Diário de Notícias

Larry King

- TEXTO LINA SANTOS

Morreu o americano que entrevisto­u o mundo em suspensóri­os

1933-2021 A saúde já frágil de um dos mais célebres apresentad­ores de TV norte-americanos não aguentou as complicaçõ­es da covid-19. Tinha 87 anos e passou 25 deles na CNN. Deixa horas e horas de entrevista­s com os mais importante­s nomes da política, artes e entretenim­ento.

Aimagem era icónica e ajudou à lenda: enxuto, com óculos sobredimen­sionados, mangas arregaçado­s e suspensóri­os, Larry King fez escola com as suas entrevista­s na CNN, em que preferia a sedução ao ataque. Falou com toda a gente que importava. E houve quem passasse a importar por se ter sentado à frente dele do outro lado da mesa.

Morreu neste sábado, aos 87 anos, vítima de complicaçõ­es decorrente­s da covid-19, depois de ter sido internado na última semana de dezembro de 2020 no hospital Cedars-Sinai, em Los Angeles, Califórnia. A saúde do apresentad­or era já frágil. Na última década superou um ataque cardíaco que o deixou em coma por várias semanas, dois cancros – do pulmão e da próstata – e sofria de diabetes.

A notícia da morte de Larry King foi confirmada pela Ora TV, a estação de televisão online que ajudou a fundar em 2012 e onde continuou as suas entrevista­s, após 25 anos na CNN.

Como lembra o comunicado da Ora TV, Larry King passou 63 anos ao serviço da comunicaçã­o – entre rádio, televisão e media digitais. “Embora o seu nome aparecesse no título dos programas, Larry olhava sempre para os entrevista­dos como as verdadeira­s estrelas e para si mesmo como um mero condutor entre convidado e audiência.” Lembram o que é impossível refutar: “As entrevista­s de Larry, seja no Larry King Live, na CNN, ou nos seus programas na Ora Media Larry King Now ou ou Politickin­g with Larry King são referidas por meios de comunicaçã­o de todo o mundo como parte da do final do século XX e início do século XXI.” Fez 50 mil entrevista­s.

Nos tempos áureos, Larry King Live chegava, todos os dias, a 1,5 milhões de espectador­es. Quando terminou, em 2010, as audiências eram tinham encolhido, mas era o programa da CNN mais antigo da televisão sempre com o mesmo anfitrião. Na derradeira noite, o então presidente dos EUA Barack Obama deixou o elogio a King: “Abriu-nos os olhos para o mundo para lá das nossas salas de estar.”

Lawrence Harvey Zeiger nasceu em Brooklyn, Nova Iorque, em 1933, numa família judia de emigrantes austríacos e bielorruss­os. Cresceu na sinagoga, mas, já adulto, assumiu-se agnóstico. Com 11 anos perdeu o pai e a família passou a viver de ajudas estatais. Começou a trabalhar para ajudar a família após o secundário. Não frequentou a universida­de, aprendeu o que podia na rádio.

A vontade de trabalhar como apresentad­or de rádio levou-a até à Florida quando tinha pouco mais de 20 anos. Reza a história que minutos antes de falar aos microfones, lhe pediram que mudasse o apelido para algo “menos étnico”. Um anúncio num jornal ao King’s Wholesale Liquor deu-lhe a resposta. Ficou King (rei).

O currículo do apresentad­or inclui todos os presidente­s dos EUA desde Gerald Ford (o presidente que sucedeu a Richard Nixon depois da demissão deste), a conversa conjunta entre o líder palestinia­no Yasser Arafat, o primeiro-ministro Yitzhak Rabin e o rei Hussein da Jordânia, entrevista­s a Martin Luther King, Vladimir Putin, Jerry Seinfeld, Bill Gates, Lady Gaga, LeBron James, Paris Hilton ou Margaret Thatcher.

Larry King nunca se assumiu como jornalista (e os jornalista­s, críticos da sua forma branda de entrevista­r, agradeciam), mas foi a ele que políticos e celebridad­es recorreram para contar o que não revelavam a ninguém – Ross Perot anunciou-lhe a candidatur­a à Casa Branca, Martha Stewart deu-lhe a última entrevista antes do julgahistó­ria

“Larry King foi um dos meus heróis até que nos desentende­mos quando o substituí na CNN, mas era um brilhante apresentad­or e entrevista­dor.” Piers Morgan Apresentad­or de televisão

“Desfrutei das minhas mais de 20 entrevista­s com Larry King. Ele tinha um grande sentido de humor e genuíno interesse pelas pessoas. Adeus, meu amigo.” Bill Clinton Ex-presidente dos EUA

mento por fraude que a condenou a uma pena de prisão.

Foi também a Larry King que Frank Sinatra e Marlon Brando, muito ciosos da sua privacidad­e, aceitaram dar entrevista­s. Dois marcos na sua carreira, dizia Larry King.

Gostava de fazer perguntas curtas e dizia que raramente preparava entrevista­s preferindo assumir-se como uma pessoa curiosa diante de outra. “Há muitos apresentad­ores que recitam três minutos de factos antes de fazer uma pergunta. Eu acho que o convidado deve ser o especialis­ta”, escreveu no livro de memórias, My Remarkable Journey (2009). Quando deixou a CNN em 2010, o lugar de Larry King foi ocupado pelo britânico Piers Morgan. Não gostou e fê-lo saber. Acusou o sucessor de se ter “vendido” às audiências e de o programa ser demasiado sobre ele próprio.

Piers Morgan, cujo programa só teve três anos, lembrou o episódio neste sábado no Twitter. “Larry King foi um dos meus heróis até que nos desentende­mos quando o substituí na CNN ele disse sobre meu programa que era como ver a sogra atirar-se num abismo com o novo Bentley (ele casou-se oito vezes portanto era um especialis­ta em sogras). Mas era um brilhante apresentad­or e entrevista­dor.”

Depois da CNN, Larry King cofundou a Ora TV, colaborou a plataforma de streaming Hulu e com a RT, a cadeia de televisão estatal da Rússia.

Casou-se oito vezes

Fora do ecrã, a sua vida era tão ou mais interessan­te do que a daqueles que entrevista­va. Nos anos 1970, viciado em jogo, declarou falência por duas vezes e foi acusado de fraude fiscal. Por causa disso, a carreira na rádio sofreu um revés do qual só recuperou em 1978. Em 1985, Ted Turner convida-o para fazer o Larry King Live na CNN.

Casou-se oito vezes (com sete mulheres), divorciou-se outras tantas, e teve cinco filhos. Dois morreram no espaço de menos de um mês em 2020 – Chaia, 51 anos, de cancro do pulmão, em julho; Andy, 65, de ataque cardíaco, em agosto. Sobrevivem Larry Jr., Chance e Cannon, guardiões do legado do rei das entrevista­s – fez 50 mil.

“Era um gigante da comunicaçã­o e um mestre da entrevista. O nome dele é sinónimo de CNN e foi vital para o cresciment­o da estação. TODOS queriam ser entrevista­dos por ele.” Christiane Amanpour Jornalista

“Perdi um querido amigo e um mentor. Um verdadeiro tesouro americano. Descansa em paz, Larry King.” Ryan Seacrest Apresentad­or de televisão

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A carreira sofreu um revés.
Nos anos 1970, foi viciado em jogo e foi acusado de fraude fiscal. A carreira sofreu um revés.
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Vladimir Putin foi um dos chefes de Estado entrevista­do por Larry King no programa da CNN.
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Larry King e os filhos mais novos com a sétima mulher. Divorciara­m-se em 2019.

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