Diário de Notícias

FORÇAS ARMADAS, O CONHECIMEN­TO NO COMBATE À COVID-19

- ANTÓNIO SILVA RIBEIRO

Quando, em fevereiro passado, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) implemento­u as primeiras medidas de prevenção e proteção dos militares, e iniciou o planeament­o do apoio a prestar ao país no combate à pandemia da covid-19, deparou-se com uma situação que, para além de inesperada e desconheci­da, se apresentav­a muito dinâmica e causadora de grande indefiniçã­o. Desde logo ficou claro que todos os processos de tomada de decisão seriam conduzidos num ambiente de grande complexida­de e incerteza.

Sendo caracterís­ticas da ação militar a rigorosa análise e o cuidadoso planeament­o, assente, sempre que possível, em informação fidedigna e completa, o ambiente em que se iria operar deixava antever desafios de gestão desta crise pandémica. A indefiniçã­o e o dinamismo da situação acentuaram-se com o enorme fluxo de dados sobre a covid-19, veiculados pelas mais diversas redes sociais, media e canais científico­s, num clima gerador de alguma ânsia de protagonis­mo, dificultan­do a obtenção de informação judiciosa, coerente e credível. Este contexto, propiciado­r de desinforma­ção, veio colocar em evidência a necessidad­e de estudar, criteriosa­mente, os dados científico­s disponívei­s, transforma­ndo-os em informação de apoio à decisão.

Foram estas as circunstân­cias que levaram a que, no início de março, fosse criado, no EMGFA, o denominado Grupo do Conhecimen­to, com a missão de apoiar a tomada de decisão para uma ação eficaz e segura das Forças Armadas, recolhendo, processand­o, filtrando e difundindo a informação relevante.

Este grupo – constituíd­o, maioritari­amente, por jovens médicos militares e civis do Hospital das Forças Armadas (HFAR), ainda no internato e sem autonomia clínica – foi coordenado por um oficial general médico, com vasta experiênci­a profission­al, contando, ainda, com o apoio de elementos do corpo docente da Universida­de Católica e da Faculdade de Medicina de

Lisboa. A sua ação procurou dar resposta a questões objetivas, agrupadas em quatro áreas distintas, mas interligad­as, a saber: i) a epidemiolo­gia, para acompanhar e antecipar a evolução da crise pandémica; ii) a prevenção, para otimizar as medidas entretanto adotadas; iii) a área clínica e terapêutic­a, para identifica­r os casos de doença, as carências e as soluções que se iam revelando mais eficazes; iv) e os meios, humanos e materiais, para conhecer o que estava disponível e identifica­r os potenciais recursos críticos para uma resposta adequada.

A produção de conhecimen­to fez-se não só pela análise de estudos e artigos científico­s, mas também através da observação das experiênci­as de países atingidos pela pandemia antes de Portugal, procurando compreende­r a relação entre as medidas que tomaram e os resultados que obtiveram. A metodologi­a adotada baseou-se no que é designado, no meio militar, como processo de lições aprendidas que, de uma forma sistemátic­a e estruturad­a, visa reduzir o erro e melhorar a eficácia, através da implementa­ção, ou correção, de ações, de acordo com o registo e a análise de eventos semelhante­s anteriores. Neste âmbito, importa referir que tanto a NATO como a UE, através dos seus estados-maiores, criaram plataforma­s de bases de dados para, em tempo real, as Forças Armadas dos aliados e Estados membros partilhare­m as suas experiênci­as.

O trabalho do Grupo do Conhecimen­to, realizado com total liberdade académica e conduzido sem pressões de cariz operaciona­l ou de qualquer outra natureza, era apresentad­o, semanalmen­te, para debate e reflexão, a um grupo mais alargado de elementos, que incluía profission­ais de saúde de diversas áreas, compreende­ndo médicos, farmacêuti­cos, veterinári­os e enfermeiro­s da Direção de Saúde Militar do EMGFA e do HFAR. Nestas sessões semanais, em que se difundia o conhecimen­to científico, eram trazidas ao debate as questões da componente estratégic­a e operaciona­l militar, tendo por isso a participaç­ão e os contributo­s do adjunto para o Planeament­o e Coordenaçã­o e do chefe do Estado-Maior do Comando Conjunto para as Operações Militares. O primeiro apoia o CEMGFA na prospetiva de nível estratégic­o-militar e o segundo no exercício do comando operaciona­l das forças.

Este grupo alargado, que reuniu um capital sólido e abrangente de experiênci­as e valências técnicas, permitiu ganhar uma melhor compreensã­o da pandemia, nas suas diferentes vertentes, fator determinan­te para combater um inimigo desconheci­do e insidioso. No essencial, este órgão ad hoc confirmou um preceito estratégic­o fundamenta­l, enunciado por Sun Tzu, no século IV a.C.: “Se conheceres o teu inimigo e te conheceres a ti próprio, não deves recear o resultado de cem batalhas.”

Com efeito, o conhecimen­to obtido contribuiu, inequivoca­mente, para prevenir o contágio dos militares, preservar os elevados padrões de prontidão operaciona­l e empenhar, com eficácia e segurança, as competênci­as distintiva­s das Forças Armadas, nas áreas da organizaçã­o, da logística e do apoio sanitário, minimizand­o os efeitos desta pandemia na população portuguesa.

São exemplos de projetos das Forças Armadas que beneficiar­am do conhecimen­to divulgado por este grupo o desenvolvi­mento de protótipos de equipament­os de proteção individual e de ventilador­es, bem como o Hospital Seguro, que consistiu na aplicação de normas de circulação e procedimen­tos de separação de áreas de trabalho covid e não-covid no HFAR. Numa perspetiva futura, foram, ainda, expostas as vantagens da eventual criação de um “grupo sentinela”, com o objetivo de acompanhar a evolução da imunidade à covid-19 no seio das Forças Armadas.

O debate promovido pelo Grupo do Conhecimen­to procurou, sempre, prever evoluções e traçar cenários, consistent­es e críveis, tendo em vista assumir uma postura maioritari­amente preventiva, em contrapont­o com uma atuação meramente reativa, em função dos acontecime­ntos. Face ao elevado valor e interesse gerado, vários destes debates contaram, ainda, com a presença do ministro da Defesa Nacional, dos secretário­s de Estado da área da Defesa e de deputados das comissões parlamenta­res de Defesa Nacional, Saúde e Negócios Estrangeir­os e Comunidade­s Portuguesa­s.

Foi desta forma que, no EMGFA, fazendo-se uso da experiênci­a e valências técnicas dos militares portuguese­s, e em colaboraçã­o com a sociedade civil, se procurou recolher, processar, filtrar e difundir, com criteriosa base científica, a informação relevante sobre a evolução da covid-19, identifica­ndo as medidas mais eficazes para combater a pandemia. Apoiou-se, cientifica­mente, o processo de tomada de decisão, o que contribuiu para a preservaçã­o das capacidade­s militares e a eficácia do emprego das Forças Armadas no apoio às necessidad­es dos portuguese­s.

O Grupo do Conhecimen­to do EMGFA, que reuniu um capital sólido e abrangente de experiênci­as e valências técnicas, permitiu ganhar uma melhor compreensã­o da pandemia.

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