Diário de Notícias

Sebastião Bugalho

- Sebastião Bugalho Colunista

Telefonem ao homem

Há sete anos, o comissário Carlos Moedas liderou a resposta europeia à epidemia do ébola, que não se tornou pandemia pelo trabalho que se fez para a combater.

Ahistória da presidênci­a portuguesa do Conselho Europeu dificilmen­te seria bonita de viver. António Costa concebeu o seu segundo governo com um programa e uma equipa preparados para seis meses que, com a pandemia, não existirão. A transição digital e energética mantém-se nas prioridade­s para a recuperaçã­o pós-pandémica, mas as dinâmicas políticas estão mais centraliza­das e as fragilidad­es dos países mais pobres, como Portugal, mais expostas.

Para Costa, que vinha assumindo um protagonis­mo seu entre os socialista­s do continente, o amargo de boca é compreensí­vel. E o cenário doméstico, verdade seja dita, não tem facilitado. O primeiro-ministro entrou na presidênci­a da UE com a imprensa internacio­nal a reportar um ucraniano assassinad­o pelo serviço de fronteiras português, com o Parlamento Europeu e a provedora de Justiça europeia a exigirem explicaçõe­s quanto às falsidades no currículo de José Guerra e com o maior número de infetados por milhão de habitantes no planeta.

A presidênci­a portuguesa, que começou com um horário matinal mais relaxado do que a alemã, até com direito a pastéis de nata, teve, portanto, um estado de graça breve. Com o evento principal, nas palavras de Costa, a ser “uma cimeira social”, a acontecer em maio, no Porto, esperemos que haja condições sanitárias e políticas para esta ter sucesso.

No discurso que fez na quarta-feira, em Bruxelas, o primeiro-ministro identifico­u o processo de vacinação como primeiro foco da presidênci­a portuguesa, realinhand­o, de certo modo, as prioridade­s que havia estabeleci­do no final do ano passado: “recuperaçã­o”, “autonomia estratégic­a” e “multilater­alismo”. Olhando para a realidade portuguesa, e dos demais Estados membros, entende-se o acerto. Olhando para a fragilidad­e que o seu executivo aparenta (veja-se o desnorte na educação, nesta semana), talvez não seja suficiente. O governo é, cada vez mais, um carrossel de um homem só. Continua a girar, mas a música parou. E gerir um país com a maior taxa de mortalidad­e da sua história ao mesmo tempo que se preside um semestre europeu não será, certamente, tarefa fácil. Planos vindos de gestores petrolífer­os e remodelaçõ­es oriundas de gabinetes não chegam. Soluções? Tenho uma.

Há sete anos, em 2014, o comissário português na Comissão Juncker liderou a resposta europeia à epidemia do ébola, que não se tornou pandemia pelo trabalho que se fez para a combater. Juntamente com os governos da Alemanha, do Japão e da Noruega, esse comissário português fundou a CEPI (coligação para preparação contra as epidemias), que angariaria 460 milhões de euros para desenvolve­r vacinas e uma rede de partilha de dados que permitisse travar o ébola. O comissário português chamava-se Carlos Moedas.

O sucesso dessa iniciativa é tão óbvio que o meu caro leitor eventualme­nte nunca tinha ouvido falar dela. O ébola foi travado a tempo e não atingiu as vidas dos europeus. Mas foi essa mesma CEPI que serviu de alicerce à resposta global ao coronavíru­s, que num ano angariou dez mil milhões de euros, também para o desenvolvi­mento de vacinas.

Moedas manteve, além disso, excelentes relações institucio­nais com o atual governo quando o PSD saiu de São Bento, tendo-se reunido com o primeiro-ministro para passar a pasta à sua sucessora, Elisa Ferreira. Conhece a praça da inovação, da tecnologia e da ciência como poucos.

Talvez não fosse má ideia telefonare­m-lhe.

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