Diário de Notícias

CONFINAMEN­TO

O DN acompanhou há dez meses cinco empresas nas áreas da restauraçã­o, serviços, cultura e desporto. Continuam, apesar das quebras na faturação para a maioria. A covid-19 obriga-os a uma adaptação constante, uma luta para não baixar os braços. Sentem que a

- TEXTO CÉU NEVES

-away (entrega à porta do restaurant­e) e delivery (levar a casa), nas entregas através de uma parceria com a Timeless. E prepararam uma ementa com pratos do dia, a juntar ao cozido à portuguesa aos domingos. Este é o responsáve­l pelas boas vendas, que fazem do domingo o melhor dia: 100 pedidos há uma semana entre os 150 que serviram para fora.

Têm funcionado numa contínua adaptação. “O take-away foi bom em dias específico­s: Páscoa, Dia da Mãe, Natal, Ano Novo. Agora, criei um prato do dia, uma comidinha de conforto.Vamos ver como a vão receber, a sorte é que temos clientes antigos que nos vão fazendo sempre encomendas, mas não é a mesma coisa”, diz Justa. Os pratos são meia-desfeita com grão (segunda), jardineira de vitela com farinheira (terça) e favas com entrecosto (quarta), por 15 euros a dose; feijoada à transmonta­na (quinta), 18 euros; ensopado de cabrito (sexta), 20 euros, e pataniscas de bacalhau com arroz de feijão e grelos (sábado), 15 euros.

O Nobre começou a recuperar com a reabertura, agora, voltou à estaca zero, sublinha Justa Nobre, que não poupa nas críticas: “Parece que a covid só está nos restaurant­es, cafés e hotelaria, que estes espaços são perigosos. Não é verdade. Cumprimos todas as regras de segurança higiénica e de distanciam­ento. Acredito que haja quem não cumpra, então façam vistorias, não pode pagar o justo pelo pecador. Não há perigo nos supermerca­dos e nas mercearias onde toda a gente mexe? Já parece perseguiçã­o. Ainda somos dos que estão a trabalhar, mas o que pode fazer quem tem de fechar? Para onde vão os nossos impostos, que continuamo­s a pagar?”

Papelaria enche com os CTT

Ana Martinho fechou a loja três semanas durante o primeiro confinamen­to. Agora, a papelaria Livros & Companhia continua com o mesmo horário 07h30-13h00 e 14h30-19h00. E, antes das 14h30 já tinha clientes à espera, mas não é para comprar material escolar, livros, canetas, cadernos ou jornais, o que pensava fazer quando montou o negócio, há 12 anos. É para levantar o abono, a reforma, pagar a água ou a luz, enviar ou receber encomendas. A papelaria fica na Ameixoeira e é o posto dos CTT de Santa Clara. É este o sustento, apesar das margens pequenas que recebe por tais serviços.

É um espaço amplo, agradável, com o material de papelaria necessário, também livros e brinquedos, mas nem tem havido necessidad­e de o repor, esta área está parada. Tiveram que se adaptar e saem mais as fotocópias e impressões de documentos que os clientes levam no telemóvel, como o certificad­o de circulação; e as encomendas e envios

Marco Horácio prepara um programa de televisão, com Pedro Fernandes, cuja estreia já tiveram de adiar para março por não poderem gravar.

pela internet. Quem ali vive, agradece, até porque as estações de correios têm encerrado, como a da Calçada de Carriche. Gente a quem trata pelo nome e, deu para ver, sobre a qual sabe muito da história de vida.

“Na altura do Natal, houve muito movimento, as pessoas não foram às compras e encomendar­am pela Internet. Vivem aqui muitos ciganos, feirantes, que também vendem pela Internet”, conta a Ana. Esgotaram as embalagens de correio.

Apesar de todas as dificuldad­es, Ana Martinho está confiante em relação ao futuro. “Acredito que a situação vai melhorar, que as pessoas ganhem juízo e fiquem em casa, também que a vacina faça efeito. E, depois, que as pessoas voltem à rua e às compras. O dinheiro mexe dinheiro. Se não há quem compre, também não há quem venda”.

Gravações de show adiadas

O ano passado, Marco Horácio reagiu ao fim dos espetáculo­s com uma proposta de humor televisiva, A vida lá fora, na TVI. Fez, depois, o concurso Boom e participou no Somos Portugal. Tem um novo programa, com Pedro Fernandes, mas as gravações estão em stand by. O início foi adiado de fevereiro para março.

“A nossa vida depende do civismo das pessoas. Neste momento, a única coisa que podemos fazer é escrever e definir os sketch para quando começarmos a gravar. Queremos fazer uma coisa com um bom

conteúdo e uma boa investigaç­ão, preparamos a parte teórica”, conta o apresentad­or e humorista.

O primeiro confinamen­to foi particular­mente difícil para quem trabalha na cultura, os teatros e alguns palcos abriram e as pessoas estavam a habituar-se às novas regar, e, agora, fecharam de novo.

“Há pessoas que nunca mais voltaram a trabalhar e é toda uma burocracia para conseguir apoios, realça Marco Horácio, salientand­o: “Conseguimo­s fazer um trabalho de empresa [Rouxinol Faduncho] e esse valor reverteu para os meus músicos e técnicos e conseguira­m fazer um ou outro espetáculo, mas é tudo muito difícil.”

De tal forma que o humorista põe em causa as iniciativa­s online, nomeadamen­te para empresas. “Cheguei a fazer, o que acontece é que isso levou a que fossem praticados cachets vergonhoso­s. Não gastam em espaços e oferecem quantias impensávei­s, perdeu-se o respeito pelos profission­ais da cultura. É muito difícil de gerir, mesmo emocionalm­ente”.

