Chefe índio denuncia Bolsonaro em Haia por crimes ambientais
BRASIL Raoni Metuktire denuncia desmatamento, assassinatos de líderes indígenas e desmantelamento de agências de proteção ambiental.
Ochefe índio Raoni Metuktire, com idade aproximada de 88 anos e considerado uma das principais lideranças mundiais na preservação da Amazónia, apresentou uma denúncia contra Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda, citando “crimes ambientais num contexto de crimes contra a humanidade”. A representação é assinada também por Almir Suruí, outro chefe índio, e redigida pelo advogado francês William Bourdon, habitual defensor de causas de direitos humanos, que tem entre os seus clientes Edward Snowden ou Julian Assange.
A denúncia de Raoni e Suruí – a quinta contra o atual presidente do Brasil no TPI e a segunda envolvendo questões indígenas, sendo que as três restantes se referem à atuação na pandemia – cita recordes de desmatamento desde o início deste governo e de assassinatos de líderes indígenas no ano de 2019, além do desmantelamento de agências responsáveis pela proteção ambiental.
Numa viagem organizada há dois anos pela Darwin-Climax-Coalitions, Raoni disse, em áudio divulgado pela ONG, que “a terra vai se rebelar”. “As barragens que estão construídas nos rios, eu repudio, não gosto. Também o desmatamento que estão fazendo, não gosto. Queria que as florestas continuassem existindo para minimizar a temperatura. Vocês estão vendo que está muito quente agora? Quando a árvore fica em pé, faz sombra e fica frio”, diz a jornalistas internacionais.
“Tive visões, e uma pessoa me falou: ‘Raoni, estão desmatando e acabando com toda a floresta e os animais. Os espíritos dos peixes e dos animais estão muito bravos.’ Não sei... Acho que a terra vai se rebelar contra os humanos. Os animais falaram comigo, e eu estou contando a vocês. As florestas precisam ficar em pé. Mas muitas pessoas são loucas e doidas e continuam desmatando”, continuou.
Na mesma gravação, Megaron Txucarramãe, sobrinho de Raoni, disse que Bolsonaro elegeu o tio como alvo. “O meu tio quer viver em
paz e os índios querem viver do jeito deles, do jeito que são.” “Temos dois artigos na Constituição (...) que nos garantem viver na terra indígena do nosso jeito, caçar, pescar, fazer roça, viver nossa cultura, costume, ritual. Ele quer acabar connosco, mas não aceitamos.”
Raoni, conhecido pelo uso do botoque (ou metara), ornamento circular de madeira colocado nos lábios usado para falar em público ou em tempos de guerra, encontrou “homens brancos” pela primeira em 1954, quando tinha provavelmente 22 anos. Aprendeu então a falar português e tornou-se porta-voz nacional da causa ambiental. Em 1987, um encontro com o músico Sting promovido pela Amnistia Internacional deu-lhe projeção in
ternacional e nos últimos mais de 30 anos foi considerado, mais de uma vez, favorito ao Nobel da Paz.
O TPI, por sua vez, foi criado em 1998 e é composto por perto de cem países. Recebe, em média, 500 denúncias por ano, mas dessas apenas à volta de dez se tornam investigações e vão a julgamento. Os 28 julgamentos já efetuados na corte da capital holandesa até hoje resultaram em 35 mandados de prisão – 17 réus foram, de facto, presos, 13 continuam foragidos e cinco morreram.
Em 2019, o tribunal considerou Bosco Ntaganda, ex-líder rebelde do Congo, culpado por crimes de guerra e condenou-o a 30 anos de prisão, a maior sentença já dada pelo tribunal.
Segundo Bourdon, entretanto, esta denúncia pode ajudar no reconhecimento do ecocídio – definido como dano sério e duradouro ao meio ambiente por causar prejuízos significativos à vida humana e aos recursos naturais – como crime internacional julgado em Haia, normalmente utilizada para crimes de guerra e genocídios e crimes contra a humanidade.
“Os crimes pelos quais Bolsonaro é acusado provavelmente serão qualificados como crimes contra a humanidade, no entanto, esses crimes contra a humanidade foram perpetrados num contexto mais amplo de crime ambiental”, disse o advogado francês ao portal brasileiro UOL.
A queixa foi redigida pelo advogado francês William Bourdon, defensor de causas de direitos humanos, que tem como clientes Snowden ou Assange.