suécia consigo, até pelo desastre levantado pela gestão alternativa da covid. Sabemos que a Áustria alinha habitualmente com a Alemanha, mesmo que a juventude do seu chanceler obrigue a alguma demarcação conjuntural. E que os holandeses já sinalizaram não haver pressa, apostando tudo numa posição de isolamento para liderar uma barricada ideológica vista simultaneamente como alternativa ao eixo franco-alemão e como ocupante de um espaço a norte de influência pós-Brexit. Já a Hungria, que começou por rejeitar o plano Von der Leyen por considerar que favorecia as economias mais ricas, admitiu entretanto aprová-lo após reunir o grupo de Visegrado. A Polónia, um dos maiores beneficiados do plano de recuperação, terá certamente ditado o resultado final da posição dos quatro, embora seja expectável que Orbán tente trazer de Bruxelas mais qualquer coisa que satisfaça a sua agenda interna.
Apesar destas evoluções, dificilmente este próximo Conselho Europeu será conclusivo como muitos europeus esperariam. Há dias, em entrevista ao La Repubblica, Lars Feld, o principal conselheiro económico de Merkel, apontava já a presidência alemã como o tempo da aprovação dos pormenores, o que abre a hipótese de um Conselho Europeu extraordinário em julho. Aí será não só importante definir todos os condicionalismos associados aos subsídios e aos empréstimos, como também os calendários em que os fundos chegarão às economias mais atingidas pela covid.
As teses mais pessimistas, como um estudo recente do Bruegel, apontam apenas 2023 como o ano em que três quartos das verbas chegarão aos Estados membros. Já a Comissão aponta 2022 como alvo de 60% das mesmas. É tarde, muito tarde. Pode, aliás, ser fatal para Estados membros como Portugal, cujas recuperação económica, criação de emprego e coesão social estão praticamente dependentes das soluções e dos calendários da UE. O próximo Conselho Europeu pode não ser definitivo numa série de detalhes, mas precisa de emitir um sinal claro sobre a rapidez dos apoios, caso contrário volta a quebrar-se a confiança reconquistada no último mês. Portugal só tem a ganhar se for portador, à saída da reunião, da mensagem certa.
Vamos ao Brexit? Os negociadores da UE e do Reino Unido reuniram-se quatro vezes desde março, quando a pandemia se impôs na política internacional. Destes encontros pouco ou nada resultou. O período de transição chegou a meio e praticamente nada avançou. O acordo comercial está parado, os pormenores sobre a gestão da questão fronteiriça entre as Irlandas também, e o espectro de um hard Brexit regressou aos cálculos das associações empresariais e industriais britânicas, bem como dos
Estados membros na linha da frente do comércio bilateral, como a Holanda e a Bélgica, cujo alarme vai provavelmente levá-los a debater o tema no Conselho Europeu. Perante isto, Londres tem até ao final de junho para solicitar uma extensão do período de transição, mas Boris Johnson não dá sinais de querer fazê-lo. A má gestão da pandemia tem levado os conservadores a uma queda abrupta nas sondagens (apenas mais 6%) e a mudança na liderança trabalhista trouxe outro acerto à oposição, mas nem isso fez que a posição britânica assumisse uma especial sensatez.
No atual contexto, diferente do que levou Johnson a jurar nunca requisitar prolongamentos de prazos a Bruxelas (campanha para as legislativas em dezembro de 2019 e dia do Brexit, a 31 de janeiro de 2020), faria todo o sentido assumir que mais um ano de negociações contribuiria para um bom acordo, sem
AAmérica parece estar a viver a sua primavera. Ninguém o previu, mas, uma vez mais, ficou claro que acontecimentos singulares e inesperados podem “mexer” com o curso da história, provocando eventualmente mudanças drásticas e mesmo radicais. Ainda é cedo para saber todas as mudanças que o assassínio de George Floyd – mais um negro vítima do racismo americano, em pleno século XXI – poderá provocar, internamente, na principal potência mundial, mas os sinais já existentes permitem imaginar que serão mudanças importantes e significativas.
Apenas o futuro dirá quão radicais serão essas mudanças, mas não parece demasiado arriscado prever que poderão conduzir, dentro de 50 anos, a um contexto tão imprevisível e profundamente diferente em relação ao statu quo da época como o cenário provocado pelo movimento liderado por Martin Luther King pelos direitos civis dos negros, que, no mesmo período de tempo, levou à presidência o primeiro afro-americano, Barack Obama.