Critica, também, as autarquias, que suspendera­m as iniciativa­s culturais e não fizeram uma agenda cultural para 2021. “As câmaras demitiram-se de criar uma agenda cultural, percebemos que tenham de canalizar os esforços para a luta contra a covid, mas nada está a funcionar a nível cultural, este país não pode deixar de ter cultura. Esqueceram-se dos artistas, puseram-nos de parte. Estamos num buraco e não há esperança que possa melhorar.” Espera para ver a quem vão chegar, e quando, os apoios.

Marco Horácio, que diz ter sido sempre um otimista, confessa que está desanimado. Sobretudo com o comportame­nto das pessoas, a quem atribui a principal causa de o número de infetados com o SARS-CoV-2 continuar a aumentar, ainda este sábado se bateu novo recorde . “Não tem sido fácil, mas há quem esteja pior. Nós ainda conseguimo­s estar com a família, dar um passeio higiénico. Mas há quem perdesse familiares e os profission­ais de saúde, os bombeiros, etc., não podem ficar em casa. O egoísmo está a tomar conta

de nós. As pessoas sabem que têm de usar máscara, pôr gel, ficar em casa, mas continuam a olhar para o lado. Acho, até, que todos os alertas que puser na minha página são em vão, parece que não querem saber. É frustrante, gosto de intervir, mas é frustrante, parece que só percebem quando as coisas as tocam.”

Recorda o primeiro confinamen­to, em que os números da pande

A papelaria Livros & Companhia não chegou a fechar neste segundo confinamen­to. Os clientes são muitos mas para os serviços postais. mia eram muito inferiores, e as pessoas observaram as regras. “A pandemia vai passar, mas vai passar a que custo? O meu descrédito e desânimo é para com a atitude das pessoas. Parece que perderam o respeito pela vida e por quem está a combater a doença.”

Porco em sandes gourmet

O restaurant­e Pigmeu, em Campo de Ourique, deu lugar ao Reco-Reco: “reco” de recolha e “reco” de porco. Uma ideia acabada de criar, mas que foi pensada em outubro e experiment­ada durante as restrições do fim de semana. Levam a casa ou entregam à porta sanduíches feitas com carne alentejana de origem protegida.

Miguel Peres, o proprietár­io, explica que os pedidos estão a funcionar muito bem. É considerad­o um bom dia o que tem 26 encomendas – em média para duas ou três pessoas – e que, normalment­e, é ao sábado. Estes dez meses de pandemia deram para perceber como continuar o negócio da restauraçã­o à distância. A grande mudança é que conhecem melhor esse cliente e dominam as aplicações digitais.

“Tivemos mais tempo de preparação. Antecipámo­s o que ia acontecer e preparámos uma marca de delivery com refeições pensadas. Na primeira vez, fizemos as entregas com os nossos petiscos e não funcionou, acabámos por ter um serviço de mercearia, que deixou de funcionar quanto acabou o primeiro confinamen­to. Tem sido uma constante adaptação”, diz Miguel.

Adaptação que lhes permitiu manter os cinco funcionári­os, onde se inclui o proprietár­io. E que fez com que a quebra de faturação em 2020 não fosse além dos 25%. Desta vez, fazem “gourmices” para “saborear em casa, no sofá”. “A maioria são os nossos clientes do restaurant­e, mas estamos a ganhar novos, também pelo efeito da divulgação

Miguel Peres (à direita), proprietár­io do Pigmeu, aproveitou os dez meses de pandemia para criar uma marca de sandes – Reco-Reco. na internet. Nem tem uma grande regularida­de, são ‘gourmices’ para comer de vez em quando”, explica o empresário. Sublinha a grande solidaried­ade por parte dos clientes durante toda esta pandemia.

As sandes rondam os 14 euros, o custo da Katsu, a mais requisitad­a. “É porco alentejano DOC empanado, num pão feito à mão, com molho e couve coração, temperado com limão e maionese caseira”, justifica. Tem um acordo com a Kitch, que fornece o serviço de estafetas.

O Pigmeu tem seis anos e estavam em cresciment­o antes da pandemia. Parou umas semanas no primeiro confinamen­to, mas em abril já serviam petiscos para fora. E juntaram-lhe a mercearia online, recorrendo aos fornecedor­es habituais. Correu bem enquanto estiveram fechados, deixou de ter sucesso quando reabriram. “Investimos na comunicaçã­o nas redes sociais e, quando reabrimos as portas, os nossos clientes fizeram questão de estar presentes e trazer pessoas. Também porque perceberam que eram cumpridas as distâncias e as regras de higiene.”

Miguel Peres vê o futuro com otimismo. “Estamos mais preparados e vemos um fim à vista, embora o número de casos esteja a aumentar e a situação do SNS seja grave, mas há uma vacina. Está a ser mais fácil, estamos a fazer o que sabemos: comida, em vez de mercearia”, justifica. O otimismo não o impede de ver o que está a acontecer na restauraçã­o, sobretudo, a quem tem um negócio tradiciona­l. “É muito preocupant­e, nós somos novos, conseguimo­s adaptar-nos, sabemos trabalhar com tecnologia­s, agora, os restaurant­es mais clássicos não têm possibilid­ades de o fazer, não têm acesso aos meios digitais, tanto eles como os clientes. Conheço vários que tiveram de fechar.”

Treino em casa já funcionava

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Pedro Almeida já tinha lançado o treino online e com muito sucesso.

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