“EM DOIS MESES VÃO MORRER MAIS 10 MIL PORTUGUESES” TANTOS COMO ATÉ AGORA
Mais ainda do que até agora
COVID-19 Previsão da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa alerta que o pior está para vir. Estima que daqui até meados de março podem morrer tantos cidadãos portugueses como os que se perderam em dez meses.
CENÁRIOS. A modelação da doença feita pela equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa indica que vamos a caminho dos 6500 internamentos diários nas unidades hospitalares, que vamos a caminho de 800 internados só em UCI e muito mais do que 200 óbitos por dia. O pior é que a realidade nas últimas semanas está a antecipar-se aos modelos matemáticos e este cenário pode ser ainda pior a com a nova variante.
Os números são chocantes. Aliás, “são a parte triste dos números”, desabafa o professor Carlos Antunes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que integra a equipa de Manuel Carmo Gomes que faz a modelação da covid-19 a curto e médio prazo desde o início da pandemia. Carlos Antunes começa por referir ao DN que “ninguém pode dizer com certezas o que vai ou não acontecer daqui para a frente”, mas o que se vê nesta altura é que a própria realidade se está a antecipar aos modelos matemáticos.
Foi o que aconteceu ontem, mais uma vez, quando o boletim da Direção-Geral da Saúde revelou que se alcançou os 218 mortos, os 5291 internamentos em enfermarias e os 670 em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI), porque para esta data os modelos matemáticos previam um valor médio de óbitos diários de 176, só devendo atingir-se os 200 no início de fevereiro. A grande preocupação dos cientistas é que os cenários traçados para daqui a 15 dias ou um mês possam ser completamente ultrapassados se a nova variante começar a circular em força no nosso país. “Os cenários que temos agora traçados poderão ser ultrapassados daqui a quatro ou cinco semanas com a nova variante. Os especialistas não têm duvida de que se irá tornar dominante em relação à que já circula, e se agora não estamos a conseguir dominar o contágio, nessa altura vamos ter muito mais dificuldade, pois é sabido que a velocidade com que se propaga é muito maior”.
Provavelmente, todos os cenários serão ultrapassados, o que faz o professor do Departamento de Engenharia Geográfica e Geofísica e Energia da Faculdade de Ciências dizer que, neste momento, estamos a perder tempo com discussões académicas sobre se as escolas devem ou não fechar. Como diz, na ausência da certeza se o aluno é infetado na escola ou em casa, vale
o princípio máximo da precaução: o melhor é ficar em casa”. É assim em todo o lado, “exemplos não faltam na Europa sobre o que se deve fazer quando se atinge um teto diário de dez mil casos: confinamento total e testagem massiva para se apanhar os assintomáticos. Foi o que se fez na Dinamarca e na Irlanda, e em 15 dias baixaram dos sete mil casos para os dois mil”, acrescentando: “Quem não tem visão não tem e mostra que ainda não aprendeu ao fim deste tempo todo o que é uma pandemia”.
Dos 10 mil para 14 mil casos
Os números de ontem voltaram a fazer soar os alarmes na ciência e na sociedade civil. Nas unidades de saúde a pressão não pára, sobretudo na região de Lisboa que registou 5012 infetados e 88 mortos. E o que se prevê a nível nacional é que, entre os dias 24 e 30 de janeiro, se possa atingir os 14 mil infetados. “Trabalhamos com dois modelos em termos de incidência da doença para o número de casos, um aponta para os 14 mil infetados”, refere Carlos Antunes, salvaguardando que “este pico pode ser ultrapassado. Tudo vai depender da dinâmica da doença. E, nesta altura, desconfiamos que haja uma subestimação na identificação de casos, devido ao facto de a cadeia de rastreio não estar a acompanhar a evolução da doença”.
Ou seja, explica, “quando vemos que pode haver um teto em termos epidemiológicos que não está correto, que é o que está acontecer com o número de infetados - não pode haver uma estabilização no número máximo nos dez mil casos quando os internamentos e os óbitos continuam a subir. E quando há indicadores divergentes é sinal de que algo está mal. Fomos pesquisar e verificámos que há um atraso na realização dos inquéritos de epidemiológicos. Há um número de novos infetados que estão a escapar ao rastreio e a criar novas cadeias de transmissão”.
Ontem, Portugal tinha mais de 135 mil casos ativos e mais de 174 mil em vigilância, os que não foram detetados, mas que registaram sintomas foram e serão apanhados nas unidades de saúde, os que não têm sintomas, os assintomáticos ou infetados incógnitos, como lhes chama Carlos Antunes, escapam e podem infetar outras pessoas. “As pessoas não sabem que estão infetados e durante um período infetam mais pessoas”, explica.
Esta é a possibilidade avançada pelos modelos matemáticos, mas é também a explicação que há muito vem sendo dada pelos profissionais de saúde pública. “Entristece-me que nem nas reuniões do Infarmed nem nas medidas do conselho de ministros se tenha falado em reforçar as equipas de rastreio e de pandemia. Reforçámos o policiamento na rua, mas isso não permite apanhar os infetados”, diz.
De acordo com a equipa da Faculdade de Ciências há uma subestimação no número de casos de infeção da ordem dos dois mil casos. Se assim é, tal faz com que o número diário não seja na realidade dez mil, mas de 12 mil, ou que os 12 mil, registados na semana passada, sejam efetivamente 14 mil. Por isso, Carlos Antunes sublinha que “o cenário traçado aponta para os 14 mil casos diários na próxima semana, mas pode ir até aos 15 ou 16 mil”.