Espantou, desde logo, o impacto causado pelo homicídio – é assim que os procuradores se apressaram a classificar o sucedido – de Floyd às mãos de um grupo de quatro agentes da polícia de Minneapolis. Manifestações de repúdio surgiram em centenas de cidades norte-americanas, incluindo a capital,Washington, prolongando-se até à data. Do protesto contra o assassínio de George Floyd e da exaltação, sintetizada no slogan “Black Lives Matter”, de todos os negros vítimas, como ele, da violência policial, as manifestações evoluíram rapidamente para propostas de mudanças profundas no sistema policial e criminal do país, comprovadamente discriminatório, como atestado por estatísticas abrangentes e reputadas, relativamente aos cidadãos negros e outras minorias.
A perspicaz observação do atorWill Smith faz todo o sentido: “O racismo não tem ficado pior, o que acontece é que agora é filmado”, disse ele, aludindo ao facto de ter sido uma gravação amadora, feita com um telemóvel e que rapidamente se espalhou não apenas dentro dos Estados Unidos, mas, literalmente, pelo planeta inteiro, o facto que espoletou as ondas de choque subsequentes, no país e no mundo. Tal reação, note-se, é ainda mais impressionante por estarmos em plena pandemia de covid-19, que aconselha o isolamento e o confinamento gerais.
De qualquer modo, a minha opinião é que, além dessa circunstância – o assassínio de Floyd ter sido assistido quase “em direto” em todo o mundo –, pesou sobretudo o facto de, nos últimos anos, terem-se sucedido casos semelhantes, não tendo a justiça, de acordo com a perceção maioritária, responsabilizado devidamente os seus autores. O homicídio de George Floyd foi, portanto, a gota de água que fez transbordar o copo. Como disse o seu irmão na audiência inicial na Câmara dos Representantes, que está a discutir uma proposta de reforma policial submetida pelos democratas, os negros americanos – e todos aqueles que são contrários à persistente discriminação de que os mesmos continuam a ser alvo – estão cansados.
Será que a América está – como se antecipou o antigo presidente Barack Obama a dizer – num ponto de viragem? O facto de, nas manifestações que prosseguem em todas as cidades do país, estarem presentes cidadãos de todas as cores, idades, género, profissão e outras características alimenta essa possibilidade, embora só o desenrolar dos acontecimentos o possa confirmar ou desmentir. Obama realçou em particular a responsabilidade da juventude. “Nas últimas semanas, vimos os jovens posicionando-se e assumindo a liderança em todos os cantos do país. Através da organização e da mobilização, eles estão a mostrar-nos como é que podemos sustentar este momento para se conseguir uma mudança real”, disse ele, na sua conta pessoal no Twitter.
Para o reverendo Jesse Jackson, ativista dos direitos civis e antigo candidato presidencial, essa mudança não deve limitar-se à reforma do sistema policial e criminal. Em entrevista à CNN, ele afirmou que os Estados Unidos precisam também de reformar a economia e a saúde. Segundo mostram todas as estatísticas, os afro-americanos são os mais afetados pela pobreza e os que mais sofrem – como se vê agora na pandemia do novo coronavírus – com a falta de um adequado atendimento médico. Numa palavra, o antirracismo deve caminhar lado a lado com a luta pela justiça social.
Não será fácil, por duas razões. Primeiro, o modelo de sociedade do país tem uma dificuldade histórica em compatibilizar o individualismo, a livre iniciativa e a democracia política com um maior equilíbrio social, como se percebe pelo debate interminável sobre o sistema de saúde. Segundo, o atual presidente norte-americano, Donald Trump, não parece, pelo menos até agora, sensível à voz das ruas, pelo contrário, prefere opor-se a ela com todo o peso da “law and order” (lei e ordem), tendo chamado “terroristas” aos manifestantes e ameaçado chamar as Forças Armadas para contê-los. A reação contrária de vários líderes militares, entretanto, confirma, apesar de tudo, a vitalidade do sistema democrático americano.
Os cidadãos americanos saberão, seguramente, encontrar as soluções consensuais ou maioritárias para ultrapassarem o atual momento, não apenas desmantelando o racismo estrutural que ainda prevalece no país, mas também aprofundando os seus melhores valores tradicionais, que são um exemplo para todos os povos. Por isso, o mundo acompanha com o máximo interesse o que está a acontecer na América.
A grande questão é: para onde penderá o liberalismo americano? Para o populismo conservador e supremacista branco ou para a consolidação da sociedade diversificada e aberta ao mundo correspondente à sua maioria demográfica, construída ao longo das últimas décadas?
