O desafio de comunicar com rigor na era da informação ao segundo
O novo mundo, imediato e, por vezes, cedendo à urgência de informar antes de confirmar, revela-se campo de desafio para as previsões meteorológicas. Informar em tempo real, sem gerar confusão nos públicos, são metas apontadas pelo meteorologista do IPMA Nuno Lopes.
Sem perder as qualidades que há muito lhe dão bom pretexto para início de conversa, o estado do tempo assume, atualmente, outros contornos, como o mediatismo nos media, mas também nas redes sociais. Do clássico boletim meteorológico, passámos a informação ao momento, com carácter local, de curto, médio e longo prazo. Hoje, nomeamos tempestades, tornando-as protagonistas da atmosfera, estamos atentos aos avisos meteorológicos, às imagens captadas por satélites e radares. Uma cartilha da nova meteorologia que desfiamos com o meteorologista Nuno Lopes, chefe de divisão de previsão meteorológica do IPMA.
A meteorologia mediatizou-se nos meios de comunicação social e nas redes sociais. Este é um novo desafio para os meteorologistas na forma como comunicam?
Sim. O panorama atual é bastante diferente face há uns anos, nomeadamente a procura de informação, por exemplo com o aparecimento de mais televisões privadas. Em tempos, também os jornais contavam com os boletins meteorológicos. Hoje, os jornalistas procuram a notícia, mas também a explicação para os fenómenos meteorológicos. Como refere, há um grande número de fontes de emissão de informação meteorológica. É mais difícil fazer chegar de forma clara e precisa aos públicos a previsão meteorológica?
É complexo. Por vezes, assistimos a intervenções que nos causam perplexidade.Vemos pessoas convidadas para falarem sobre meteorologia, que desconhecemos, não são da área. Por exemplo, apresentam-se como climatologistas, muitas vezes com opiniões fundamentadas em teorias baseadas em informação que é pública. Contudo, baralham alguns conceitos e apoiam-se em afirmações que são levianas. No final, os públicos terão de se fiar nas fontes de confiança e que são oficiais. Agora, é útil que as pessoas tenham mais informações e conhecimento. Pode ser algo tão simples como saberem que, se o vento sopra de leste, poderão secar a roupa durante a noite [risos].
Quando refere comunicações com leviandade, estarão estas relacionadas com a necessidade de captar audiências?
Por vezes sim, mas também acredito que seja por uma questão de facilidade. Dou-lhe um exemplo, recentemente tivemos a notícia de que havia sido batido o recorde de temperatura mínima na Península Ibérica [-34,1 º C, na Catalunha]. A informação disseminou-se muito rapidamente, antes de percebermos o que havia acontecido. Houve um registo, mas numa estação que não faz parte da AEMET, a agência estatal espanhola para a meteorologia, ou seja, oficial. Pegou-se nesta informação e veiculou-se. Porquê? Porque é um evento espetacular.
Portugal conta com uma rede larga de meteorologistas amadores. Na sua opinião, apresentam um trabalho importante localmente?
Há meteorologistas amadores que fazem ótimo trabalho, no sentido em que têm muita dedicação, algum conhecimento, embora sem todo o conhecimento técnico aprofundado. A meteorologia na base em que se encontra prende-se muito à física e à matemática, não tanto à geografia. Não usamos todos estes recursos diariamente, pois os modelos de previsão também fazem esse trabalho. Mas convém que as áreas que mencionei estejam presentes, dadas as limitações desses mesmos modelos.
Esta rede de meteorologistas amadores é um contributo importante para vós IPMA?
Os meteorologistas amadores têm algo muito útil para nós e que se prende com a observação. Inclusivamente, há alguns projetos muito interessantes nalguns países europeus, o crowdsourcing, com o contributo dos cidadãos. Em Portugal, o IPMA conta com a plataforma Observar [os cidadãos enviam relatos em imagem de fenómenos meteorológicos], mas o conceito é diferente, não é em tempo real. Como referi, nalguns países europeus, há aplicações para os cidadãos interagirem, em tempo real, que lhes permite indicarem o estado do tempo em determinado local.