À pergunta sobre até onde pode ir a pandemia no prazo de quatro a seis semanas, o professor afirma que o que fazem são estimativas, que, obviamente, têm erros e que se vão ajustando aos dados diários, mas tais modelos empíricos têm vindo a fazer a projeção da doença para 15 dias, um mês ou mais, em número de casos, de acordo com a curva da epidemiologia, de internamentos e óbitos.
Ontem os modelos de modelação foram atualizados após o boletim da DGS, e o cenário da incidência da doença aponta para os tais 14 mil casos de infeção, mas os outros indicadores, como a subestimação na identificação de casos, indicam que deverá ser ultrapassado. “Temos uma outra modelação que nos dá um pico para o número de casos para meados de fevereiro, indicando que estes podem chegar aos 16 ou 17 mil”. Mas, reforça mais uma vez, que “tudo irá depender da desaceleração da doença, que é um processo que não é linear. Há um boom e depois começa a crescer cada vez mais devagar”.
Internamentos subiram 89%
Os números tornam-se ainda mais preocupantes quando se olha para a modelação feita para os internamentos e para os óbitos. “No caso dos internamentos e dos óbitos, os modelos tiveram de ser revistos em alta, uma vez que estes continuam a aumentar desde há 15 dias”.
O total de internamentos, (enfermaria e UCI) cresceu 89% desde o dia 31 de dezembro até agora, um aumento diário da ordem dos 3,4%, enquanto o total de internamentos em UCI aumentou 40%, crescendo 1,85% por dia. O cenário estimado para os próximos dias é o de que se está a caminho dos 6500 internamentos – só em UCI, devem ser registados 800 a 900. Carlos Antunes refere que os modelos apontam para que a partir dos dias 26 e 27 de janeiro se atinja os 6000 internamentos, mas é muito provável que esta barreira seja ultrapassada antes e que nessa altura já se esteja nos 6500, mas o pico dos internamentos só deve ser atingido a meio de fevereiro.
Quanto aos óbitos, estima-se que estes atinjam os 20 mil em meados de março. Nos próximos dois meses, vão morrer ainda mais pessoas do que até agora – o total de ontem era de 9246 – alerta Carlos Antunes.
Segundo os modelos matemáticos irão morrer mais dez mil portugueses até meados de março. “O teto para a projeção dos óbitos estava num valor valor médio de 224 por dia. Na segunda-feira, a previsão indicava que seria de 200 óbitos a partir de 24 de janeiro, e isso já foi ultrapassado”. Para esta semana, o valor médio de óbitos era de 176 mortes e já somámos 218.
Na semana passada, o conselho de ministros aprovou novas medidas de confinamento. Na segunda-feira a Ordem dos Médicos fez um alerta: “Já não se consegue salvar todas as vidas”. À noite, o primeiro-ministro reforçava as medidas. Mas as escolas vão manter-se abertas. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa veio dizer que o assunto vai ser discutido na próxima terça-feira na reunião do Infarmed, mas o professor Carlos Antunes reforça as evidências. “Os grupo estudantis com maior percentagem de infetados são os dos 18 aos 24 anos e dos 13 aos 17, logo a seguir ao da população ativa. E à semelhança do que se vê nos outros países há duas frentes de estratégia para combater a pandemia: uma é reduzir os contactos, quanto mais depressa reduzirmos os contactos mais depressa reduzimos a velocidade de propagação ou seja, se deixarmos de andar de um lado para o outro e de contactar com outras pessoas não transmitimos o vírus. A segunda tem a ver com a capacidade de rastreio para se detetar quem está infetado, isolá-lo e travar as cadeias de transmissão. Se fizermos isto com grande eficácia, conseguimos acompanhar a propagação da doença e controlá-la mais rapidamente”. Portanto, sublinha, “medidas em avulso ou de meio gás, reduzem ligeiramente a mortalidade, mas não controlam o problema ao nível da incidência”.
Neste momento, e com o número de casos diários, o professor da faculdade de ciências diz que perdemos o controlo à pandemia e que já são precisas medidas muito mais musculadas. “Quando chegamos a um nível como estamos agora são precisas medidas muito duras do que em março para combater a pandemia. Está demonstrado que vamos precisar de oito semanas para atingir o valor antes do Natal”.
Por isso, mais do que se manter a discussão se se fecham escolas ou não a evidência responde. Ou melhor, “se não temos a certeza se o aluno é infetado na escola ou em casa, então deve vigorar o princípio da máxima precaução: o melhor é ficar em casa. Dizem que o custo de fechar é muito elevado, mas o custo de termos os hospitais cheios, sem camas para atender doentes, e do agravamento de mortes, é muito mais elevado”.
“Quando chegamos a um nível como agora são precisas medidas muito mais duras do que as tomadas em março. Está demonstrado que vamos precisar de oito semanas para atingir o valor de casos de infeção antes do Natal.” “Se não temos a certeza se o aluno é infetado na escola ou em casa, então deve vigorar o princípio da máxima precaução: o melhor é ficar em casa. Dizem que o custo de fechar é muito elevado, mas o custo que temos com hospitais cheios e com o agravamento das mortes, é muito mais elevado”. Carlos Antunes Professor da Faculdade de Ciências da Univ. de Lisboa