Os reds estão a duas vitórias de serem campeões após 30 anos de jejum. O sonho que chegou a estar ameaçado devido à desconfiança dos futebolistas: N’Golo Kanté, o mais bem pago do Chelsea, é o último resistente e mantém-se em isolamento. Os clubes evitam perdas de mais de 800 milhões de euros.
APremier League está de volta na próxima quarta-feira com a realização de dois dos 92 jogos que restam para terminar a época 2019-20. Os adeptos do Liverpool podem suspirar de alívio, afinal a pandemia de covid-19 não lhes irá retirar a possibilidade de, finalmente, conquistarem o título de campeão inglês, quebrando um jejum que dura desde 1990. Foram 30 anos de sucessivas desilusões que parecem estar agora a chegar ao fim, pois à equipa treinada por Jürgen Klopp faltam apenas duas vitórias para erguer o seu 19.º título.
O regresso do campeonato é, no fundo, muito importante para os reds confirmarem o título, uma vez que já dispõem de 25 pontos de avanço sobre o Manchester City, que tem um jogo a menos, precisamente aquele que fará quarta-feira (20.15 horas), em casa, com Arsenal, naquele que será o segundo jogo da retoma e que se inicia pouco mais de duas horas depois do apito inicial do Aston Villa-Sheffield United.
Foram precisamente os villians que protagonizaram o último jogo antes da paragem forçada, a 9 de março. Depois disso houve um autêntico apagão que na prática ameaçou a sustentabilidade daquela que é a considerada a mais mediática e financeiramente mais poderosa liga do mundo. Em causa estiveram perdas totais a rondar os 762 milhões de libras (856 milhões de euros) só em direitos de transmissão televisiva se o campeonato não pudesse ser retomado. A isto ter-se-iam juntado as receitas de bilheteira, publicidade, merchandising, entre outras.
Solução criativa para salvar milhões
Só que quando a 11 de maio a liga inglesa recebeu luz verde do governo de Boris Johnson para que o futebol pudesse ser retomado, os clubes suspiraram de alívio e puderam, finalmente, colocar em marcha o Project Restart (Projeto Reinício) que abriu caminho à retoma da competição e salvou os clubes de prejuízos astronómicos. Ou seja, a fatia dos direitos televisivos correspondente aos últimos 92 jogos da temporada vão ser pagos, mas as operadoras de televisão detentoras dos direitos não estão na disposição de abdicarem da devolução de 340 milhões de libras (382 milhões de euros), verba considerada como uma espécie de indemnização pelo facto de os jogos não se terem disputado nas datas previamente acordadas, mas também porque agora as partidas vão realizar-se sem público nas bancadas.
Este não é, no entanto, um assunto fechado, pois os clubes estão bastante otimistas na resolução do problema e, para isso, apelaram à criatividade para manter os milhões do seu lado. E o trunfo colocado em cima da mesa foram os bastidores dos jogos. Foi proposta aos operadores a colocação de câmaras de filmar nos balneários das equipas para que, durante um minuto, possam ser transmitidas antes, ao intervalo e no final das partidas, sendo que no final dos jogos apenas estaria disponível o balneário da
equipa vencedora. A liga inglesa ainda ponderou propor aos treinadores que usassem microfones durante as partidas, mas essa ideia acabou por ser abandonada devido ao perigo muito real de os palavrões se tornaram um problema das transmissões.
Ainda não é conhecida a resposta das operadoras a esta proposta, mas os clubes estão otimistas em alcançar um acordo para que não saiam mais lesados pela pandemia, afinal já não vão ter receitas de bilheteira, pelo menos até final da época.
Futebolistas com posição forte
O Project Restart foi tudo menos pacífico. Mesmo depois de ter tido o aval do governo britânico, a liga inglesa teve de sensibilizar todas as classes que integram o futebol profissional e para isso desdobrou-se em reuniões com as associações de treinadores, jogadores e árbitros para discutir o plano de retoma.
Um dos primeiros problemas foi quando a maioria dos clubes se opôs à realização dos jogos em terreno neutro, numa medida que pretendia centrar todas as equipas numa zona do país para que estivessem mais protegidas. O St. George’s Park, centro de treinos da seleção inglesa, bem no centro de Inglaterra, foi considerado, mas depressa abandonado, mantendo-se a utilização de todos os recintos.