A perceção que o público tem é a de que o IPMA fornece a previsão do tempo, mas o vosso trabalho é de âmbito muito mais alargado? Relativamente às previsões, não nos limitamos a transmitir o que sai diretamente dos modelos. Está trabalhada, naturalmente. Temos a previsão mais clássica relativa ao trabalho do centro operacional. É uma previsão relacionada com o curto prazo, até seis horas, no máximo. Apoia-se nos modelos, mas também de observação do radar e do satélite. E temos também a previsão descritiva que vai aos cinco dias, com as condições gerais para o território. Depois, temos ainda a previsão com cerca de dez dias, que veiculamos na página da internet, com confiança nos resultados, embora para o fim do período, em determinados parâmetros, a confiança baixe bastante. Vão também a uma previsão mais alargada?
Temos a previsão que nos é disponibilizada pelo ECMWF [Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo], entidade meteorológica de referência mundial, consórcio de vários países europeus. Atualmente, é informação pública. Fazemos uma interpretação do que é veiculado. É alargada, fazemo-la a quatro semanas e conta também com componente estatística, sobretudo nas duas últimas semanas. Temos, depois, as previsões sazonais que recebemos também do ECMWF e que são conjugadas com previsões de outros centros mundiais. Isto a seis meses.
Não será arriscado, como vemos recorrentemente nas redes sociais, pegar na informação de médio prazo e mediatizá-la a partir de cenários, antevendo, por exemplo, eventos extremos que não chegam a ocorrer?
Temos de ter presente as limitações das previsões. Há um momento em que prevemos, claramente, no futuro próximo, como vai ser a evolução. Sabemos que há sistemas que têm uma previsibilidade maior, por exemplo a sete dias. Olharmos para os cenários a dez dias é muito comum, mas daí até termos uma previsão é muito difícil. Isto porque teríamos de refazer essa previsão muitas vezes. Com isso, baixaria a confiança do cidadão nessa previsão. Não nos podemos aventurar com informação que não tem ligação à realidade. A atmosfera é um sistema caótico, não linear. Sabemos que, ao fim de algum tempo, as previsões que temos concorrem para realidades diferentes. Há um limite teórico de previsibilidade de 14 dias, mas estamos ainda longe de lá chegar. Como referi, o facto de a atmosfera ser um sistema caótico significa que, por vezes, os erros, a partir de determinado momento, crescem muito rapidamente.
Não é fácil ser meteorologista, trabalham com uma “matéria-prima” volúvel, a atmosfera.
Em Portugal, temos sorte, estamos nas chamadas latitudes médias e
“É útil as que as pessoas tenham mais informações e conhecimento. Pode ser algo tão simples como saberem que, se o vento sopra de leste, poderão secar a roupa durante a noite.” Nuno Lopes Chefe de Divisão de Previsão Meteorológica do IPMA
numa região onde o tempo é benigno. Mais a norte, mesmo no verão, há fatores que surpreendem. No nosso país, no verão, deixamos de ter sistemas [baixas pressões]. No norte da Europa não é assim. Mas na meteorologia continua a haver fatores importantes, como a observação. É muito importante ter uma boa rede de observação, para percebermos o que se passa no momento e alimentar os modelos. Permite-nos ter a melhor estimativa possível da realidade, aquilo a que se chama a análise.
Que ferramentas ajudam nessa observação?
Há um conjunto de parâmetros definidos pela Organização Meteorológica Mundial [OMM] para se fazer a observação. Há muitas estações por aí espalhadas que não têm qualidade para coadjuvar na previsão. Precisamos, realmente, de uma rede de observação local à superfície, de radiossondagens, isto é, dos balões meteorológicos que são lançados, uma a duas vezes por dia, precisamos de satélites, atualmente responsáveis por mais de 90% das observações que são inseridas no sistema de assimilação que junta depois com informação dos modelos. Depois, há as observações com utilização do GPS. Há muito trabalho que correlaciona tudo isto.
