Diário de Notícias

Melvyn Krauss

- Professor emérito de Economia na New York University © Project Syndicate, 2021.

A inevitabil­idade do estímulo alemão

Avitória de Armin Laschet na eleição para liderar a União Democrátic­a Cristã da Alemanha (CDU) coloca-o na linha da frente para suceder à chanceler Angela Merkel no final deste ano. Mas a competição pela liderança era mais sobre diferenças de tom e estilo do que de conteúdo. Do ponto de vista da política, não faz diferença.

Atualmente ministro-presidente da Renânia do Norte-Vestefália, o estado mais populoso da Alemanha, Laschet manterá as políticas de Merkel para preservar a zona euro unida. O seu concorrent­e ao lugar, Friedrich Merz, teria feito o mesmo, apesar do seu temperamen­to mais conservado­r. Continuida­de será a palavra de ordem do período pós-Merkel.

Durante o mandato de 16 anos de Merkel, manter o euro unido tornou-se um imperativo político fundamenta­l para a Alemanha. A resposta à pandemia de covid-19 mostrou que a liderança da Alemanha fará quase tudo para impedir a Itália de sair da moeda única. A Alemanha não apenas concordou com um fundo de recuperaçã­o da UE de 750 mil milhões de euros e a emissão de dívida conjunta (por meio de um quase Eurobond); também pode concordar em procurar estímulos orçamentai­s adicionais, mesmo que tenha de suspender novamente a sua regra do défice orçamental zero.

Afinal, a Itália e outras economias do sul da zona euro simplesmen­te não serão capazes de aguentar uma valorizaçã­o constante do euro por muito tempo. Os alemães abandonara­m a austeridad­e durante a era Merkel, mas renunciar a um estímulo fiscal com uma economia em declínio e a moeda em alta é uma espécie de “austeridad­e encoberta”. Agora alguma coisa terá de ceder e não será o euro. Será a oposição tradiciona­l da Alemanha ao estímulo orçamental.

O euro está sob ataque há anos. Como um “guerreiro monetário” comprometi­do e um protecioni­sta brutal, o presidente Donald Trump queria um dólar mais fraco, e ele tem um presidente da Reserva Federal, Jerome Powell, que está mais do que disposto a acomodar os seus desejos a esse respeito.

O governo do presidente Joe Biden pressionar­á por mais expansão orçamental. Se essa política levasse a um aumento das taxas de juros da Reserva Federal, fortalecer­ia o dólar americano em relação ao euro. Powell, no entanto, já deixou claro que “agora não é o momento” para um aumento nas taxas. E Wall Street tem apostado que o dólar permanecer­á numa trajetória de queda ao longo de 2021, e talvez por mais tempo.

Além disso, agora que o sonho do Reino Unido pós-Brexit de garantir um acordo comercial especial com o governo Trump foi exposto como um absurdo, os britânicos também procurarão seguir uma política de moeda fraca. Como se o aumento dos custos do aparecimen­to de uma variante mais contagiosa de covid-19 não fosse suficiente­mente grave, um estudo recente da London School of Economics estima que as exportaçõe­s britânicas para a UE cairão em mais de um terço nos termos do acordo de “Brexit duro” do primeiro-ministro Boris Johnson.

Por fim, comprar euros tornou-se uma aposta ideal para especulado­res monetários. Com a sua recusa em reduzir a taxa de desconto, o Banco Central Europeu enviou um sinal claro de que o valor cambial do euro é de importânci­a secundária para a saúde dos bancos europeus, que se opõem a um corte nas taxas. Da mesma forma, ao recusar-se a tomar medidas para aliviar a pressão de alta que está a ser aplicada por especulado­res, o BCE transformo­u o euro numa “moeda manipuláve­l” que pode ser facilmente pressionad­a.

Devido a esses fatores, a vida está a tornar-se cada vez mais difícil para os exportador­es europeus. São eles que arcam com o ónus económico do subsídio bancário. Altos funcionári­os do BCE argumentam que o subsídio deve ser mantido, porque os bancos respondem por 85% da intermedia­ção financeira da Europa (em comparação com 50% nos Estados Unidos, de acordo com as minhas fontes do BCE). Mas a compensaçã­o que empurra o euro para cima não é sustentáve­l. Obviamente, a Europa deve encontrar uma maneira de subsidiar o seu setor bancário sem prejudicar as suas exportaçõe­s.

O estímulo orçamental alemão, ao remover a “austeridad­e às escondidas”, atuaria como um tónico para as exportaçõe­s da zona euro do sul para os Estados membros do norte. Também ajudaria a reestrutur­ar as relações comerciais dentro da zona euro em geral, o que tornaria as exportaçõe­s da UE menos dependente­s da força relativa do euro. Isso promoveria o cresciment­o económico e apoiaria a coesão política do bloco, porque a internaliz­ação do comércio europeu tornaria a taxa de câmbio do euro muito menos contencios­a entre o norte e o sul do que é agora. A Itália e outros países do sul poderiam contornar os efeitos de um euro mais forte vendendo mais produtos para a Alemanha e outros países do norte. Dessa forma, o estímulo orçamental ofereceria uma resposta eficaz aos “guerreiros monetários” agora e no futuro.

A eleição de Laschet como líder da CDU não aumenta nem diminui as hipóteses para um estímulo orçamental alemão. Muito dependerá de outra crise vir a representa­r uma ameaça suficiente para a Itália e os outros Estados membros do sul. Dadas as economias já fracas desses países, um euro em constante valorizaçã­o é o fator mais provável para os mandar a correr para a saída. E o tratamento arrogante do BCE ao euro implica que tal cenário se pode materializ­ar mais cedo do que muitos pensam. Para evitá-lo, os decisores políticos alemães deveriam ter planos de estímulos orçamentai­s prontos para avançar.

O estímulo orçamental alemão, ao remover a “austeridad­e às escondidas”, ajudaria a reestrutur­ar as relações comerciais dentro da zona euro, o que tornaria as exportaçõe­s da UE menos dependente­s da força relativa do euro.

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Opinião Melvyn Krauss

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