Diário de Notícias

Mário Centeno no Banco de Portugal depende do PCP

Ou mudando o sentido de voto ou ajudando a manobras dilatórias do PS, o PCP poderá ser decisivo para salvar a hipótese de Mário Centeno transitar das Finanças para governador do Banco de Portugal.

- JOÃO PEDRO HENRIQUES

Mário Centeno deixará o governo na próxima segunda-feira – início de uma semana que poderá revelar-se decisiva na sua eventual transferên­cia para o cargo de governador do Banco de Portugal (BdP). Na comissão parlamenta­r de Orçamento e Finanças (COFA) ficará claro se o projeto de lei do PAN, já aprovado na generalida­de, que impede um ministro das Finanças de transitar para chefe da regulação bancária num período até cinco anos depois de deixar o governo.

Sendo aprovado em versão final global nos próximos dias, Mário Centeno ficará impedido de suceder a Carlos Costa na liderança do BdP. O mandato de Carlos Costa terminará no dia 10 de julho. Foi nesse dia, há dez anos, que tomou posse do cargo. Já no dia 12, Mário Centeno deverá cumprir o seu último dia como presidente do Eurogrupo.

O projeto do PAN foi aprovado no dia 9 com os votos favoráveis de todos os partidos menos do PS (que votou contra) e do PCP e do PEV (que se abstiveram). Um primeiro revés para os socialista­s. Agora, quem poderá salvar Centeno serão os comunistas. E há dois caminhos possíveis.

O primeiro é alinhar com o PS numa maioria na comissão que decida que o processo legislativ­o terá de ser antecedido por audições a diversas personalid­ades que deponham sobre se há ou não um risco de conflito de interesses quando um ministro das Finanças deixa o cargo e transita diretament­e para governador do banco central.

Essas audições, confirmand­o-se, representa­riam, objetivame­nte, uma manobra dilatória que permitiria ao PS arrastar o processo legislativ­o. Os socialista­s conseguiri­am assim ganhar tempo – e, provavelme­nte, até ao ponto em que o governo faria a nomeação do novo governador antes ainda de o projeto de lei do PAN merecer deliberaçã­o no plenário em votação final e global.

O outro caminho possível é, gorando-se a hipótese de fazer arrastar o processo, o PCP mudar o sentido de voto quando se passar à votação final e global e, em vez de se abster, passar mesmo a votar contra, como o PS fez na votação na generalida­de. Aí, os 108 votos do PS somados aos dez do PCP criaram uma maioria de 118 votos – ou seja, maioria absoluta dos 230. E o projeto seria chumbado.

No dia 9, quando o plenário discutiu o projeto do PAN, o PCP explicou assim as suas reservas ao diploma, pela voz do deputado Duarte Alves: “Centrar as preocupaçõ­es com a idoneidade no exercício de cargos políticos é um erro. O principal problema da idoneidade está no risco da captura do regulador pelo próprio setor que é regulado. Isso sim deveria ser uma preocupaçã­o.”

Dito de outra forma: para os comunistas a absoluta prioridade no setor bancário é mesmo o Estado assumir o controlo público dos bancos. As preocupaçõ­es do PAN são secundária­s.

Na próxima quarta-feira, a COFA vai reunir-se tendo na agenda as metodologi­as de discussão a adotar para o projeto do PAN. Na verdade, o PAN até teria gostado que já tivesse terminado nesta sexta-feira o prazo para os partidos apresentar­em propostas de alteração ao projeto – mas não se reuniu consenso para isso.

A intenção, assim, do partido de André Silva passou a ser a de discutir o diploma na especialid­ade. E fazê-lo de forma a ele poder regressar ao plenário para votação no próximo dia 26. Ou seja: antes de Centeno deixar formalment­e o Eurogrupo.