No fim de todo este complexo processo, queremos saber se teremos sol, chuva, calor ou frio. Obriga-vos, meteorologistas, a um exercício de síntese muito grande. É um trabalho complexo?
Sim, mas esse paradigma está a mudar um pouco. Começaram a aparecer aplicações que dão indicações horária. A mensagem que se passava anteriormente tem vindo a ser repensada. Não vale a pena dar algo a que as pessoas já tiveram acesso. Embora o público, por vezes, confunda a informação prestada e julgue estar a recebê-la para um local em concreto. Ainda assim, a mensagem tem vindo a ser trabalhada, embora precisasse de o ser mais. Condensar a informação de um dia numa frase é muito difícil. Há muita variabilidade e recebemos reclamações: “Previram o céu muito nublado e o céu está pouco nublado.” Certo, mas num determinado período o céu esteve mesmo muito nublado. Daí, temos de simplificar.
Mas o que se tem de trabalhar na mensagem? Por exemplo, olhando para os avisos meteorológicos.
Os avisos têm vindo a sofrer uma alteração à escala europeia e mundial. Até há uns anos, baseavam-se na meteorologia, ou seja, naquelas condições que justificavam o aviso e não consideravam o impacto. Estes avisos por impactos têm vindo a ganhar terreno na Europa e temos seguido esta tendência. Já foram trabalhados, inclusivamente, em parceria com a Proteção Civil. Dou-lhe um exemplo de uma situação que foi pensada com aviso por impacto. Em 2020, foi emitido um aviso vermelho para precipitação para Lisboa, relacionado com a tempestade Bárbara. Com mais de uma semana de antecedência antevíamos que a tempestade trouxesse muita precipitação para a Área Metropolitana de Lisboa, eventualmente para a própria cidade. Teria um forte impacto na zona urbana. Pois, no dia em si, o principal da precipitação caiu no Alentejo. Mas se tivesse sido em meio urbano teria um forte impacto. Logo, a previsão por aviso de impacto é uma tendência.
Refere a tempestade Bárbara.
Hoje, chamamos pelos nomes os sistemas depressionários, tornando-os grandes protagonistas da atmosfera. Há uma razão prática para os termos começado a apelidar?
Há e é muito clara. O projeto de nomeação de tempestades na zona sudoeste europeia vem de um outro projeto da Inglaterra e da Irlanda, que apresentaram estudos indicando que o público em geral presta muito mais atenção quando uma tempestade é nomeada. Recordo-me, no ano passado, da situação gravosa associada à tempestade Elsa. Ao haver a notícia, sentimos, aqui no centro, o crescimento da quantidade de pedidos de informação. Também há exageros na informação. Por exemplo, com um jornal a antever o nome de tempestades antes de estas ocorrerem. Por vezes, pode correr mal. Chegámos a ter contactos de outros meios de comunicação social para uma tempestade que não tinha sido nomeada. Temos de pensar nos impactos que este tipo de informação tem junto da comunidade.
Irrita-o expressões como “alterações climatéricas” ou a confusão entre tempo e clima?
[Risos] Confesso que ainda sorrio quando ouço essas expressões. Temos de ser pedagógicos quando nos deparamos com alguém que confunde conceitos. Em tempos, tivemos um projeto que não arrancou e que passaria pela formação junto de jornalistas. Houve interesse, mas não se concretizou. Pessoalmente, o que o fascina mais na meteorologia?
A interação que por vezes não se percebe do lado de fora do IPMA, com várias equipas a cooperarem, do radar aos modelos, ao satélite. Tudo isso é muito interessante. E ninguém consegue fugir ao fascínio dos fenómenos extremos, como os ciclones tropicais. É algo para o qual temos de estar preparados em Portugal, pois estamos na linha da frente na chegada de ciclones tropicais à Europa. Vamos ter de viver com eles.
Não obstante toda a tecnologia de que dispõe enquanto meteorologista, continua a gostar de olhar para o céu?
Sim, até porque tenho crianças em casa e a forma das nuvens cativa-as.