FORÇAS ARMADAS, O CONHECIMENTO NO COMBATE À COVID-19
Quando, em fevereiro passado, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) implementou as primeiras medidas de prevenção e proteção dos militares, e iniciou o planeamento do apoio a prestar ao país no combate à pandemia da covid-19, deparou-se com uma situação que, para além de inesperada e desconhecida, se apresentava muito dinâmica e causadora de grande indefinição. Desde logo ficou claro que todos os processos de tomada de decisão seriam conduzidos num ambiente de grande complexidade e incerteza.
Sendo características da ação militar a rigorosa análise e o cuidadoso planeamento, assente, sempre que possível, em informação fidedigna e completa, o ambiente em que se iria operar deixava antever desafios de gestão desta crise pandémica. A indefinição e o dinamismo da situação acentuaram-se com o enorme fluxo de dados sobre a covid-19, veiculados pelas mais diversas redes sociais, media e canais científicos, num clima gerador de alguma ânsia de protagonismo, dificultando a obtenção de informação judiciosa, coerente e credível. Este contexto, propiciador de desinformação, veio colocar em evidência a necessidade de estudar, criteriosamente, os dados científicos disponíveis, transformando-os em informação de apoio à decisão.
Foram estas as circunstâncias que levaram a que, no início de março, fosse criado, no EMGFA, o denominado Grupo do Conhecimento, com a missão de apoiar a tomada de decisão para uma ação eficaz e segura das Forças Armadas, recolhendo, processando, filtrando e difundindo a informação relevante.
Este grupo – constituído, maioritariamente, por jovens médicos militares e civis do Hospital das Forças Armadas (HFAR), ainda no internato e sem autonomia clínica – foi coordenado por um oficial general médico, com vasta experiência profissional, contando, ainda, com o apoio de elementos do corpo docente da Universidade Católica e da Faculdade de Medicina de
Lisboa. A sua ação procurou dar resposta a questões objetivas, agrupadas em quatro áreas distintas, mas interligadas, a saber: i) a epidemiologia, para acompanhar e antecipar a evolução da crise pandémica; ii) a prevenção, para otimizar as medidas entretanto adotadas; iii) a área clínica e terapêutica, para identificar os casos de doença, as carências e as soluções que se iam revelando mais eficazes; iv) e os meios, humanos e materiais, para conhecer o que estava disponível e identificar os potenciais recursos críticos para uma resposta adequada.
A produção de conhecimento fez-se não só pela análise de estudos e artigos científicos, mas também através da observação das experiências de países atingidos pela pandemia antes de Portugal, procurando compreender a relação entre as medidas que tomaram e os resultados que obtiveram. A metodologia adotada baseou-se no que é designado, no meio militar, como processo de lições aprendidas que, de uma forma sistemática e estruturada, visa reduzir o erro e melhorar a eficácia, através da implementação, ou correção, de ações, de acordo com o registo e a análise de eventos semelhantes anteriores. Neste âmbito, importa referir que tanto a NATO como a UE, através dos seus estados-maiores, criaram plataformas de bases de dados para, em tempo real, as Forças Armadas dos aliados e Estados membros partilharem as suas experiências.
O trabalho do Grupo do Conhecimento, realizado com total liberdade académica e conduzido sem pressões de cariz operacional ou de qualquer outra natureza, era apresentado, semanalmente, para debate e reflexão, a um grupo mais alargado de elementos, que incluía profissionais de saúde de diversas áreas, compreendendo médicos, farmacêuticos, veterinários e enfermeiros da Direção de Saúde Militar do EMGFA e do HFAR. Nestas sessões semanais, em que se difundia o conhecimento científico, eram trazidas ao debate as questões da componente estratégica e operacional militar, tendo por isso a participação e os contributos do adjunto para o Planeamento e Coordenação e do chefe do Estado-Maior do Comando Conjunto para as Operações Militares. O primeiro apoia o CEMGFA na prospetiva de nível estratégico-militar e o segundo no exercício do comando operacional das forças.
Este grupo alargado, que reuniu um capital sólido e abrangente de experiências e valências técnicas, permitiu ganhar uma melhor compreensão da pandemia, nas suas diferentes vertentes, fator determinante para combater um inimigo desconhecido e insidioso. No essencial, este órgão ad hoc confirmou um preceito estratégico fundamental, enunciado por Sun Tzu, no século IV a.C.: “Se conheceres o teu inimigo e te conheceres a ti próprio, não deves recear o resultado de cem batalhas.”
Com efeito, o conhecimento obtido contribuiu, inequivocamente, para prevenir o contágio dos militares, preservar os elevados padrões de prontidão operacional e empenhar, com eficácia e segurança, as competências distintivas das Forças Armadas, nas áreas da organização, da logística e do apoio sanitário, minimizando os efeitos desta pandemia na população portuguesa.
São exemplos de projetos das Forças Armadas que beneficiaram do conhecimento divulgado por este grupo o desenvolvimento de protótipos de equipamentos de proteção individual e de ventiladores, bem como o Hospital Seguro, que consistiu na aplicação de normas de circulação e procedimentos de separação de áreas de trabalho covid e não-covid no HFAR. Numa perspetiva futura, foram, ainda, expostas as vantagens da eventual criação de um “grupo sentinela”, com o objetivo de acompanhar a evolução da imunidade à covid-19 no seio das Forças Armadas.
O debate promovido pelo Grupo do Conhecimento procurou, sempre, prever evoluções e traçar cenários, consistentes e críveis, tendo em vista assumir uma postura maioritariamente preventiva, em contraponto com uma atuação meramente reativa, em função dos acontecimentos. Face ao elevado valor e interesse gerado, vários destes debates contaram, ainda, com a presença do ministro da Defesa Nacional, dos secretários de Estado da área da Defesa e de deputados das comissões parlamentares de Defesa Nacional, Saúde e Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.
Foi desta forma que, no EMGFA, fazendo-se uso da experiência e valências técnicas dos militares portugueses, e em colaboração com a sociedade civil, se procurou recolher, processar, filtrar e difundir, com criteriosa base científica, a informação relevante sobre a evolução da covid-19, identificando as medidas mais eficazes para combater a pandemia. Apoiou-se, cientificamente, o processo de tomada de decisão, o que contribuiu para a preservação das capacidades militares e a eficácia do emprego das Forças Armadas no apoio às necessidades dos portugueses.
O Grupo do Conhecimento do EMGFA, que reuniu um capital sólido e abrangente de experiências e valências técnicas, permitiu ganhar uma melhor compreensão da pandemia.