Contudo, foram as questões de higiene e segurança que mais ameaçaram o plano e
Está em estudo a hipótese de serem colocadas câmaras de filmar nos balneários das equipas para que, durante um minuto, possam transmitir, antes dos jogos, ao intervalo e no final das partidas. Neste caso só do balneário da equipa vencedora.
desde logo se ouviram várias vozes discordantes, uns porque não se sentiam confortáveis em regressar aos treinos e outros porque lembravam a tragédia que o covid-19 estava a provocar em todo o mundo. O defesa internacional inglês Danny Rose, emprestado pelo Tottenham ao Newcastle, lembrou precisamente o facto de estarem “muitas pessoas a morrer” e que o futebol era, naquela altura, “a coisa menos importante”.
Houve um nome que emergiu nesta tensão entre a liga e os jogadores: Troy Deeney, capitão do Watford, que desde logo manifestou dúvidas quanto ao plano de segurança dos jogadores e avisou que não regressaria aos treinos. E a explicação era contundente, pois tinha em casa um filho de cinco meses que tinha um histórico de problemas respiratórios e, como tal, não o iria colocar em perigo.
Desde bem cedo, a Associação de Futebolistas Profissionais (PFA) fez questão de informar que o regresso dos jogadores aos treinos não era obrigatório, o que deu ainda mais força à classe. No entanto, as conversações prosseguiram, com a liga a promover reuniões com epidemiologistas. E no final de maio lá surgiu a aprovação para que as equipas voltassem a treinar. O Arsenal foi o primeiro.
Só que Deeney manteve-se em casa. Até que a 3 de junho, após uma conversa com o médico epidemiologista Jonathan Van-Tam, conselheiro do governo britânico para o coronavírus, o capitão do Watford decidiu finalmente regressar ao trabalho com a sua equipa.
O estranho caso de N’Golo Kanté
Um caso mais complicado é o de N’Golo Kanté, um dos jogadores com salário mais alto do Chelsea, que se remeteu a um distanciamento social voluntário e recusa-se a treinar com os companheiros de equipa. O internacional francês acedeu entretanto a ir trabalhar no centro de estágio de Cobham, mas sozinho. Um passo que os responsáveis do clube londrino acreditam que possa indiciar que, em breve, a situação ficará normalizada.
Até agora, o treinador Frank Lampard e os dirigentes do Chelsea têm mostrado alguma compreensão em relação à decisão de Kanté, que foi justificada pelo guarda-redes Willy Caballero numa entrevista ao canal TNT Sports, na qual revelou que o internacional francês “teve sintomas de covid-19 durante a quarentena no Reino Unido”. Acresce a este dado o facto de o atleta ter passado por duas tragédias na sua vida, uma das quais quando perdeu o pai quando tinha onze anos e outra em 2018 quando o irmão Niamh morreu de ataque cardíaco.
Esta é, neste momento, a única situação problemática em relação ao regresso ao trabalho, sendo que já começam a surgir notícias na imprensa inglesa de que os pouco tolerantes dirigentes do Chelsea - o proprietário Roman Abramovich à cabeça - já começam a mostrar algum desconforto pela intransigência do médio.
Tal como nos restantes campeonatos que entretanto já recomeçaram, entre os quais a Bundesliga e a I Liga portuguesa, os jogadores são testados duas vezes por semana. No entanto, o facto de se ter registado um caso positivo no Tottenham (o nome do jogador não foi divulgado) também não ajuda a restabelecer a confiança de Kanté, apesar de ser o único caso nos 1197 testes realizados na semana passada a jogadores, treinadores e outros profissionais da Premier League. De qualquer forma, dos 3882 testes realizados até agora foram registados 13 casos positivos.
Após alguma indefinição, até porque o Reino Unido foi um dos países mais afetados pela pandemia com quase 300 mil infetados e mais de 40 mil mortos, o espetáculo da Premier League está de volta com as bancadas vazias, mas com muito público a assistir através da televisão. E foi a pensar nisso que a liga e os operadores acordaram que nenhum jogo se irá realizar em simultâneo para que os adeptos possam assistir como se de um campeonato do mundo se tratasse.
Se a curva da pandemia se mantiver estável, a época 2019-20 vai mesmo terminar com o Liverpool campeão, se nada de anormal suceder. Os organizadores também estão otimistas de que tudo vai correr bem e por isso mesmo deixaram em aberto o pior cenário… É que os clubes não estabeleceram qual será o protocolo a utilizar, no que diz respeito ao campeão, lugares europeus e despromoções, se o campeonato não chegar ao fim por causa de um novo surto pandémico. Se isso acontecer voltarão a reunir-se… afinal, para quê arranjar mais um problema que até pode nem surgir no horizonte?