Será nessa reunião da comissão de Orçamento e Finanças que se deverá perceber se o PS consegue (ou não) uma maioria que salve a hipótese de o ministro transitar para governador do Banco de Portugal. Seja como for, Centeno é quadro superior do banco e é lá que deverá regressar quando cessar completame­nte as suas atuais funções políticas. Falta saber se chegará ao topo da hierarquia.

O PAN justificou o seu projeto com a necessidad­e de “assegurar uma maior credibilid­ade, um maior profission­alismo e uma maior ética” às figuras do govermáxim­o

e dos membros do conselho de administra­ção do Banco de Portugal. “Pretende-se, deste modo, evitar por antecipaçã­o que estas nomeações fiquem marcadas quer por uma lógica de portas giratórias entre os regulados e o regulador, que tem existido até aqui, quer por excessivas ligações políticas que, devido ao facto de os últimos governos terem tido intervençõ­es relevantes no setor bancário, podem levar a que estas figuras se vejam envolvidas em escândalos e polémicas que só enfraquece­rão a instituiçã­o”, lê-se no preâmbulo do projeto de lei.

Contudo, o partido de André Silva não pretende apenas fazer aprovar este período de nojo. Pretende também que a Assembleia da República passe a ter um papel decisivo na escolha do governador.

Atualmente, o governador indigitado, bem como as restantes personalid­ades convidadas para o conselho de administra­ção do BdP, têm de passar, previament­e à entrada em funções, por audições no Parlamento (precisamen­te na COFA).

Só que essas audições não têm valor vinculativ­o. A comissão tem de dar um parecer – mas o governo, ao qual compete a escolha do governador (por proposta do ministro das Finanças), não tem de o seguir, caso seja desfavoráv­el. O parecer tem assim, meramente, valor político indicativo. O executivo pode ser-lhe sensível – ou não.

O que o PAN quer agora é que esse parecer da comissão passe a vinculativ­o. Ou seja: ao Parlamento não caberia escolher o governador mas teria pelo menos um poder decisivo de veto.

Entretanto, nos outros partidos há reservas – apesar de terem votado a favor na generalida­de – à ideia de o período de nojo durar cinco anos. O PSD, por exemplo, verbalizou claramente, através de Rui Rio, que acha esse período excessivo. “Posso, desde já, dizer que os cinco anos que estão previstos é um exavaro gero. Para mim, isso também é um exagero. Portanto, nós poderemos vir a viabilizar uma legislação desse género, que aconselhe esse período de nojo, mas num período de tempo muito mais escasso e muito mais baixo”, afirmou o líder social-democrata. Explicando: “Uma pessoa não pode ficar uma vida à espera só porque em tempos teve um determinad­o cargo”. Segundo sustentou, se o período for demasiado longo “corre-se o risco de, a determinad­a altura, também não haver pessoas disponívei­s para ocupar funções governativ­as ou até para integrarem a política”. No Parlamento, André Silva já havia afirmado que o PAN não faz deste prazo finca-pé.

Nesta sexta-feira ficou a conhecer-se, na íntegra, quem será a nova equipa das Finanças. João Leão, já se sabe, será o novo ministro, deixando assim a Secretaria de Estado do Orçamento. Ricardo Mourinho Félix (secretário de Estado adjunto e das Finanças) e Álnador Novo (Tesouro) deixam o executivo. António Mendonça Mendes continuará a ser secretário de Estado dos Assuntos Fiscais mas agora também adjunto do ministro. E entrarão três novos elementos: Cláudia Joaquim (secretária de Estado do Orçamento), João Nuno Mendes (Finanças) e Miguel Cruz (Tesouro). A posse está marcada para segunda-feira. Na quarta-feira terão o primeiro teste de fogo: o início da discussão no Parlamento do Orçamento Suplementa­r.

“[O cargo de governador do Banco de Portugal] é um cargo que qualquer economista pode gostar de desempenha­r.”

MÁRIO CENTENO

Ministro das Finanças O PAN quer que o parecer da AR à nomeação do governador do Banco de Portugal seja vinculativ­o.

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