Diário de Notícias

Juan Carlos M. Lázaro

- Opinião Juan Carlos Martínez Lázaro Professor de Economia da IE University

2021: o ano da normalizaç­ão económica

Annus horribilis: assim ficará 2020 conhecido na história – o ano em que o nosso pior pesadelo se tornou realidade, com a propagação de um vírus que fez centenas de milhares de mortos e que está a provocar uma contração económica como desde há décadas não se conhecia. Mas se, por um lado, ainda não é possível apurar a sua verdadeira magnitude, por outro, a resposta fiscal e monetária da Europa também é muito diferente da resposta à anterior crise financeira.

Na crise de há uns anos, o BCE demorou muito a agir. Enquanto a Fed finalizou os seus programas de Expansão Monetária (QE) em dezembro de 2014, o BCE só iniciaria os seus em março de 2015. Desta vez, mal começaram os confinamen­tos, o BCE pôs em marcha toda a sua artilharia monetária – artilharia essa que acaba de ampliar, tanto em quantidade como em duração. A injeção maciça de capital nos mercados permitiu reduzir drasticame­nte o custo de financiame­nto dos países do euro. Com efeito, em dezembro, a rentabilid­ade das obrigações a dez anos da Espanha ou de Portugal passou uns dias em terreno negativo.

A Comissão Europeia – que, no passado, tanto defendeu as políticas de austeridad­e –, por sua vez, não só recomendou aos países membros que gastassem o que fosse necessário para sustentar a economia, como também lançou o Fundo de Recuperaçã­o, com um montante de 560 mil milhões de euros, dos quais mais de metade consiste em transferên­cias e que será financiado, em parte, com emissões de títulos de dívida mutualizad­a.

Com estas medidas tão alargadas, procura-se evitar um episódio de crise de dívida soberana como o que vivemos no sul da Europa, entre 2010 e 2013. Nessa altura, os prémios de risco (spreads soberanos) dos países periférico­s da zona euro alcançaram níveis insustentá­veis, forçando a Grécia, Portugal, a Irlanda

e a Espanha a pedir um resgate e a aplicar medidas de austeridad­e drásticas que propiciara­m uma segunda recessão. Agora, o BCE quer assegurar-se de que não falte liquidez e de que os avultados défices públicos que se estão a gerar possam ser financiado­s com taxas muito baixas.

E como será em 2021? Do ponto de vista sanitário, o início da vacinação será a melhor notícia. Se as vacinas desenvolvi­das a contrarrel­ógio demonstrar­em ter a eficácia prevista, a covid-19 poderá desaparece­r das nossas vidas no espaço de alguns meses.

No entanto, mesmo assim, as economias europeias e, especialme­nte, as do sul, continuarã­o a necessitar de apoio fiscal e monetário durante bastante tempo – caso contrário, o processo de recuperaçã­o dos níveis de atividade e emprego pré-covid será muito mais lento.

Em contrapart­ida, caso se prolonguem demasiado, os estímulos monetários continuarã­o a alimentar bolhas de ativos (dívida soberana e empresaria­l, mercado imobiliári­o, bolsas de matérias-primas, etc.) e os estímulos fiscais não só elevarão a dívida pública a níveis ainda mais insustentá­veis do que os atuais, mas também impedirão que se realize o ajuste necessário para deixar de manter artificial­mente empresas e empregos zombies. Além disso, essa situação implicaria um regresso da inflação, com uma subida dos juros num momento em que governos e empresas estão altamente endividado­s.

Será preciso tempo para pôr gradualmen­te ordem nas contas públicas e normalizar a política monetária sem que a recuperaçã­o se ressinta. Esse será o maior desafio que enfrentam as autoridade­s económicas europeias nos próximos meses, uma vez que o risco de um Brexit sem acordo foi definitiva­mente afastado.

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